Carta aberta do Movimento Nacional de Travestis e Transexuais em desagravo a ONG Minha Criança Trans

Notas e Ofícios

As instituições que assinam esta carta vem a público posicionar suas inquietações a respeito da atuação que a ONG “Minha Criança trans” vem mantendo em relação ao movimento nacional de pessoas trans e diante da busca por legitimidade para atuar em nome de crianças e jovens trans, mantendo posicionamentos distantes das dimensões críticas que a luta de  pessoas trans tem produzido.

Cabe destacar que discutir a infância é também discutir o nosso próprio futuro e de nossa luta, e nesse sentido, exigimos ser incluídas e efetivamente construir aquilo que está sendo pautado sobre crianças trans. Insta frisar que esta não é uma pauta alheia a nossa atuação. E é exatamente por isso que se torna inadmissível que a cisgeneridade siga tentando se apropriar de nossos corpos do nascimento ao post mortem a fim de gerar capital político para si. Além disso, garantir que ações e pesquisas sobre nós, contem com nossos corpos, é exercer o pleno comprometimento com uma inclusão não tutelada e que celebra a potencialidade das pessoas trans. Não mais sendo usadas como objetos de estudo, perpetuando o lugar excludente que a academia tem destinado as narrativas e construções de saber advindos da sociedade civil e efetivando pesquisas que deveriam tirar o foco do olhar cisgênero sobre nossos corpos.

A autointitulada “única instituição de luta que atua em defesa dos direitos trans”(SIC) não se trata de uma ONG organizada por pessoas Trans, mas uma instituição de pais de pessoas trans, na qual algumas de suas representações – em sua maioria cisgêneras, brancas e de classe média/alta – têm circulado em diversos espaços institucionais que já se mostraram publicamente terem  posicionamentos transfóbicos e patologizadores  acerca dos cuidados em relação à crianças e jovens trans.

Há  tempos que temos alertado sobre o quanto esses mesmos pais, munidos de benevolência, muitas vezes diante de sua própria incapacidade de lidar com a questão ou encontrarem apoio fora do campo biomédico, assumem o protagonismo dessas vivências e acabam por silenciar as narrativas e vozes de s jovens trans. O que nos chama atenção visto que denuncia a própria dificuldade dessas pessoas em se repensarem como   produtoras e reprodutoras de transfobias e suas limitações cis-centradas em relação ao tema, seus avanços e as  pautas contemporâneas. O que se agrava quando se mantém uma atuação sem qualquer tipo de diálogo e parceria com o movimento trans politicamente mobilizado, mais precisamente com as instituições que têm pessoas trans à frente e que atuam em defesa dos direitos trans.

Em trinta anos de atuação, conseguimos acumular legitimidade e resultados positivos para nossa luta entendendo que apenas a coletividade e o diálogo intersetorial entre pares tem sido capaz de promover as mudanças que temos vivido, fruto da construção dos movimentos trans e aliados, assim como o próprio avançar da cidadania trans, que advém da capacidade de articulação, consistência e estratégia.

Lastimavelmente, o resultado da inobservância desse tipo de mobilização é a manutenção de pessoas cisgêneras que seguem instrumentalizando nossa pauta e construído carreiras em nosso nome, sem que sejamos  incluídas – o que embora pareça algo positivo para olhares mais descuidados –  não nos ajudam aquelas pessoas que pretendem manter fortalecido o pacto narcisístico da cisgeneridade[1], que seguem contribuindo para inviabilizar a participação e promover o silenciamento de instituições de notória atuação pública em defesa dos direitos trans, assim como dificultam a inclusão de especialistas e pesquisadores trans no acolhimento de  nossas próprias infâncias.

