
A segunda Marcha Nacional das Mulheres Negras, marcada para 25 de novembro de 2025 com o tema Reparação e Bem Viver, retoma a força histórica da primeira edição realizada em 2015, que levou cerca de cinquenta mil mulheres a Brasília em um dos maiores atos já realizados pelo enfrentamento ao racismo e à violência de gênero no país. Nesta nova convocação, organizações negras de todo o Brasil se articulam em torno de pautas urgentes como a reparação histórica, a defesa da vida diante do avanço da violência contra mulheres negras, a proteção de direitos sociais atacados nos últimos anos e a afirmação do bem viver como horizonte político. A marcha acontece em um momento de disputas profundas sobre direitos humanos, democracia e políticas públicas, reunindo expectativas de forte mobilização nacional. A ANTRA integra esse movimento mobilizando travestis e mulheres trans negras filiadas e associadas, reconhecendo a marcha como espaço estratégico de acolhimento, resistência e construção coletiva de um projeto antirracista e de justiça social para todo o país.
Participar da Marcha das Mulheres Negras não é apenas estar ao lado de um dos movimentos mais potentes do país na defesa da vida, da dignidade e da liberdade das mulheres negras. É reconhecer esse espaço como ambiente histórico de acolhimento, construção política e sobrevivência para travestis e mulheres trans negras que sempre marcharam, mesmo quando o mundo fingia não vê-las. A Marcha segue sendo território seguro, de congregação e de afirmação de um projeto de país que recusa o genocídio, a exclusão e a violência institucional.
A presença da ANTRA na Marcha das Mulheres Negras em Brasília reafirma um compromisso que o movimento trans e negro tem construído ao longo dos anos. A ANTRA não adota o antirracismo como pauta isolada porque ele é parte fundante da nossa existência. Nossa atuação nasce, se organiza e avança a partir da certeza de que não existe luta trans possível sem enfrentar o racismo estrutural que define as condições de vida das pessoas trans negras no Brasil.
Neste ano, a ANTRA está orientando e incentivando travestis e mulheres trans negras filiadas, associadas e lideranças de todo o Brasil para marcharem em bloco, afirmando a centralidade da pauta racial na luta por direitos trans por reparação e bem viver. Fazemos isso porque nossa história mostra que emancipação trans e justiça racial caminham juntas. Não abrimos mão de afirmar que a vida das pessoas trans negras continua sendo atravessada por múltiplas violências, e que nossa resposta precisa ser igualmente múltipla, coletiva e organizada.
A seguir, apresentamos alguns de nossos compromissos prioritários como instituição antirracista, que orientam a nossa presença na Marcha e estruturam nossa atuação cotidiana:
- A maioria da população trans assassinada no Brasil é negra. A ANTRA denuncia sistematicamente que o genocídio trans tem recorte racial evidente. Este dado, produzido pela ANTRA desde 2017, é fruto do trabalho intelectual de uma travesti negra e nordestina que coordena nossos dossiês anuais de violência, Bruna Benevides.
- Travestis e mulheres trans negras são as mais vulnerabilizadas socialmente. Dados da ANTRA sobre sistema prisional, acesso à retificação e condições socioeconômicas mostram que o cruzamento entre racismo e transfobia empurra a população trans negra para maior pobreza, marginalização e exclusão institucional.
- A transfobia e o racismo operam de forma articulada. Não reconhecemos um cenário em que raça ou gênero atuem isoladamente. A transfobia em sua face mais brutal está profundamente ligada ao racismo, à misoginia e às violências estruturais que moldam a vida das pessoas trans negras.
- A base do movimento trans no Brasil é majoritariamente negra. A trajetória da ANTRA foi construída por travestis e mulheres trans negras desde 1993. São elas que deram origem, sustentação e direcionamento político ao movimento.
- Compromisso com a produção e visibilidade de lideranças negras trans. A ANTRA forma, fortalece e promove o protagonismo de travestis e mulheres trans negras em todos os espaços institucionais, políticos e sociais, priorizando suas participações em ações de formação e incidência.
- Antirracismo como eixo de formulação de políticas públicas. Nossa defesa de políticas em saúde, educação, renda, segurança e direitos passa necessariamente pelo reconhecimento do recorte racial como dimensão fundamental de equidade e reparação.
- Denúncia constante do racismo institucional. A ANTRA atua contra práticas racistas nos sistemas de justiça, segurança pública e saúde. Fomos a primeira organização trans a integrar o Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU com atuação em Genebra e Nova Iorque e seguimos denunciando o Estado brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos pelas violências contra a população trans negra. Em novembro de 2025, ANTRA apresentou contribuições ao Fórum Permanente da ONU sobre Afrodescendentes e denuncia o impacto do racismo e da transfobia na vida de pessoas trans negras no Brasil.
- Fortalecimento das organizações trans negras nos territórios. A ANTRA articula coletivos e associações lideradas por pessoas trans negras em todo o país e constrói alianças com organizações de mulheres negras e com o movimento negro como um todo.
- Produção de dados com recorte racial. Nossos relatórios e levantamentos evidenciam o impacto do racismo na vida da população trans e combatem a invisibilidade estatística que historicamente apaga nossas existências.
- Reconhecimento da ancestralidade negra como parte da identidade travesti e trans. A ANTRA afirma que a construção de um futuro digno passa pelo reconhecimento da memória, das raízes e do pertencimento das populações negras trans.
Ao marchar em Brasília, levamos mais que nossas bandeiras e corpos. Levamos nossas histórias, nossas lideranças, nossas dores e nossa potência. Marchamos porque a luta de travestis e mulheres trans negras é, e sempre foi, uma luta do movimento de mulheres negras. Marchamos porque a liberdade de uma só de nós depende da liberdade de todas. Marchamos porque a ancestralidade nos empurra para frente e nos lembra que a resistência é também forma de viver.
A ANTRA marcha por reparação e bem viver. A ANTRA denuncia. A ANTRA existe porque travestis e mulheres trans negras existem, criam caminhos e sustentam as bases da luta. E seguiremos marchando até que o país reconheça, respeite e repare as vidas trans negras que por tanto tempo foram tratadas como descartáveis.
