
A ANTRA oficiou o Ministério da saúde a respeito de questões importantes sobre a saúde trans.
Assumindo seu papel de articulação e diálogo com diversos ministérios e setores do governo, a ANTRA construiu e encaminhou ofício ao Ministério de Saúde sobre I) o aumento exponencial nos preços do medicamento Deposteron, composto injetável, produzido pela EMS, usado para reposição hormonal de testosterona, essencial para diversas pessoas trans, sejam eles homens trans, pessoas transmasculinas e não binárias, e pessoas com produção deficitária do hormônio, hipogonadismo, e outras indicações; II) a Política Nacional de Saúde integral da População LGBTQIA+ Processo Transexualizador que não foram incluídos na estrutura do Ministério da Saúde; e III) Propostas e sugestões de ações que consideramos importantes junto a pasta da saúde em relação à comunidade trans.
I) Sobre a problemática do aumento abusivo da testosterona
A alta do Deposteron afetou duramente pessoas que necessitam de reposição de testosterona, muitas das quais vivem em situação de vulnerabilidade e necessitam do medicamento para o tratamento hormonal. Em que pese exista divergência, na seara do direito do consumidor, sobre a abusividade da medida, impossível não reconhecer que o aumento causa dano irreparável ao direito constitucional à saúde.
Antes, haviam três opções de compra deste medicamento no mercado brasileiro. Há cerca de um ano, uma delas teria sido retirada do mercado (Durateston). As duas restantes seriam os compostos Nebido e o Deposteron. A Nebido, com opção com ciclo de uso de, em média, quatro em quatro meses, possui um preço em torno de R$700 por uma ampola. A opção mais acessível, com ciclos de uso de, em média, vinte em vinte dias, possuía, até agosto de 2022 o preço em torno de R$50 por três ampolas. Um custo altíssimo para essas pessoas que fazem uso contínuo da medicação.
A problemática do aumento, como se vê, é potencializada não somente pela necessidade de uso contínuo, mas também pela falta de opções alternativas financeiramente viáveis – especialmente considerando que o medicamento nem sempre é disponibilizado pelo SUS. Desde 2008, o SUS oferece hormonização gratuita para mulheres trans e, a partir de 2013, também para homens trans e pessoas transmasculinas. Mas nunca houve regulação e a efetiva dispensação da medicação ou padronização no SUS.
Está-se, portanto, diante de consequências gravíssimas para a saúde pública, já que diversas pessoas serão obrigadas ou a interromper os seus tratamentos ou a iniciar tratamentos com compostos adquiridos no mercado paralelo, que é desregulamentado e extremamente perigoso
II) Ausência da Política Nacional de Saúde integral da População LGBTQIA+ Processo Transexualizador na estrutura do Ministério da Saúde
Lemos com bastante atenção toda a nova estrutura do ministério e ficou nítido que não constam quaisquer informações, nem menção ou localização da Política Nacional de Saúde LGBT (PNSILGBT) e nem mesmo sobre o Processo Transexualizador. Ambas políticas foram frutos de conquistas importantes para o movimento LGBTQIA+, mas enfrentaram um processo de desinvestimento e retrocessos durante a gestão bolsonaro.
Resgatamos que até 2016, ficavam explicitados cada locus: sendo a PNSILGBT na extinta DAGEP e processo transexualizador no DAET. E sabemos que alguns órgãos foram extintos pelo governo anterior, mas não ficou nítido onde estarão sendo pautadas essas conquistas importantes que tivemos inclusive no governo Lula. E isso muito nos preocupa.
Destacamos ainda que o Processo Transexualizadror precisa passar com urgência por uma reestruturação e atualização à luz da portaria da Resolução nº 2.265 do CFM, sem se limitar a ela e da CID-11, que precisa ser ratificada por ter entrado em vigor desde 1 de janeiro de 2022, mas que ainda não foi devidamente implementada no país, causando a manutenção de um processo patologizante em relação das identidades trans e ferindo em cheio o que preconiza a OMS.
III) Sugestões de ações que consideramos importantes junto a pasta da saúde em relação a comunidade trans.
1. Ratificação em caráter de urgência o CID-11, publicada em 2018 pela Organização Mundial da Saúde, de modo a reconhecer que a transgeneridade não é uma doença;
2. Revisão e atualização dos procedimentos previstos no Processo transexualizador a partir do que está previsto na resolução 2265/2020 do CFM, sem se limitar a ela e com diálogo com os movimentos trans;
3. Ampliar a rede de oferta dos procedimentos previstos no processo transexualizador do SUS com a habilitação e implementação de Ambulatórios e hospitais, com atenção especial aos estados onde não existam ou estejam inoperantes;
4. Cumprimento imediato da decisão do STF no julgamento da ADPF 787 em 28/06/2021 sobre o acesso à saúde de pessoas trans no SUS;
5. Instituir protocolo de cuidado específico para pessoas que passaram pelas cirurgias de redesignação sexual, com o incentivo e destinação de recursos para o desenvolvimento de pesquisas sobre a saúde física e o impacto na saúde mental, cultura da flora bacteriana vaginal e do próprio funcionamento das neo-vaginas, assim como o de neo-falos, realizados pelos SUS nos últimos 25 anos, com atenção especial sobre quais seriam os cuidados necessários ao longo da vida desses indivíduos que não contam com qualquer tipo de suporte ou médicos qualificados para esse cuidado;
6. Geração de dados sobre a nossa comunidade no âmbito do sistema de saúde, que considere a orientação sexual e a identidade de gênero das pessoas LGBTQIA+
7. Atuar para a inclusão e garantia do acesso ao aborto legal para homens trans, pessoas transmasculinas e não binárias que tem útero e podem gestar;
8. Estabelecer diálogo com os movimentos sociais de pessoas trans politicamente mobilizados em questões referentes aos nossos direitos;
9. Destinar recursos e atenção para a realização de pesquisas e desenvolvimento de protocolos de cuidados para jovens trans, incluindo crianças e adolescentes, investindo recursos para pesquisas e programas para o mapeamento das necessidades específicas desse grupo, seus familiares e responsáveis;
10. Incluir um olhar atento a interseccionalidade de diversidade, identidade e expressão de gênero nas ações do ministério, considerando as necessidades específicas da população trans;
11. Atualizar e atuar para a efetiva implementação da Política Nacional de Saúde Integral LGBTQIA+ em todos os estados; e
12. Revisar e atualizar a cartilha sobre a Saúde da população Trans.
O Ofício pode se lido na íntegra aqui: OFÍCIO ANTRA 3/2023 – MINISTÉRIO DA SAÚDE