Nota da ANTRA pelas vozes Trans nas Conferências de Direitos: Necessidade Urgente

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A Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA manifesta seu mais veemente repúdio à transfobia persistente nos espaços de construção de políticas públicas, incluindo conferências nacionais e regionais de direitos humanos. Episódios recentes, como os ocorridos na V CONAPIR e em Conferências Estaduais Pelos Direitos das Mulheres, evidenciam de forma clara e urgente a necessidade de transformar esses espaços em ambientes seguros, inclusivos e comprometidos com a promoção da dignidade humana. Estamos em vias de realizar as conferências de direitos das Mulheres, das pessoas LGBTQIA+, da pessoa idosa e outras, por isso essa reflexão se faz tão urgente.

O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo, cenário agravado pela ausência de políticas públicas e pelas barreiras de acesso a direitos fundamentais, que impactam diretamente a expectativa de vida dessa população. Dados produzidos pela ANTRA indicam que 78% das vítimas de assassinatos de pessoas trans eram negras, revelando a interseção entre transfobia e racismo estrutural. Os Dossiês da ANTRA e dados do SINAN e Disque 100, comprovam ainda que o país continua sendo um dos que mais violam os direitos humanos dessa população, tornando a urgência de ação institucional ainda mais premente.

Além da violência física, a população trans enfrenta dificuldades significativas no acesso a direitos básicos. Estudos diversos demonstram barreiras no acesso à saúde, educação, emprego e segurança, com recorrentes situações de discriminação e exclusão social. Essa vulnerabilidade se intensifica para travestis e mulheres trans negras, sobretudo aquelas periféricas, que representam a maioria nos processos de invisibilização e precarização, no desemprego, no sistema prisional, entre pessoas vivendo com HIV/AIDS e em situação de rua. Em um contexto marcado por perseguições às pautas trans, inclusive por agendas transnacionais que miram essa população, as pessoas trans negras são as mais impactadas, destacando a necessidade de políticas públicas interseccionais que enfrentem simultaneamente a transfobia e o racismo estrutural. E é neste contexto que as alianças entre movimentos sociais populares contra toda forma de discriminação, injustiça e violência se tornam fundamentais para o avanço da cidadania de grupos históricamente vulnerabilizados, afirmando que direitos humanos sao inegociáveis.

As conferências de direitos humanos, enquanto espaços de construção democrática, devem ser territórios de escuta ativa, respeito mútuo e promoção da diversidade em todas as suas dimensões. É nesses fóruns que se definem políticas públicas, diretrizes e agendas de proteção social com impacto direto sobre a vida de milhões de pessoas. A presença de discursos transfóbicos, cissexistas ou racistas não apenas viola direitos individuais, mas compromete os princípios basilares da democracia, da justiça social e dos direitos humanos.

Ignorar ou silenciar a voz de travestis e mulheres trans negras, que enfrentam múltiplas formas de violência e exclusão, reforça desigualdades históricas e mina a legitimidade dos processos de construção coletiva. Conferências e fóruns devem, portanto, ser organizados de forma a garantir segurança, acessibilidade e representatividade, reconhecendo que a inclusão de pessoas trans, especialmente negras, periféricas e em situação de maior vulnerabilidade, é essencial para que a democracia se realize de fato.

Promover a participação plena da população trans nesses espaços é também um ato de reparação histórica e política: reconhece o impacto da transfobia e do racismo estrutural, fortalece a interseccionalidade nas políticas públicas e assegura que a construção de direitos se traduza em dignidade, proteção e oportunidades reais. Garantir que esses ambientes sejam livres de violência simbólica e material reafirma que a defesa dos direitos trans é inseparável da luta antirracista e do compromisso com uma sociedade justa, plural e democrática.

A ANTRA exige que as conferências de direitos humanos adotem medidas concretas e efetivas para coibir qualquer manifestação de transfobia, cissexismo e discriminação. A participação ativa de todas as pessoas trans, em especial travestis e mulheres trans negras, que vivem no epicentro das múltiplas violências estruturais é fundamental para o exercício da dignidade humana. É imperativo que esses espaços se consolidem como territórios de acolhimento, segurança e respeito, onde todas as vozes sejam ouvidas, reconhecidas e consideradas na formulação de políticas públicas.

A perpetuação da transfobia, somada a políticas que negligenciam ou atacam nossas identidades, não representa apenas uma ameaça à vida de pessoas trans, mas um ataque direto à democracia e aos princípios universais de direitos humanos. Conferências e fóruns de direitos têm o potencial de transformar essa realidade, tornando-se instâncias estratégicas de combate à violência, de promoção da equidade racial e de afirmação da dignidade humana.

Conclamamos governos, instituições e sociedade civil a se comprometerem com a proteção da população trans, a implementar mecanismos de responsabilização frente à transfobia e ao racismo, e a assegurar políticas públicas que enfrentem diretamente as desigualdades históricas, assegurando formação adequada para prestadores de serviços, funcionários e a distribuição de materiais informativos sobre diversidade. Este é um chamado à ação: só haverá justiça social plena se reconhecermos que a luta contra a transfobia é inseparável da luta antirracista e pela jusição social para todas as mulheres, e que a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática depende da proteção, valorização e protagonismo de todas as identidades trans, especialmente das mais vulnerabilizadas.

Por fim, a ANTRA recomenda que providências concretas precisam ser tomadas para acolher, apoiar e reparar as vítimas de transfobia nesses espaços, e para denunciar formalmente todas as pessoas que insistirem em abraçar e reproduzir práticas transfóbicas, reafirmando nosso compromisso com a justiça, a equidade e a proteção da vida e da dignidade da população trans.

Brasilia, 17 de setembro de 2025.

Associação Nacional de Travestis e Transexuais