ANTRA realiza seu 23º Encontro Nacional de Travestis e Transexuais em Tapes/RS.

Direitos e Política

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XXIII Encontro Nacional da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA): “Enfrentando os preconceitos e estigmas do HIV com a prevenção combinada”

Entre os dias 28 a 31 de outubro, ocorreu o 23º encontro nacional da   Associação   Nacional   de   Travestis   e   Transexuais   (ANTRA),   uma   rede   de organizações trans do Brasil que trabalha na promoção de direitos das pessoas trans. O encontro  teve  como  tema  “Enfrentando  os  preconceitos  e  estigmas  do  HIV  com  a prevenção  combinada”  e  contou  com  a  participação  de  cerca  de 60 ativistas  travestis e transexuais, representando a maior parte dos estados do Brasil.

O  encontro  ocorreu  na  cidade  de  Tapes,  a  108km  de  Porto  Alegre,  capital  do  Rio Grande do Sul. A opção de realizar o encontro nacional no interior do país foi devido à grande  invisibilização  das  violações  de  direitos  humanos  que  ocorrem  longe  dos grandes  centros  urbanos,  onde  ocorrem  todos  os  grandes  eventos.  De  fato,  durante  o encontro,  muitas  ativistas  do  interior  reportaram  as  suas  precárias  condições  para denunciar  violações  de  direitos  humanos  e  para  dar  visibilidade  aos  assassinatos  que ocorrem sem que haja nenhuma notícia na mídia

Para Pitty Barbosa, da cidade de Iguaíba, localizada no interior do Rio Grande do Sul, afiliada da ANTRA:

“Em todo o Brasil, as cidades do interior estão muito abandonadas por todos os gestores e  pastas  da  política  LGBTI.  Devemos  ter  um  olhar  mais  reto,  mais  incisivo  a  essa população, que está tão desprovida de direitos. Por isso, precisamos fazer mais ações no interior”

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Diferentemente de  outras  anos,  em  que  foi  possível  realizar  encontros  regionais  prévios  aos  nacional, não  houve  recursos  nem  estrutura  para  a  realização  dos  encontros  regionais,  o  que impossibilitou um aprofundamento prévio dos debates

Epidemia de HIV no Brasil

O  Brasil  vive  nesse  momento  uma  nova  epidemia  de  HIV.  Segundo  os  dados  mais recentes do boletim epidemiológico lançado anualmente pelo Ministério de Saúde, entre os anos de 2007 e 2017, o número de jovens infectados pelo HIV saltou de 1.320 para 10.618, um crescimento de cerca de 700%

Contudo,   o   avanço   alarmante   do   aumento   de   casos   de   infecções   de   HIV,   de adoecimento  de  AIDS  e  de  óbitos  motivados  pelas  doenças  oportunistas  não  tem atingido  a  todas  as  camadas  da  população  de  maneira  homogênea.  A  AIDS  no  Brasil tem classe, raça, gênero e sexualidade

Ao, por exemplo, analisar os dados referentes às categorias raça/cor e sexo nos últimos 10 anos quanto aos óbitos decorrentes da AIDS, são observadas grandes discrepâncias. Enquanto,  nos  últimos  10  anos,  homens  e  mulheres  brancos  tiveram  uma  grande redução  no  número  de  óbitos,  que  passaram  de 5461  em  2007  para  4352  em  2017,  o mesmo não aconteceu para a população negra: em 2007, foram registradas 5111 mortes de homens e mulheres negras, enquanto em 2017 o número subiu para 6699.

Uma   movimentação   parecida   é   observada   se   analisarmos   as   infecções quanto   à sexualidade.  Se,  em  2007,  os  homens  heterossexuais  representavam  46,7%  (1230)  dos expostos ao HIV no Brasil, em 2017 eles representavam 34,1% (9027). Os homens que fazem  sexo  com  homens,  por  sua  vez,  passaram  de  45%(1569)a  63,3%  (16633)  no mesmo   intervalo,passando   a   se   configurar   enquanto   uma   grande   maioria   e evidenciando que houve uma falha na prevenção.

Representantes do Ministério da Saúde que estiveram presentes no encontro da ANTRA mencionaram  uma  pesquisa  encomendada  recentemente  pelo Ministério  que  estimou que cerca de 40% da população de travestis e mulheres transexuais no Brasil vivem hoje com  o  HIV.  Contudo,  em  todo  o  boletim  epidemiológico,  não  há  nenhuma  menção  a pessoas trans. Essa  inviabilização revela  o  quanto  a  cisheteronormatividade  está  posicionada  como  o parâmetro  universal das  instituições  brasileiras,que não  estão  comprometidas  com  a vida das pessoas trans no país.

Isso  ocorre  porque  as  travestis  e  mulheres  transexuais  são,  em  regra, alocadas  na categoria “homens que fazem sexo com homens”, a não ser, em tese, nos casos em que elas tenham conseguido fazer a retificação de seu nome e sexo no registro civil.

O  encontro  da  ANTRA  foi  uma  oportunidade  para  que  as  diversas ativistas que estavam presentes pudessem, de um lado, obter mais informações sobre os mecanismos de prevenção combinada ao HIV, perguntando que estratégias fazem mais sentido  para  a  realidade  das  travestis  e  transexuais,  que  não  têm  o  mesmo  nível  de informação e o mais acesso aos aparelhos do Estado que homens cis gays brancos que vivem nos centros urbanos.

Também  foram  compartilhadas  diversas  dificuldades  que  essa  população  enfrenta  no dia-a-dia do sistema de saúde: pessoas que tiveram a sua sorologia exposta para as suas comunidades, médicos que faltavam as suas consultas no dia em que se verificaria a sua carga  viral,  postos  de  saúde  que  não  tinham  o  medicamento  antirretroviral  no  dia  em que  se  deveria  pegar  os  remédios,  dentre  tantas  outras  coisas  que  têm  impacto  sobre  a disponibilidade  de travestis  e  mulheres  transexuais  no  Brasil  para  conseguir  ter  acesso ao tratamento de HIV.

Num  momento  em  que  o  conservadorismo  fundamentalista  que  tem  crescido  no  Brasil tem  tentado  frear  campanhas  de  prevenção  ao  HIV  para  não  “sexualizar”  jovens,  as organizações que estiveram presentes no encontro da ANTRA foram unânimes sobre a necessidade  de  apoio  para  políticas  de  prevenção  que consigam  chegar  diretamente  à população que mais precisa. As vidas das pessoas trans não podem ser deixadas de lado.

O Encontro contou ainda com a participação de Homens Trans e outras pessoas trans. Kaio Lenos, da ATRANCE, falou da importância dos homens trans estarem nos espaços de construção de pautas, especialmente no cuidado a saúde e prevenção dos homens trans.

Depoimentos de algumas participantes: 

Keila Simpson – Presidenta da ANTRA

 

Valeria Rodrigues – Presidenta do Instituto Nice/SP

Lilian Fontenelle – Vice Presidenta da AMOTRANS/PE

 

Artigo escrito por : Issac Porto e postado originalmente em: https://raceandequality.org/english/xxiii-national-meeting-of-the-national-association-of-travestis-and-transsexualsantra-addressing-prejudice-and-stigma-with-combined-hiv-prevention/