
Dados recém-publicados pelo relatório Trans Murder Monitoring 2025 revelam um cenário aterrador para as pessoas trans e travestis no mundo — e, em especial, para o Brasil. Entre 1º de outubro de 2024 e 30 de setembro de 2025, foram reportados 281 assassinatos de pessoas trans e de gênero diverso. Dessas, cerca de 68% ocorreram na América Latina e Caribe e o Brasil se mantém na liderança desde 2008 quando iniciou a pesquisa, respondendo por aproximadamente 30% dos casos globais de homicídios dessa população.
Essa liderança nefasta publicada anualmente sem respostas fetivas expõe uma face cruel da interseção entre transfobia, racismo, misoginia e violência estrutural no país. O relatório registra que 88% das vítimas são mulheres trans ou pessoas transfemininas — ou seja, estamos falando de transfeminicídios e travesticídios. Além disso, 88% das vítimas se identificavam como negras ou pardas.
Os dados são publicados anualmente em alusão ao Dia da Memória Trans (Transgender Day of Remembrance – TDOR), celebrado em 20 de novembro, é uma data internacional dedicada a honrar a memória das pessoas trans assassinadas em razão da transfobia. Criado em 1999 por ativistas nos Estados Unidos, o dia é um marco de luto, resistência e denúncia, que chama atenção para a violência estrutural que segue ceifando vidas trans em todo o mundo, especialmente no Brasil, país que lidera esse ranking há mais de uma década.
Tendência alarmante: ativistas e lideranças em linha de tiro
O relatório destaca também uma mudança devastadora no perfil dos assassinatos: pela primeira vez, uma parcela significativa das vítimas são ativistas ou dirigentes de movimentos trans. No período observado, 14% dos homicídios envolveram ativistas ou líderes — ante 9% em 2024 e 6% em 2023.  O recado não poderia ser mais claro: à violência letal soma-se agora a perseguição direta àqueles e aquelas que se organizam, mobilizam e expõem a injustiça.
Para as travestis e mulheres trans no Brasil, esse dado reforça uma realidade urgente: não se trata apenas de homicídios isolados, mas de um padrão que visa silenciar as vozes que acolhem, articulam e denunciam. Como bem aponta o relatório, “cada ativista assassinada representa uma comunidade silenciada”. 
Locais, modos e invisibilização: os contornos da matança
Alguns dados adicionais ajudam a compreender o perfil e a escala do genocídio:
• Uma parte considerável das mortes ocorreu nas ruas
• Os métodos mais usados: armas de fogo em 44% dos casos, segundo o relatório.
• 75% das vítimas tinham menos de 40 anos. Sendo 24% entre 19 e 25 anos; 25% entre 26 e 30; e 26% entre 31 e 40. Chama atenção que 5% dos casos tinham menos de 18 anos.
• Uma queda no total de casos reportados (281 agora vs. 350 no ano anterior) não deve ser interpretada como avanço em segurança, mas como possível reflexo de sub‐notificação, invisibilização ou mudança na forma de cobertura pela mídia ou algoritmos de busca e redes sociais.
Por que somos o país símbolo da violência trans?
A permanência do Brasil no topo desse ranking revela que não se trata de fatalidade ou de “violência generalizada” sem especificidade: revela que existe uma estrutura — social, política, institucional — que tolera, invisibiliza e até mesmo legitima a matança de travestis e mulheres trans, especialmente negras ou periféricas. Os dados do relatório tornam explícito o cruzamento venenoso entre genocídio trans, racismo estrutural, violência de gênero e precarização social.
Os dados publicados novamente corroboram com o levantamento realizado pela ANTRA desde 2017 no país.Se 88% das vítimas são negras ou pardas e 90% são travestis ou mulheres trans, o que temos diante de nós é um ataque direto ao corpo e à existência das que ocupam o lugar mais vulnerável dentro da opressão. E se 14% das vítimas são ativistas ou líderes, então se mata quem ousa existir, quem ousa lutar e quem ousa denunciar.
Há quase uma década, a ANTRA realiza um trabalho contínuo e rigoroso de monitoramento e denúncia da violência contra pessoas trans no Brasil, por meio da publicação anual do “Dossiê dos Assassinatos e da Violência contra Travestis e Transexuais”, documento reconhecido nacional e internacionalmente como uma das principais fontes sobre o tema. Essa produção sistemática de dados tem sido fundamental para incidir junto a órgãos do Estado, organismos multilaterais e instâncias internacionais de direitos humanos, denunciando o caráter estrutural da transfobia no país e exigindo investigações efetivas, políticas de proteção e medidas concretas de enfrentamento à violência. O dossiê da ANTRA se tornou, assim, uma ferramenta política e de memória coletiva, que transforma dor em denúncia e resistência em instrumento de justiça.
O que cabe agora ao Estado, à sociedade e à ANTRA
O relatório da TGEU indica caminhos:
• Estabelecer legislação de crime de ódio ou qualificação agravada que proteja explicitamente pessoas trans e travestis; 
• Investir em formação de políticas públicas de proteção, com recorte interseccional (raça, classe, gênero); 
• Apoiar lideranças e organizações que enfrentam esse genocídio com estrutura, financiamento, segurança e visibilidade; 
• Romper imediatamente com a criminalização do trabalho sexual como mecanismo que expõe ainda mais vulnerabilizadas da população trans. 
Para a ANTRA, esses dados reforçam o dever de urgência: não podemos esperar que mais 30% das mortes globais continuem a suceder em solo brasileiro enquanto nossa pauta aparece nas margens. É hora de visibilizar — com todas as letras — esse genocídio travesti-trans, exigir responsabilização, exigir mudança de atitude estatal e cultural, e mobilizar a sociedade para que existamos com dignidade.
O Brasil lidera invicto, lamentavelmente, o ranking mundial de assassinatos de pessoas trans e de gênero diverso — e isso por quase duas décadas seguidas. A presença crescente de ativistas entre as vítimas sinaliza que a violência não mira apenas corpos vulneráveis, mas também voz, organização, resistência. A interseção entre misoginia, racismo, transfobia e precariedade social revela o caráter estrutural desse ataque.
A ANTRA reafirma: vidas trans importam. E importarão ainda mais se transformarmos esses números em mobilização, denúncia e ação concreta. O silêncio fatal deve dar lugar à urgência política e ao compromisso ético com as vidas que insistem em existir.

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