ANTRA aciona o MPBA sobre o caso Rhiana e reflete transfobia institucional nos casos de Transfeminicídios

Direitos e Política, Justiça, Violência

Nos últimos anos, a ANTRA tem denunciado com firmeza a escalada da violência contra pessoas trans no Brasil, um país que insiste em ignorar os alertas e normalizar a barbárie. A radicalização dessa violência aliada a agenda antigênero não é fruto do acaso. Ela se alimenta da negligência institucional, do discurso de ódio que se espalha sem responsabilização, inclusive nas redes sociais e da ausência de políticas públicas estruturantes capazes de garantir, de fato, o direito de existir. Como consequência direta, assistimos a um cenário marcado por violações de direitos humanos, impedimentos de acesso a espaços públicos, espancamentos, discriminações sistemáticas, negação de serviços básicos e, de forma ainda mais brutal, mortes que poderiam ser evitadas.

O caso recente da jovem Rhiana Alves, na Bahia, expõe de maneira nítida esse cenário. Rhiana, uma jovem trans de 18 anos, foi assassinada com um golpe Mata-leão por seu algoz que levou seu corpo sem vida à delegadia, confessou o crime e foi liberado gerando grande repercussão nacional, além de indignação ante as omissões e transfobia institucional demonstrada no descaso com a vida de Rhiana. A soltura de um assassino confesso e a condução da delegacia responsável tem levantado questionamentos que precisam ser respondidos com urgência.

Diante dessa tragédia, a ANTRA reafirma seu compromisso institucional de não publicar ou replicar os casos de violência para obtenção de engajamento ou capital político. Nossa atuação se fundamenta na responsabilidade, no respeito às vítimas e na defesa de procedimentos adequados de investigação. Por isso, ao invés de contribuir para a circulação descontrolada de informações sensíveis, a entidade adotou as medidas formais cabíveis.

Protocolamos denúncia junto ao Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA), solicitando apuração rigorosa dos fatos, revisão das práticas adotadas pela autoridade policial envolvida e responsabilização imediata, caso sejam confirmadas irregularidades. Além disso, encaminhamos o caso à Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, solicitando acompanhamento direto e a cobrança de respostas do Governo do Estado da Bahia. Ainda, encaminhamos o caso ao Observatório de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Justiça (ODH/CNJ) pedindo que intervenha no caso.

Além de cobrar celeridade nas investigações e medidas urgentes para reparar essa grave violação, reforçamos que o caso de Rhiana não é isolado. Ele representa o cotidiano de milhares de pessoas trans, sobretudo travestis e mulheres trans que representam 96% dos casos de assassinatos contra pessoas trans no Brasil, e que enfrentam o medo diário de não serem reconhecidas como sujeitas de direitos. A violência não termina no ato em si: ela se prolonga na negligência, na falta de acolhimento, na ausência de políticas e na omissão daqueles que dizem defender “todas as mulheres”, mas que se calam diante da violência contra mulheres trans.

No último dia 7, uma grande mobilização nacional tomou as ruas em defesa da vida das mulheres. A pauta do feminicídio e da violência doméstica foi amplamente debatida, em um momento extremamente importante para o país. Entretanto, poucas foram as vozes que reconheceram que a misoginia e o feminicídio são, acima de tudo, sistemas de controle e apagamento de corpos. Esses mecanismos atingem mulheres cisgêneras, mas também recaem de maneira muito violenta sobre mulheres trans e travestis negras. Sempre que esse recorte é apagado, reforça-se a falsa ideia de que apenas um tipo de mulher merece proteção e aponta quais as que podem ser assassinadas. E é justamente essa lógica excludente que alimenta a violência que enfrentamos todos os dias.

