BRASIL INVISIBILIZA E SE OMITE DAS QUESTÕES LGBTI FRENTE A ONU

Direitos e Política

NOTA PÚBLICA DA ANTRA CONTRA A OMISSÃO DO ESTADO BRASILEIRO EM RELAÇÃO A DEFESA DA POPULAÇÃO LGBTI NA ONU.

 Cientes da candidatura do atual governo brasileiro a um dos assentos no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) vem manifestar o seu desacordo e repúdio a essa candidatura, assim como, às justificativas para a mesma.

O atual governo brasileiro não reconhece a cidadania da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres transexuais, homens trans e intersexos (LGBTI), pois tem trabalhado incansavelmente para negar o seu acesso a direitos básicos, promovendo retrocessos nas conquistas de políticas pró-LGBTI.  Sua gestão não promove políticas de enfrentamento a violências LGBTfóbicas e/ou de gênero – que vêm aumentando desde a sua eleição; deslegitimando as evidências de vulnerabilidade desta população, além de extinguir as políticas públicas que buscavam assegurar e reconhecer sua cidadania plena.

Entendemos que a gestão em vigor contraria os princípios consolidados no Estado democrático de direito e fere o artigo 5º da Constituição. Além disso está em desacordo com diversos tratados internacionais dos quais os Brasil é signatário, como os princípios da Yogyakarta, os princípios da Corte Interamericana de Direitos Humanos na Opinião Consultiva Nº 24, que trata do tema identidade de gênero e não discriminação de casais do mesmo sexo (CIDH, 2017), e as recomendações da própria ONU na defesa da população LGBTI.

Em recente pesquisa da ANTRA, 99% da população brasileira diz não se sentir segura no país**. Compreendemos que estas afirmações estão relacionadas às inúmeras declarações LGBTIfóbicas, machistas e/ou racistas do presidente e agentes do governo, que legitimam e autorizam violências contra a população LGBTI. Identificamos correlações entre as declarações de ódio por parte do governo e o aumento dos casos de violências.

No dia 28 de junho de 2019, enquanto os Movimentos LGBTI comemoravam os 50 anos da Revolta de Stonewall, o governo brasileiro, através do decreto 9.883/2019, extinguiu o Conselho Nacional LGBT, constituído pela sociedade civil e por membros do governo, eliminando um importante espaço de controle social. Trata-se de uma estratégia de vedação à participação da população LGBTI da política institucional do país, através do fechamento de canais que possibilitavam a disputa dos rumos da vida política brasileira e seus impactos na vida destas pessoas.

Os retrocessos no campo da saúde também revelam as precariedades no cuidado e garantia de direitos, em especial para a população negra e/ou pobre. Em maio de 2019, o Departamento de IST, AIDS e Hepatites Virais do Ministério da Saúde foi rebaixado para parte de um setor mais amplo chamado Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Essa mudança  tem preocupado ativistas e pessoas que vivem com o vírus e dependem das políticas nacionais, uma vez que o setor perde autonomia para a execução de políticas.

A medida afeta em especial a comunidade LGBTI do país. Pesquisas indicam que, nos últimos 10 anos, enquanto pessoas brancas e heterossexuais tiveram uma redução nas taxas de infecções por HIV, desenvolvimento da AIDS e óbitos decorrentes do quadro imunológico, as taxas cresceram imensamente para pessoas negras. Travestis e mulheres transexuais são categorizadas como “homens que fazem sexo com homens”, numa nítida estratégia de apagamento das identidades trans. Estima-se ainda que cerca de 40% das mulheres transexuais e travestis vivam com o HIV no Brasil e o Estado, desde o golpe de 2016, tem cortado investimentos no setor, sem apresentar medidas de enfrentamento à epidemia que volta a ameaçar a população nacional. Por esse motivo, é extremamente preocupante que o governo brasileiro realize um desmonte das políticas públicas de prevenção ao HIV, visto que essa medida atinge diretamente a população LGBTI, negra e pobre do país.

Ademais, o Brasil é o país que mais mata LGBT no mundo. A cada 48 horas uma pessoa transexual é barbaramente assassinada, segundo nossas estimativas. Acumulamos 82% de exclusão escolar de travestis e transexuais, panorama que aumenta a vulnerabilidade dessa população e favorece os altos índices de violência que estamos expostas no transito do dia a dia.

Com o final do processo eleitoral o governo brasileiro intensificou as suas investidas contra a população LGBT usando o termo “ideologia de gênero” para se referir a qualquer coisa que diga respeito à forma como os LGBTI disputam as suas pautas. O desrespeito governamental fica evidente nas inúmeras declarações de diferentes membros desse governo ao se referir às nossas demandas. O famoso “menino veste azul, e menina veste rosa” aponta de forma caricatural como um dos principais ministérios dialoga com a questão da identidade de gênero e da orientação sexual.

Portanto é desonesto afirmar que o governo se preocupa e respeita a orientação sexual e identidade de gênero de sua população. É mentiroso afirmar que esse governo trabalha para que essa população possa ter garantido os seus direitos. Contudo, hoje, apesar disso tudo, o Brasil votou a favor da resolução que renova o mandato do relator para Direitos Humanos na ONU (CDH). Em nosso entendimento tal estratégia é incoerente somente na aparência, porém contém a lógica perversa de governo. Primeiro por que é parte de uma guerra híbrida em curso: fazer coisas contraditórias para confundir os adversários e ludibriar a população. Segundo, está relacionada às estratégias de cooptação e pinkwashing da Ministra Damares (Que afirma “abominar a ideologia de gênero mas amar gays, lésbicas e travestis”). Finalmente é o Brasil conquistando votos europeus para ser reeleito para a CDH ONU.

Dessa forma, repudiamos todo e qualquer argumento discriminatório que, pautado em viés ideológico, religioso e que, direta ou indiretamente, questione a luta por direitos e  reconhecimento da cidadania plena de nossa população. Que omita a existência da população LGBTI e que tenha se posicionado contrário ao que vínhamos construindo democraticamente em diálogos com outros governos.

Não podemos deixar que continuem acontecendo violações a nossos direitos fundamentais, agora por agentes do estado, contra o avanço de políticas que visam asseguram a cidadania de nossa população e o acesso a direitos básicos, sobretudo do acesso a uma educação de qualidade, para todas as pessoas.

O atual governo Brasileiro está alinhado a ideologias fundamentalistas e conservadoras especialmente no tocante a direitos da população LGBTI e pautas de gênero. O que fica evidente no texto de votação na ONU,no qual invisibilizou temas importantes como as violências de gênero, o respeito à identidade e orientação sexual, assim como direitos sexuais e reprodutivos, enfrentamento à tortura, genocídio da juventude negra e o enfrentamento do machismo e da intolerância religiosa. Ferindo pautas fundamentais em Direitos Humanos e para a população brasileira, manipulando a opinião pública ao assinar um compromisso, sem se comprometer com sua execução. O texto ainda não faz menção a ações afirmativas para garantir a inclusão, o respeito e a dignidade das LGBTI junto à sociedade tampouco fala de qualquer política específica para o grupo.

O atual Governo brasileiro não pode afirmar à ONU ou a qualquer Organismo Internacional que está de acordo com o que determina esta organização no que diz respeito à identidade de gênero e orientação sexual. Seus discursos e ações revelam políticas contrárias. Assim como é falaciosa a afirmação de que esse governo compreende essa população como parte das pessoas em situação de vulnerabilidade.

Desta forma, vimos a público repudiar as tentativas de apagamento e silenciamento da população LGBTI brasileira, grande parte vulnerabilizada pela falta de ações do governo, que não tem dado a devida atenção a demandas pautadas pelos movimentos da sociedade civil. E deixamos nítido nosso descontentamento com uma representação junto a ONU que ignore os Direitos Humanos de uma das populações mais violentadas no mundo. Nesse sentido, a ANTRA manifesta o seu desacordo com a política de morte imposta pelo governo Bolsonaro.

Salvador, 12 de Julho de 2019

Keila Simpson – Presidenta da ANTRA

NOTA PUBLICA ANTRA OMISSAO BRASIL-ONU (PDF)

**https://antrabrasil.org/2019/05/21/99-da-populacao-lgbti-nao-se-sente-segura-no-brasil/

leve o julgamento até o final. vidas dependem desta decisão (1)