Pesquisa inédita da ANTRA lançada por ocasião do Dia 17 de Maio – Dia Internacional de Combate á LGBTIfobia aponta que 99% da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexos (LGBTI), não se sente segura no Brasil.
Parece a Maria Gadu do Pampa. Eu tenho é nojo dessa gente, por isso que não vou na Cidade Baixa”. Ouvi isso na fila da padaria, no bairro Santa Maria Goretti, em Porto Alegre, numa segunda-feira, um dia após o primeiro turno das eleições de 2018. O homem que me dirigiu essas palavras estava atrás de mim e, de tanto medo que senti, não tive coragem de girar meu corpo e encarar nos olhos o agressor. Eu temi pela minha integridade física e psicológica naquele momento: aquela pessoa poderia me humilhar ainda mais, ali mesmo, ou então poderia me seguir, me bater, me matar. O motivo? A minha aparência física “entrega” que sou lésbica, e isso não é aceitável para boa parte da população no Brasil, empoderada pela eleição de Jair Bolsonaro, com uma política que prega o “conservadorismo nos costumes”, para a Presidência da República. Para minha sorte, a violência encerrou ali, mas poderia ter sido diferente. Fui vítima de preconceito, esse decorrente da minha orientação sexual. São muitos LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis) brasileiros que passam por situações similares. Inclusive, meu desfecho foi muito menos trágico que o de tantos outros, que são agredidos, violentados e até mortos por simplesmente serem e expressarem quem são. (P. Cândido, no texto Comunidade LGBT vive tensão diante da ascensão do conservadorismo[1].)
Ainda em outubro de 2018, o atual presidente e até então candidato assinou um documento do Voto Católico Brasil, no qual afirmava que defenderia “valores inalienáveis” do grupo religioso. Dentre esses valores estão o matrimônio como sendo estritamente entre homem e mulher e o combate à “ideologia de gênero”. E desde sua eleição, segue alternando episódios de ataques públicos gratuitos a população LGBTI e piadas homofóbicas em muitas de suas declarações.
”Pertencer a um grupo socialmente excluído, como é o caso da população LGBT, é estar diariamente exposto ao ódio e à intolerância de todos aqueles que se julgam no direito de “discordar” das identidades sexuais e de gênero que fogem à norma. É o discurso de fundamentalistas cristãos que está matando gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. É chamar os outros de “viadinho”, “mulher macho” ou “traveco”, é fazer piada com o que não tem graça e é a falta de reflexão sobre as próprias atitudes que provocam a morte de milhares e milhares de LGBTs em todo o planeta”. (O mundo não é um lugar seguro para LGBTs, por Vinícius de Vita, publicado no portal HuffPost Brasil)
De acordo com a pesquisa “Violência contra LGBTs+ nos contextos eleitoral e pós-eleitoral”[2], consta que ”as declarações do então candidato a presidente Jair Bolsonaro a respeito dos homossexuais e outros grupos vulneráveis estimularam, em certa medida, parte de seu eleitorado a expor preconceitos e discriminações”. Os dados publicacos apontam que ”houve uma escalada do discurso de ódio no contexto eleitoral. Ativistas e militantes denunciaram agressões físicas ou verbais contra pessoas LGBT+. O assunto passou a ocupar os noticiários. Além dos depoimentos de pessoas LGBT+ que sofreram xingamentos e ofensas nas redes sociais por parte de eleitores e apoiadores de campanhas de extrema direita, foram noticiadas situações envolvendo ameaças de morte e homicídio de pessoas LGBT+ com motivação político-eleitoral”, e que 54,5% das travestis, homens e mulheres trans afirmaram ter sofrido violência MAIS DE TRÊS VEZES motivadas por sua orientação sexual e/ou identidade degênero durante as eleições de 2018″. E no decorrer do período pós eleitoral, a população LGBTI, especialmente aquelas pessoas que não seguem o padrão cis-hetero-performativo, passou a viver em constante alerta devido o aumento da violência. O que nos motivou a realizar esta pesquisa.
Durante o período de 13 a 17/05/2019, realizamos uma pesquisa em nossas redes sociais e parceiras, a fim de traçar como se encontra a sensação de segurança da população LGBTI no Brasil, onde perguntamos o quanto estas se sentem seguras. Os dados serão utilizados para fomentar a discussão e a ampliação de uma pesquisa mais aprofundada sobre o tema. Segundo o site Spartacus, que leva em consideração critérios como políticas de inclusão e violência para a população LGBTI no mundo, o Brasil passou do 55º lugar de 2018 para o 68º em 2019 no ranking de países seguros para a população LGBT[3].
Hoje no país, existe de forma acentuada uma naturalização da violência, do discurso de ódio e a incitação contra pessoas LGBTIs e devemos lembrar que os números governamentais tem sido insuficientes ou inexistentes frente a amplitude dessa violência não reflete ainda a totalidade do problema, que vem tornando o Brasil, uma nação hostil a nossa população.
Escolhemos o ambiente virtual como local para este levantamento, as redes sociais Facebook e o Instagram especificamente, pois através delas é possível nos informar e nos expressar, além de serem usadas como canais de difusão de conhecimento e dados que visam contribuir para o enfrentamento da LGBTIfobia em nossa sociedade e romper de vez com os ciclos da violência contra a população LGBTI, especialmente contra a população Trans.
Os resultados são alarmantes e se basearam na interação espontânea com as publicações, onde as pessoas respondiam SIM ou NÃO a pergunta: “VOCÊ SE SENTE SEGURA/O NO BRASIL?”. E os principais elementos encontrados entre os mais de 10mil engajamentos no post do Facebook e as 1350 pessoas que interagiram em ambas as redes, apenas 4 pessoas responderam que se sentiam seguras, o que representa 0,3% dos participantes.
Entre os participantes, 40% se identificaram como pertencentes ao gênero feminino e 2% como pessoas não-binárias. Do total de gênero feminino, 30% eram pessoas trans. Não foi possível profundar questões como classe e raça/etinia.
Seguramente este levantamento, por mais simples que possa parecer, reflete a forma como a população LGBTI se sente no Brasil e dialoga diretamente com outros dados, índices e pesquisas feitas neste contexto que traz a violência como o maior desafio a ser enfrentado pela população LGBTI.
Reforçamos que esta foi uma pesquisa feita por iniciativa própria, e que é de suma importância a realização de um levantamento mais aprofundado, qualitativo, de forma ampla e que seja capaz de ampliar marcadores necessários para um diagnóstico mais robusto, e que apresente dados suficientes para pensarmos no enfrentamento de toda forma de discriminação e preconceito contra nossa população.
[1] Comunidade LGBT vive tensão diante da ascensão do conservadorismo. Disponível em: https://www.ufrgs.br/humanista/2019/01/24/comunidade-lgbt-vive-tensao-diante-da-ascensao-do-conservadorismo/
[2] Pesquisa “Violência contra LGBTs+ nos contextos eleitoral e pós-eleitoral”. Disponível em: http://violencialgbt.com.br/
[3] Brasil cai no Ranking de países seguros para LGBTI. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/diversidade/brasil-cai-13-posicoes-no-ranking-de-paises-seguros-para-lgbts/
*17 de maio, Dia mundial de combate a LGBTIfobia*
_#ÉCRIMESIM_
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