Nesse contexto, o novo relatório da Transgender Europe (TGEU), publicado em novembro de 2025, trouxe dados devastadores, mas infelizmente esperados: pelo 18º ano consecutivo, o Brasil segue ocupando o primeiro lugar entre os países que mais assassinam pessoas trans e travestis no mundo. A posição é uma vergonha internacional e revela não apenas a violência explícita, mas também o fracasso do Estado brasileiro em garantir políticas de prevenção, investigação, responsabilização, proteção e reparação. Desde o início da publicação de dossiês pela entidade, a ANTRA vem registrando um aumento significativo de subnotificações, especialmente em regiões onde a violência LGBTfóbica é acompanhada de negligência institucional e baixa cobertura jornalística.

A ANTRA tem assumido protagonismo histórico no monitoramento e na produção de dados sobre esses assassinatos e violações, preenchendo lacunas deixadas pelo poder público. Nosso compromisso é resultado da urgência: se nós não contamos nossas mortes, ninguém contará. Mas não basta denunciar. Exigimos que o Estado assuma responsabilidade e implemente políticas efetivas de proteção às nossas vidas, com monitoramento, investimento, formação e responsabilização de agentes públicos que atuam de forma discriminatória.

A ANTRA seguirá atuando de maneira técnica, ética e comprometida com a proteção da vida e da dignidade da população trans, garantindo que cada violação seja tratada pelos órgãos competentes com a seriedade que a situação exige, reafirmando seu compromisso com a defesa da vida, da dignidade e da justiça para toda a comunidade trans. Continuaremos denunciando, produzindo dados, pressionando autoridades e mobilizando nossas redes até que este país finalmente reconheça que mulheres trans são mulheres e que nossas vidas importam.

ANTRA sugere proposta legislativa para incluir agravantes penais em crimes de violência contra mulheres que atingem regiões centrais e íntimas

Direitos e Política, Justiça, Violência

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) envio oficio no dia 7 de julho de 2025 com uma proposta legislativa direcionada à deputada federal Erika Hilton, com o objetivo de incluir agravantes penais específicos nos crimes de violência de gênero praticados contra mulheres e que tenham como alvo regiões centrais e íntimas do corpo da vítima. A iniciativa visa responder à crescente incidência de crimes marcados por crueldade simbólica, que têm como foco a cabeça, o rosto, os seios e a genitália das vítimas — partes do corpo associadas à violência misógina e transfóbica.

A proposta pede que seja alterada a legislação penal brasileira para incluir como circunstância agravante os casos em que o agressor atinge intencionalmente regiões específicas do corpo com o propósito de desfigurar, humilhar ou negar a identidade da vítima, reforçando estigmas de gênero e perpetuando a desumanização das mulheres. A medida também busca enfrentar o apagamento e a desigualdade histórica vivida pelas mulheres trans e travestis, especialmente no contexto de violência doméstica, institucional e transfeminicida.

De acordo com o documento, “o corpo das mulheres é frequentemente alvo de atos violentos que visam sua destruição simbólica”, sendo necessário que o Estado reconheça essas motivações específicas como agravantes, a fim de garantir justiça e prevenir a impunidade. A proposta também aponta a ausência de dados e políticas públicas específicas como parte do problema, e cobra a criação de mecanismos interseccionais de enfrentamento à violência baseada em gênero, sexualidade, identidade de gênero e raça.

O texto destaca ainda que, ao incluir essa tipificação como agravante, o Brasil estará dando um passo fundamental para efetivar os compromissos assumidos internacionalmente em matéria de direitos humanos, especialmente no que diz respeito à Convenção de Belém do Pará, CEDAW e outros mecanismos de defesa dos direitos das mulheres, assim como o próprio aperfeiçoamento do ordenamento jurídico na matéria sobre proteção as mulheres, cis e trans, em relação a violência de gênero.

A ANTRA reforça seu compromisso com a defesa das mulheres, a luta contra todas as formas de violência de gênero e conclama o Congresso Nacional, especialmente parlamentares aliados, a se comprometerem com a tramitação e aprovação da proposta.