Nota da ANTRA sobre a Importância da CEDAW e sua Relevância para a Pauta Trans

Direitos e Política, Notas e Ofícios, Violência

O que é a CEDAW?

A CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres) é um tratado internacional aprovado pela maioria dos países membros da ONU em 1979 e entrou em vigor em 1981. Seu objetivo é promover a igualdade de gênero, combatendo a discriminação contra mulheres em todas as suas formas. A CEDAW é um marco na proteção dos direitos humanos, garantindo que mulheres, incluindo mulheres trans, possam viver livres da violência de gênero e da discriminação.

Ela fornece um quadro legal e normativo que os países devem seguir para promover a igualdade de gênero. O Brasil ratificou a Convenção CEDAW em 1984, mas fez reservas aos artigos que estabelecem os direitos das mulheres à liberdade, à autonomia, quanto à escolha do domicílio e residência e à igualdade de direitos com os homens nos assuntos referentes ao casamento e às relações familiares, por que essas definições não coincidiam com o que estava gravado no Código Civil de 1916, ainda em vigor.

Essas reservas somente foram retiradas em 1994 e, apenas em 2002, depois da aprovação do Novo Código Civil, a Convenção CEDAW seria ratificada na integralidade pelo Estado Brasileiro.

Inclusão da pauta Trans

A CEDAW foi originalmente concebida para tratar da igualdade entre homens e mulheres e proteger mulheres cisgêneras contra discriminação e violência resultantes dessas desigualdades. Contudo, decisões e recomendações posteriores do seu Comitê de Vigilância ampliaram a abrangência da proteção garantida pela convenção contra a discriminação e violência de gênero para incluir situações decorrentes da identidade de gênero, ou seja as violações contra mulheres trans.

O comentário Geral No. 28 (2010) do Comitê enfatiza que os Estados devem reconhecer, proibir e adotar políticas e programas para eliminar formas intreseccionais de discriminação, incluindo, explicitamente aquelas baseadas na identidade de gênero. Esse alargamento foi fundamental para garantir que todas as mulheres, independentemente de sua identidade de gênero, sejam protegidas contra a discriminação.

Revisão da 88ª sessão da CEDAW

Na 88ª sessão da CEDAW, o Brasil será objeto de revisão periódica. A última revisão da consistência de implementação da Convenção no Brasil aconteceu em 2012. As revisões subsequentes não ocorreram razão dos efeitos cruzados do impeachment da presidente Dilma em 2016 e da crise da COVID 19 instalada em 2020.

Esta é, portanto, uma oportunidade privilegiada para avaliar o estado da implementação da convenção, numa perspectiva alargada que inclua violações da mesma no que diz respeito à discriminação e à violência, em particular violência letal, contra pessoas trans no país. Os resultados da revisão deverão impulsionar políticas mais inclusivas e efetivas, destacando a importância de proteger os direitos de mulheres e meninas trans.

Desafios com Grupos Transexcludentes

Lamentavelmente, em anos recentes, os trabalhos do Comitê CEDAW, assim como outras arenas de debate da ONU, enfrenta desafios derivados da incidência de forças transexcludentes, inclusive de correntes feministas que se se definem como “críticas do gênero ” no sentido de restaurar a definição dos direitos das mulheres como base no “sexo”, o que – de acordo com essas pessoas – visa restringir a proteção a violações associadas a identidade de gênero. Deixando mulheres trans vulneráveis e sem proteção.

Algumas dessa vozes sugerem que a extensão do marco de proteção da CEDAW às mulheres trans compromete os direitos de mulheres cis, mesmo que isso não encontre respaldo na realidade.

Necessidade de vigilância

A CEDAW é uma aliada poderosa na luta pela igualdade de gênero e dos direitos trans. No entanto, a vigilância e a ação contínua de monitoramento dessas movimentações são necessárias para garantir que suas proteções sejam verdadeiramente inclusivas, defendendo todas as mulheres contra discriminação e violência.

A 88ª sessão da CEDAW representa uma oportunidade crucial para o Brasil reforçar seu compromisso com a igualdade de gênero e os direitos das pessoas trans, e acontecerá em Genebra até dia 31/5/2024.

É crucial que defensoras e defensores dos direitos trans – de proteção com base na identidade de gênero, estejam atentas/os e atuantes para garantir que a CEDAW seja interpretada de forma inclusiva. Isso envolve combater narrativas essencialistas de gênero e seus ímpetos transexcludentes, e assegurar que todas as interpretações do tratado reconheçam a diversidade de experiências e vivências de gênero.

O apoio internacional é vital para fortalecer a aplicação da CEDAW de forma inclusiva. Colaborações entre países e organizações internacionais podem ajudar a pressionar por uma implementação mais justa e abrangente.

Recomendações para a revisão da CEDAW

Defesa firme do Conceito e Perspectiva de Gênero: As instituições devem adotar uma perspectiva de gênero que inclua mulheres cis e trans, reconhecendo suas experiências e necessidades distintas.

Não Discriminação: Implementar políticas que proíbam explicitamente a discriminação com base na identidade de gênero, garantindo proteção legal para mulheres trans em todas as áreas da vida pública e privada.

Tratamento Igualitário: Promover a igualdade de tratamento entre mulheres e meninas cis e trans, garantindo acesso igualitário a serviços de saúde, educação, emprego e proteção contra violência.

Igualdade entre travestis e mulheres trans: tratar travestis e mulheres trans sem qualquer hierarquia ou diferença que fragilize uma em detrimento da outra.

Mulheres trans são mulheres: assegurar a igualdade de tratamento entre mulheres cis e trans em todos os direitos garantidos às mulheres, incluindo a proteção contra a violência de gênero e violência doméstica, o acesso a espaços sociais, e o reconhecimento de mulheres trans pelo que são, mulheres.

Participação inclusiva em fóruns e espaços da CEDAW: a fim de garantir que haja efetiva presença de mulheres trans, inclusive nas comitivas oficiais dos estados.

Essas recomendações não esgotam as urgências da população trans, e foram elaboradas com o intuito de direcionar uma resposta efetiva e humanizada às necessidades específicas das pessoas trans e travestis em relação a necessidade de proteção, promovendo sua inclusão e dignidade. 

Baixe a seguir o guia ilustrado: