TDoR 2025: Brasil segue no topo da barbárie liderando assassinatos de pessoas trans

Justiça, Pesquisas, Violência

Dados recém-publicados pelo relatório Trans Murder Monitoring 2025 revelam um cenário aterrador para as pessoas trans e travestis no mundo — e, em especial, para o Brasil. Entre 1º de outubro de 2024 e 30 de setembro de 2025, foram reportados 281 assassinatos de pessoas trans e de gênero diverso. Dessas, cerca de 68% ocorreram na América Latina e Caribe e o Brasil se mantém na liderança desde 2008 quando iniciou a pesquisa, respondendo por aproximadamente 30% dos casos globais de homicídios dessa população.

Essa liderança nefasta publicada anualmente sem respostas fetivas expõe uma face cruel da interseção entre transfobia, racismo, misoginia e violência estrutural no país. O relatório registra que 88% das vítimas são mulheres trans ou pessoas transfemininas — ou seja, estamos falando de transfeminicídios e travesticídios. Além disso, 88% das vítimas se identificavam como negras ou pardas.

Os dados são publicados anualmente em alusão ao Dia da Memória Trans (Transgender Day of Remembrance – TDOR), celebrado em 20 de novembro, é uma data internacional dedicada a honrar a memória das pessoas trans assassinadas em razão da transfobia. Criado em 1999 por ativistas nos Estados Unidos, o dia é um marco de luto, resistência e denúncia, que chama atenção para a violência estrutural que segue ceifando vidas trans em todo o mundo, especialmente no Brasil, país que lidera esse ranking há mais de uma década.

Tendência alarmante: ativistas e lideranças em linha de tiro

O relatório destaca também uma mudança devastadora no perfil dos assassinatos: pela primeira vez, uma parcela significativa das vítimas são ativistas ou dirigentes de movimentos trans. No período observado, 14% dos homicídios envolveram ativistas ou líderes — ante 9% em 2024 e 6% em 2023.  O recado não poderia ser mais claro: à violência letal soma-se agora a perseguição direta àqueles e aquelas que se organizam, mobilizam e expõem a injustiça.

Para as travestis e mulheres trans no Brasil, esse dado reforça uma realidade urgente: não se trata apenas de homicídios isolados, mas de um padrão que visa silenciar as vozes que acolhem, articulam e denunciam. Como bem aponta o relatório, “cada ativista assassinada representa uma comunidade silenciada”. 

Locais, modos e invisibilização: os contornos da matança

Alguns dados adicionais ajudam a compreender o perfil e a escala do genocídio:
• Uma parte considerável das mortes ocorreu nas ruas
• Os métodos mais usados: armas de fogo em 44% dos casos, segundo o relatório.
• 75% das vítimas tinham menos de 40 anos. Sendo 24% entre 19 e 25 anos; 25% entre 26 e 30; e 26% entre 31 e 40. Chama atenção que 5% dos casos tinham menos de 18 anos.
• Uma queda no total de casos reportados (281 agora vs. 350 no ano anterior) não deve ser interpretada como avanço em segurança, mas como possível reflexo de sub‐notificação, invisibilização ou mudança na forma de cobertura pela mídia ou algoritmos de busca e redes sociais.

Por que somos o país símbolo da violência trans?

A permanência do Brasil no topo desse ranking revela que não se trata de fatalidade ou de “violência generalizada” sem especificidade: revela que existe uma estrutura — social, política, institucional — que tolera, invisibiliza e até mesmo legitima a matança de travestis e mulheres trans, especialmente negras ou periféricas. Os dados do relatório tornam explícito o cruzamento venenoso entre genocídio trans, racismo estrutural, violência de gênero e precarização social.

Os dados publicados novamente corroboram com o levantamento realizado pela ANTRA desde 2017 no país.Se 88% das vítimas são negras ou pardas e 90% são travestis ou mulheres trans, o que temos diante de nós é um ataque direto ao corpo e à existência das que ocupam o lugar mais vulnerável dentro da opressão. E se 14% das vítimas são ativistas ou líderes, então se mata quem ousa existir, quem ousa lutar e quem ousa denunciar.

Há quase uma década, a ANTRA realiza um trabalho contínuo e rigoroso de monitoramento e denúncia da violência contra pessoas trans no Brasil, por meio da publicação anual do “Dossiê dos Assassinatos e da Violência contra Travestis e Transexuais”, documento reconhecido nacional e internacionalmente como uma das principais fontes sobre o tema. Essa produção sistemática de dados tem sido fundamental para incidir junto a órgãos do Estado, organismos multilaterais e instâncias internacionais de direitos humanos, denunciando o caráter estrutural da transfobia no país e exigindo investigações efetivas, políticas de proteção e medidas concretas de enfrentamento à violência. O dossiê da ANTRA se tornou, assim, uma ferramenta política e de memória coletiva, que transforma dor em denúncia e resistência em instrumento de justiça.

O que cabe agora ao Estado, à sociedade e à ANTRA

O relatório da TGEU indica caminhos:
• Estabelecer legislação de crime de ódio ou qualificação agravada que proteja explicitamente pessoas trans e travestis; 
• Investir em formação de políticas públicas de proteção, com recorte interseccional (raça, classe, gênero); 
• Apoiar lideranças e organizações que enfrentam esse genocídio com estrutura, financiamento, segurança e visibilidade; 
• Romper imediatamente com a criminalização do trabalho sexual como mecanismo que expõe ainda mais vulnerabilizadas da população trans. 

Para a ANTRA, esses dados reforçam o dever de urgência: não podemos esperar que mais 30% das mortes globais continuem a suceder em solo brasileiro enquanto nossa pauta aparece nas margens. É hora de visibilizar — com todas as letras — esse genocídio travesti-trans, exigir responsabilização, exigir mudança de atitude estatal e cultural, e mobilizar a sociedade para que existamos com dignidade.

O Brasil lidera invicto, lamentavelmente, o ranking mundial de assassinatos de pessoas trans e de gênero diverso — e isso por quase duas décadas seguidas. A presença crescente de ativistas entre as vítimas sinaliza que a violência não mira apenas corpos vulneráveis, mas também voz, organização, resistência. A interseção entre misoginia, racismo, transfobia e precariedade social revela o caráter estrutural desse ataque.

A ANTRA reafirma: vidas trans importam. E importarão ainda mais se transformarmos esses números em mobilização, denúncia e ação concreta. O silêncio fatal deve dar lugar à urgência política e ao compromisso ético com as vidas que insistem em existir.

Estudo revela a reorganização de correntes feministas transfóbicas e sua articulação com o ultraconservadorismo

Direitos e Política, Justiça, Pesquisas

“Fronteiras Borradas” revela a expansão de feminismos essencialistas e sua confluência com a política antigênero no Brasil.

Grupo Antitrans For Women Scotland

Uma nova pesquisa conduzida pelo Observatório de Sexualidade e Política (SPW), em parceria com o Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT+ da UFMG (NUH/UFMG) e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), lança luz sobre um fenômeno inquietante: o avanço e a reorganização de correntes feministas essencialistas e transfóbicas no Brasil e sua crescente articulação com a extrema direita. O relatório, intitulado “Fronteiras Borradas: Movimentos Feministas e de Mulheres e Política Antigênero no Brasil”, contou ainda com o apoio da Ação Educativa, Cladem Brasil, Criola, Ipas Brasil e da campanha Nem Presa Nem Morta.

O estudo traça um panorama minucioso sobre a atuação dessas correntes, que têm ganhado projeção desde 2013, quando o debate sobre “ideologia de gênero” emergiu no cenário político. Combinando revisão de literatura, análise de redes sociais e entrevistas com ativistas e pesquisadoras, o relatório mapeia como esses grupos se estruturaram e se infiltraram em espaços de formulação política e de opinião pública, borrando as fronteiras entre campos ideológicos antes antagônicos.

De acordo com a pesquisa, as correntes feministas essencialistas — que negam o reconhecimento das identidades trans e defendem uma noção biologizante de mulher — passaram a se articular de forma mais intensa com atores do ultraconservadorismo e da extrema direita, sobretudo após a derrota de Jair Bolsonaro em 2022. Essa nova configuração, observa o relatório, revela uma tentativa de reocupação de espaço político e simbólico por meio do discurso antigênero, agora travestido de “defesa das mulheres”.

Para Sonia Corrêa, pesquisadora do SPW, compreender esse processo é crucial para enfrentar o avanço do autoritarismo travestido de feminismo.

“Essas correntes essencialistas têm operado um verdadeiro sequestro semântico do feminismo. Ao reivindicarem a bandeira dos direitos das mulheres, elas apagam décadas de luta por justiça de gênero, transformando o conceito de mulher em um instrumento de exclusão e ataque. É fundamental que os feminismos progressistas compreendam essa disputa e respondam a ela com rigor político e teórico”, afirma Corrêa.

A investigação mostra que, a partir de 2015, esses grupos ampliaram sua influência, especialmente ao se posicionarem contra a Lei de Alienação Parental, aproximando-se de setores conservadores que exploram a pauta da “proteção da infância” e dos “direitos maternos”. Essa convergência consolidou laços com figuras e instituições da extrema direita, que passaram a legitimar e a amplificar seus discursos. Durante o governo Bolsonaro, algumas dessas vozes chegaram a ocupar espaços estatais e a influenciar políticas públicas voltadas às mulheres.

Contudo, foi no pós-2022 que o campo essencialista se adensou e adquiriu contornos institucionais mais definidos, com a criação de organizações e plataformas que reproduzem a retórica antigênero sob a fachada de movimentos feministas independentes. A análise de redes sociais realizada pelo estudo revelou um emaranhado de conexões que atravessam o espectro político — da esquerda à ultradireita —, demonstrando como a fluidez dessas relações tem provocado confusão dentro dos próprios feminismos.

O relatório também destaca o efeito corrosivo desse fenômeno nas lutas por direitos LGBTQIA+, especialmente no que diz respeito à desinformação e ao incitamento à transfobia. Segundo o estudo, a amplificação dessas vozes nas redes e na mídia tem produzido uma atmosfera de hostilidade crescente contra pessoas trans, ao mesmo tempo em que reabre disputas internas sobre quem tem o direito de falar em nome do feminismo.

A presidenta da ANTRA, Bruna Benevides, ressalta que o enfrentamento a esse movimento exige lucidez política e solidariedade entre os campos progressistas.

“O essencialismo que nega a existência das pessoas trans não é um debate teórico: é uma estratégia de poder. Ao se alinhar à extrema direita, essas correntes passam a ser cúmplices de um projeto autoritário que quer retroceder em todos os direitos. O desafio é reconstruir pontes e reafirmar que o feminismo verdadeiro é aquele que inclui, não o que exclui”, afirma Benevides.

A pesquisa também apresenta dois estudos de caso emblemáticos. O primeiro analisa os ataques sistemáticos ao Ministério das Mulheres desde sua recriação em 2023, com campanhas digitais e articulações que visam deslegitimar a atuação da pasta. O segundo examina a polêmica em torno da missão da Relatora Especial da ONU sobre Violência contra Mulheres e Meninas, cujo adiamento foi marcado por controvérsias relacionadas a vínculos da relatora com o campo essencialista.

O relatório lançado após a publicação do Dossiê Matria aprofunda a investigação ao expandir o foco para o ecossistema mais amplo de feminismos essencialistas no Brasil, revelando como tais correntes se articulam politicamente com a extrema direita e alerta que, embora essas correntes representem uma minoria dentro dos feminismos, sua capacidade de articulação e infiltração as torna um vetor poderoso de desinformação e polarização. Nesse cenário, a defesa dos direitos humanos e a preservação dos avanços conquistados nas últimas décadas dependem de uma reação articulada entre movimentos feministas, academia e sociedade civil.

Em tempos de recrudescimento do conservadorismo e de tentativas constantes de retrocesso, “Fronteiras Borradas” é um convite à vigilância e à reconstrução do diálogo entre os feminismos. Mais do que um estudo, o relatório funciona como um alerta sobre o risco de confundir discursos libertários com projetos de exclusão. Ao iluminar as zonas cinzentas desse embate, ele reafirma que a luta por igualdade de gênero só é legítima quando reconhece e defende todas as formas de existir.

Acesse e baixe a seguir o Relatório Final da pesquisa “Fronteiras Borradas: Movimentos Feministas e de Mulheres e Política Antigênero no Brasil”.

Candidaturas trans eleitas se destacam na vereança em 2024

Direitos e Política, Pesquisas

Até o momento, pelo menos vinte e oito candidaturas trans foram eleitas em 2024. Todas para o cargo de vereança, embora Duda Salabert tenha se destacado na disputa para a prefeitura de Belo Horizonte, ficou ainda mais evidente que o legislativo se encontra como um campo de maior resistência para a nossa população.

Em 2020, haviam sido pelo menos 30 pessoas trans eleitas como mostrado em nosso levantamento exclusivo, destacando que nem mesmo o TSE conseguiu chegar a esses dados. E este ano, das mais de 600 candidaturas, chegamos a 28 eleitas ou reeleitas com possibilidade de termos ainda mais por esse Brasil a fora. Destacando que a maioria foi eleita em cidades do interior com forte representação de partidos do campo progressistas, maioria de mulheres trans e travestis e com destaque para candidaturas negras.

Nesse sentido, parabenizamos com orgulho todas as pessoas trans, travestis, não binárias e outras dissidências sexuais e de gênero que se colocaram para essa eleição apesar dos intensos desafios. Está nítido que uma parcela da comunidade trans segue atenta aos objetivos de nossas lutas e tem se lançado para construir um legislativo cada vez mais diversos e onde nossas vozes sejam ouvidas.

Felizes demais pelas pessoas trans e travestis eleitas e reeleitas! Essa conquista honra o legado de Katia Tapety e reflete a força, a coragem e a determinação de nossa comunidade na luta por justiça e igualdade. A presença de pessoas trans nos espaços de decisão e poder político é um marco fundamental para a defesa de nossos direitos e para a construção de um país que atue contra as injustiças e promova bem esta social, jurídico, econômico e politico para toda a população.

Chamamos atenção a ausência de dados sobre pessoas Não binárias e Intersexo no site do TSE e o fato de que há muitas pessoas que se declararam trans no mesmo mas que o fizeram de forma equivocada, o que exigiu um detalhamento e atenção ainda maiores de nosso trabalho junto ao VOTELGBT que este ano resolveram atuar em conjunto como tem sido noticiado até aqui.

Asssim, agradecemos imensamente a todas as candidaturas que se colocaram nessa batalha, enfrentando desafios enormes para representar a nossa população. Cada passo dado nesse caminho é uma vitória coletiva que fortalece o nosso movimento.

Seguiremos firmes na defesa da nossa população trans, combatendo as injustiças sociais, jurídicas, políticas e econômicas. A resistência e a ocupação desses espaços são vitórias não apenas para as pessoas trans, mas para toda a sociedade que anseia por respeito, dignidade e equidade.

Confira a seguir a lista das pessoas trans e travestis eleitas:

1. Amanda Paschoal – São Paulo/SP 

2. Thabatta Pimenta – Natal/RB 

3. Regininha  – Rio Grande/RS (Reeleita)

4. Isabelly Carvalho – Limeira/SP (Reeleita)

5. Benny Briolly – Niterói/RJ (Reeleita)

6. Thammy Miranda – São Paulo/SP (Reeleito)

7. Edy Oliveira – Paramoti/CE 

8. Natasha Ferreira – Porto Alegre/RS 

9. Kará Marcia – Natividade/RJ (Reeleita)

10. Atena Beauvoir – Porto Alegre/RS 

11. Filipa Brunelli – Araraquara/SP (Reeleita)

12. Juhlia Santos – Belo Horizonte/MG 

13. Carla Basil – Jundiai/SP 

14. Tieta Melo – São Joaquim da Barra/SP (Reeleita)

15. Dandara Ferreira – Patrocínio Paulista/SP 

16. Yasmin Prestes – Entre-Ijuís/RS 

17. Myrella Soares– Bariri/SP (Reeleita)

18. Fernanda Carrara – Piraju/SP (Reeleita)

19. Flávia Carreiro – Itaguajé/PR 

20. Monica de Assis – Turiaçu/MA 

21. Dricka Lima – Campo Novo do Parecis/MT 

22. Giovami Maciel – Moema/MG 

23. Pamella Araujo – Sobral/CE 

24. Sabrina Sassa – São Sebastião da Grama/SP

25. Marcela Lins – Santo Antonio do Amparo/MG

26. Co-Vereadora Bruna do Há Braços de Luta – Piranguinho/MG

27. Francini Corsi – Ipuína/MG

28. Waleska Teixeira – Dores de Campos/MG

*A lista seguirá sendo atualizada. Última autlização dia 08/10/2024

Traviarcas: Antra lança pesquisa sobre envelhecimento de pessoas trans no Brasil

Direitos e Política, Pesquisas

Com foco em mulheres transexuais e travestis a partir dos 45 anos, pela primeira vez a associação publicará relatório sobre desafios e necessidades deste público. Questionário já está disponível online.

A ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) lança nesta sexta-feira, 28 de junho, Dia do Orgulho LGBT+, sua primeira pesquisa sobre envelhecimento de pessoas trans, com foco em travestis e mulheres transexuais brasileiras. O trabalho ‘Traviarcas’ busca trazer à tona as experiências, necessidades e desafios desta parcela da população que envelhece diante de um cenário de inúmeras privações e violações de direitos. O público-alvo são pessoas a partir de 45 anos. 

A pesquisa acontecerá de duas formas. De maneira online, com adesão voluntária – o questionário já está disponível aqui. E também de forma presencial com oficinas em 15 estados. As perguntas são de múltipla escolha e de fácil compreensão e preenchimento, conforme relatos recebidos a partir de testes já aplicados. 

Os dados gerados vão resultar no relatório “TRAVIARCAS: Diagnóstico sobre os desafios para o envelhecimento de travestis e mulheres transexuais brasileiras”. O objetivo é identificar a situação dessas pessoas ao ultrapassarem a expectativa de vida considerada baixa no país, levando em conta fatores como acesso à educação, saúde (incluindo física, psicológica e sexual), trabalho, geração de renda, segurança pública, acesso à justiça, direitos econômicos e outros aspectos.

Oficinas presenciais

Além do formulário online, a pesquisa Traviarcas também será aplicada presencialmente em oficinas em 15 estados brasileiros. As atividades vão ocorrer durante o segundo semestre de 2024 em parceria com instituições filiadas à ANTRA. Serão construídos espaços de acolhimento, trocas de experiências e escuta, assim como também haverá apresentação do trabalho da ANTRA.

As oficinas e as análises posteriores serão conduzidas por duas pesquisadoras sociais. Keila Simpson, primeira travesti brasileira a receber título de doutora Honoris Causa pela UERJ e atual tesoureira da Antra; e Rubra Pereira de Araújo, 48 anos, doutora em Letras e professora da Universidade Federal de Tocantins. 

“Ser objeto da minha própria pesquisa e envelhecer como pessoa trans no Brasil é bastante desafiador, sobretudo na perspectiva de viver buscando estratégias de sobrevivência. Na verdade, a gente vive em um entrelugar e nesse entrelugar ora avançamos e ora retrocedemos. Envelhecer sendo trans é viver na espreita com a consciência de que você pode ser a próxima vítima”, afirma Rubra. 

Durante os encontros presenciais, serão discutidos ainda quais direitos podem ser pensados a partir da necessidade específica dessas pessoas, assim como formas de enfrentar os desafios para o acesso a outros direitos já conquistados. Cada participante dos grupos focais receberá uma ajuda de custo.

Traviarcas: impactos esperados 

Com o relatório, espera-se produzir dados sobre a situação de travestis e transexuais mais velhas para construção de políticas públicas voltadas para esse público; ampliar a rede de atuação da ANTRA no Brasil; e construir uma rede de apoio para pessoas trans que estão envelhecendo. Após a finalização, a pesquisa ficará disponível no site da Antra para livre acesso e compartilhamento, e será apresentada em Brasília, em 2025. 

“A pesquisa ‘Traviarcas’ é necessária e urgente pois ele vem de encontro a um genocídio que é estabelecido quase como um projeto social, no qual os corpos trans são tombados antes mesmo dos 40 anos. Meu título de doutora não me exime de ser executada. Então, o relatório vai trazer mudanças significativas de uma longevidade e de uma perspectiva de vivência e cidadania de uma população que é solapada no seu direito de viver e envelhecer”, conclui Rubra. 

“Os resultados desta pesquisa serão usados pela ANTRA para pautar políticas públicas e garantir que pessoas trans idosas tenham acesso a direitos já assegurados e a uma agenda de cuidados adequados que inclua suas especificidades. Isso é crucial, pois a geração de pessoas trans mais velhas ainda é algo raro. Envelhecer é um dos direitos que tem sido negado até aqui e queremos ver como está esse processo a partir das expectativas dessas pessoas que continuam a resistir num país onde enfrentaram e enfrentam violência e violações de direitos humanos em todos os seus ciclos de vida”, afirma Bruna Benevides, presidenta da ANTRA.

Além de Keila, Rubra e Bruna, fazem parte da equipe da pesquisa: Cecília Barbosa, estudante de Filosofia e bolsista PIBIC CNPq; Ronna Freitas de Oliveira,  doutoranda em Letras (UFPR) e Professora Temporária no Depto. de Estudos da Linguagem (UEPG); Yara Canta, defensora dos Direitos Humanos; e Yuri Alves Fernandes, jornalista do #Colabora e autor de LGBT+60. 

Por Yuri Alves Fernandes originalmente postado no portal colabora

ANTRA lança Diagnóstico sobre a retificação de nome e gênero de travestis e demais pessoas trans no Brasil.

Direitos e Política, Pesquisas

No Brasil, apesar de ser uma realidade, a retificação registral de travestis, mulheres transexuais, homens trans, pessoas transmasculinas e não binárias, por autodeclaração é um processo pouco acessível, burocrático e caro. E é nesse cenário que a ANTRA se debruça em mais uma pesquisa, intitulada “Diagnóstico sobre o acesso à retificação de nome e gênero de travestis e demais pessoas trans no Brasil” seguindo o compromisso com a produção de dados e informações valiosas sobre o direito ao nome para as pessoas trans, lançando um documento que ao final apresenta diversas recomendações para que sejam tomadas ações a fim de enfrentar as lacunas, omissões e ou questão que foram deixadas de lado.

Tendo contado com a participação voluntária de mais de 1600 pessoas trans e não binárias de todo o país, tendo ainda participado pessoas autodeclaradas como intersexo, PCD, migrantes e Indígenas, os dados revelam de forma flagrante as omissões e questões não enfrentadas pelo Estado e seus órgãos governamentais e apontam, ainda, a necessidade de uma legislação que discipline a identidade de gênero e regulamente as demandas e necessidades das pessoas trans, assim como uma extensa revisão das normativas vigentes.

Um dos dados que mais chama atenção é o fato de que 63,57% das pessoas que participaram da pesquisa não retificaram sua documentação. Ademais, os cruzamentos entre trabalho, renda, escolaridade, localização geográfica, identidade de gênero e raça/cor têm sido fatores determinantes na dificuldade de acesso. Sobretudo ao observar o quanto o nome social ainda é altamente utilizado, embora haja entraves e uma confusão entre o que é o nome social e qual seu papel, assim como nome de registro e as dinâmicas de correção dos documentos após o processo de retificação do registro civil.

A publicação traz ainda um olhar para as normas vigentes sobre a retificação e aponta caminhos sobre a necessidade de atualizações e revisões a partir dos novos marcos onde o estado deve assegurar o acesso a esse direito. Tranzendo o perfil de quem não consegue acessar a retificação, assim como seus possíveis motivos, e jogando luz sobre as dificuldade daquelas pessoas que conseguiram retificar sua documentação, e ainda relatos sobre violências que enfrentaram nesse processo.

Há ainda uma homanagem a Roberta Close e Neon Cunha, por suas contribuições a luta das pessoas trans na busca pela cidadania através do reconhecimento de seus nomes. Além disso, traz análises de especialistas, advogades, juristas, pesquisadores, pensadores e ativistas que se debruçaram sobre a problemática em torno de uma conquista que veio pelo judiciário e que não foi incorporada como uma política pública. Contando com a participação da Dra Inês Virgínia, Victoria Dandara, Júlio Mota, Anderson Waldemar Moreira Paula e Eder Fernandes, e organização de Bruna Benevides.  Revisão textual de Issac Porto, Advogado e Conultor do Instituto Raça e Igualdade; Diagramação e Design de Raykka Rica. E contou com apoio do Fundo Positivo, Distrito Drag, Instituto Matizes, Clínica Jurídica LGBTQIA+ (UFF), Associação Brasileira de lésbicas, gays, bissexuais travestis, transexuais e intersexos (ABGLT), Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos.

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