Assassinatos de pessoas trans voltam a subir em 2020

Direitos e Política, Violência

É a segunda vez consecutiva que o número de assassinatos de pessoas trans apresenta aumento este ano, revela o Boletim nº 02/2020 da ANTRA.

Brasil apresenta novo aumento consecutivo nos casos de assassinatos de pessoas trans em relação ao ano de 2019, desta vez no primeiro quadrimestre de 2020, mesmo no período de pandemia pelo coronavírus.

Em janeiro deste ano, mês da Visibilidade Trans, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA lançou o Dossiê dos Assassinatos e da Violência Contra Pessoas Trans Brasileiras[1]. Nesta 3ª edição, referente ao ano de 2019, chama atenção o fato de o Brasil continuar sendo o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. O país passou do 55º lugar de 2018 para o 68º em 2019 no ranking de países seguros para a população LGBT.

E apenas nos dois primeiros meses dos anos, entre 1/01 e 28/02/2020 (incluso ano bissexto em 2020), o Brasil apresentou aumento de 90% no número de casos de assassinatos em relação ao mesmo período de 2019. Em 2019 foram 20 casos no mesmo período, enquanto em 2020, 38 notificações. O Maior da série dos últimos quatro anos. Superando 2017, ano em que o Brasil apresentou o maior índice de assassinatos de sua história de acordo com o Altas da violência e anuário da segurança pública.

Seja pelas ações do governo ou ausência delas, demoramos demais a dar uma resposta efetiva ao COVID-19. As principais ações foram iniciadas pelos estados que se posicionaram contra a resistência do presidente que tem sido responsável por promover aglomerações[3] e incentivar manifestações para que o comércio, escolas e outras áreas voltem a funcionar, mesmo o Brasil não preenchendo nenhum dos requisitos previstos pela Organização Mundial de Saúde para retorno das atividades[4] e que, de acordo com especialistas, ainda não tenhamos alcançado o pico da infecção.

Acreditava-se que durante a pandemia do COVID-19, os índices de assassinato poderiam diminuir como aconteceu em outras parcelas da população[5], pela necessidade do isolamento social colocado em muitas cidades/estados. Mas quando vemos que o assassinato de pessoas trans aumentou, temos um cenário onde os fatores sociais se intensificam e tem impactado a vida das pessoas trans, especialmente as travestis e mulheres transexuais trabalhadoras sexuais, que seguem exercendo seu trabalho nas ruas para ter garantida sua subsistência, visto que a maioria não conseguiu acesso as políticas emergenciais do estado devido a precarização histórica de suas vidas.

E em referência aos meses de janeiro a abril, em 2017 tivemos 58 assassinatos, 63 em 2018 e 43 ocorrências em 2019. Percebemos assim o aumento de 49% de aumento nos assassinatos em relação ao mesmo período de 2019, e acima dos anos anteriores – 2017 e 2018, com 64 casos em 2020 conforme tabela abaixo.

 Cabe ressaltar que todas as pessoas trans assassinadas até o momento são travestis e mulheres transexuais. No mesmo período tivemos ainda 11 suicídios, 22 tentativas de homicídio e 21 violações de direitos humanos. Além de 6 casos de mortes relacionadas ao COVID-19.

Isolando os meses de março e abril como referência para observar o período inicial da pandemia, observamos um aumento de 13% em relação ao mesmo período do ano passado, mesmo durante a crise sanitária provocada pelo COVID-19.

Mesmo diante deste cenário e da constante cobrança por parte dos movimentos sociais, não houve até o momento um único projeto específico de apoio à população LGBTI+ para o enfrentamento da pandemia e os dados apresentados, além de denunciarem a violência, explicitam a necessidade de políticas públicas focadas na redução de homicídios de pessoas trans, em especial para a proteção das trabalhadoras sexuais, que representam 90% da população trans, assim como o acesso as políticas de assistência, e outros fatores que colocam essa população como o principal grupo que tem suas existências precarizadas, expostas a diversas formas de violência, e a mortes intencionais no Brasil.

Os dados não refletem exatamente a realidade devido a política de subnotificação do estado e o aumento da mesma, assim como a ausência de dados governamentais, mas demonstram, a partir deste panorama, que o Brasil vem passando por um processo de recrudescimento em relação à forma com que trata travestis, mulheres transexuais, homens trans, pessoas transmasculines e demais pessoas trans. O que reforça a importância do nosso trabalho de monitoramento, incidência política e denúncias a órgãos internacionais, que desde seu início, tem se firmado como uma importante ferramenta na construção de dados e proposição de elementos que irão impactar a forma de combate a violência transfóbica em nossa sociedade.

Entre as ações e recomendações[6]que temos feito até aqui, estão o lançamento de diversas cartilhas[7], entre elas sobre como agir em casos de violência LGBTIfóbica, além de dicas de prevenção para profissionais do sexo durante o período do COVID-19, e recomendações sobre como agir em casos de violência doméstica neste período de isolamento social.

Recentemente a ANTRA encaminhou um documento contendo um panorama ampliado sobre a situação das pessoas LGBTI+ durante a crise sanitária do coronavírus, além de uma série de recomendações ao relator independente para a proteção contra a violência motivada por orientação sexual e/ou identidade de Gênero da ONU. Tem participado de Webnários internacionais com países da América Latina[8], Fóruns de debates e discussões sobre como enfrentar em período, mantendo a proteção e atuação das pessoas trans e dialogado com agencias e entidades internacionais sobre a situação do Brasil neste período.

Além do monitoramento de ações em prol da população trans em constante diálogo com outras redes parceiras, órgãos de classe, defensorias públicas estaduais e da união, a fim de contribuir para o acesso a renda básica emergencial e/ou campanhas para aquisição e distribuição de alimentos, kits de prevenção as IST/HIV/AIS, e materiais de higiene pessoal e de proteção ao COVID-19, lançados no Mapa da Solidariedade[9] em parceria com a ABGLT.

Baixe o Boletim da IntegraBOLETIM 2-2020 – Assassinatos ANTRA

Bol 2-2020 1

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REFERÊNCIAS:

[1] Disponível em: https://antrabrasil.org/assassinatos/

[2] Artigo Nova epidemia, Velhas Mazelas. https://medium.com/@brunagbenevides/nova-epidemia-velhas-mazelas-5a320a622a0c

[3]https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/03/29/apos-provocar-aglomeracao-durante-passeio-em-brasilia-bolsonaro-volta-a-se-posicionar-contra-o-isolamento-social.ghtml

[4]https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51742913

[5]https://epoca.globo.com/rio/rio-registra-queda-de-homicidios-roubos-durante-quarentena-24328153

[6] Nota sobre a atuação da ANTRA em tempos do COVID-19: https://antrabrasil.org/2020/03/24/nota-sobre-atuacao-da-antra-em-prol-da-populacao-trans-em-tempos-do-covid-19/

[7] Cartilhas e Manuais da ANTRA: https://antrabrasil.org/cartilhas/

[8]Webnar Race and Equality: https://raceandequality.org/es/brazil-p/raca-e-igualdade-organizou-um-webinar-para-ativistas-compartilharem-os-efeitos-do-covid-19-na-populacao-lgbti-na-america-latina-com-o-especialista-independente-da-onu-em-orientacao-sexual-e-identidade/

[9] Mapa da Solidariedade: https://revistahibrida.com.br/2020/04/15/instituicoes-lgbtqi-lancam-campanha-coletiva-para-o-coronavirus-saiba-como-doar/