A pauta pela despatologização das identidades trans, por exemplo, é uma luta histórica de pessoas trans ao redor do mundo e aquilo que conquistamos para pessoas adultas não pode ser usado para seguir tutelando, adoecendo, limitando potências, normatizando e tratando como uma doença as expressões não normativas de identidades de gênero na infância.  Se por um lado, defendemos o acesso à saúde para todes e, este ainda necessita de um código para ser assegurado, por outro, no caso de crianças trans esse mesmo tipo de procedimento se torna absurdo visto que ninguém defende cirurgias ou hormonização para crianças, e por isso a patologização e a tutela infantil mais parece a criação de um problema para oferecer uma suposta solução que desconsidera os avanços, pesquisas e outras epistemologias que a própria ciência e pesquisadores trans têm produzido.

Aliás, condicionar o acesso a um acompanhamento médico psiquiátrico e/ou psicológico a transgeneridade é atuar contrariamente ao entendimento de que esta não se trata de uma doença e atua diretamente para promover adoecimento, e violar os direitos humanos dessas pessoas.  Nenhuma pessoa – cis ou trans – precisa ter um diagnóstico para fazer terapia, assim como a terapia não pode ser compulsória  em detrimento ao desejo expresso da própria pessoa. E é fato que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a própria Constituição Federal já asseguram e determinam que toda criança tem direito à saúde, educação, cuidados diversos, mas também a uma infância livre.

Entendendo a importância do tema, defendemos que toda e qualquer ação que se pretenda discutir essa questão de forma ética e responsável se comprometa em construir espaços plurais, e que sejamos efetivamente incluídas nesse processo.

Nesse sentido, é preciso traçar um entendimento que considere a integralidade do sujeito e suas próprias necessidades, afastando-se de olhares patologizantes. Não podemos mais aceitar ideais que se submetem ao saber médico de forma acrítica e ignorem o impacto que a manutenção da transgeneridade como uma doença gerou às pessoas trans ao longo da história.

Ante ao exposto, afirmamos que  a ONG “Minha Criança Trans” não faz parte das nossas organizações representativas e repudiamos o descompasso que a mesma tem mantido em relação luta das pessoas trans por não representar aquilo que temos construído ao lado de pesquisadoras trans, especialistas e estudiosos, assim como ativistas e instituições que defendem os direitos humanos trans. Devido a isso ela não pode usurpar o protagonismo da pauta de crianças e jovens trans de pessoas trans e/ ou falar em nosso nome.

Falar de nós, sem nós, é transfobia.

Ser trans não é doença!

Crianças trans existem e não são uma patologia.

BRASIL, 20 de Abril de 2023

Associação Nacional de Travestis e transexuais (ANTRA)

Associação Brasileira de lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e pessoas Intersexo (ABGLT)

Fórum nacional de travestis e Transexuais negras e negros (FONATRANS)

Instituto Brasileiro de TransMasculinidades (IBRAT)

Liga Nacional TransMasculina João W. Nery  (LigaJWNERY)

Rede Nacional de Pessoas Trans Vivendo e Convivendo com o HIV (RNTTHP+)

Conexão Nacional de Mulheres Transexuais e Travestis de Axé (CONATT)

Coletivo de Artistas Transmasculines (CATS)

Fórum Estadual de Travestis e transexuais do Rio de Janeiro (FORUMTTRJ)

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[1] Adaptação das elaborações propostas por Cida Bento em “Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público”.

Nota Pública da ANTRA contra ataques vindos de RADFEM/TERF

Direitos e Política, Notas e Ofícios

NOTA PÚBLICA

A ANTRA vem a público tranquilizar as pessoas que estão preocupadas com campanhas transfóbicas vindas de feministas radicais nas redes sociais.

Antes de qualquer coisa, cabe afirmar que reconhecemos o feminismo radical como uma das principais ferramentas que utiliza corpos de mulheres cisgêneras a serviço do patriarcado contra os direitos trans. Um grupo de ódio antitrans que ideologicamente assume uma postura pública de caráter cissexista e tem atuado como uma associação criminosa ao mobilizar diversas ações articuladas a fim de promover ataques a pessoas trans, instituições de defesa dos direitos trans e aliados de nossa luta.

É fato notório que defendemos abertamente a regulamentação da prostituição, o que não é crime no Brasil, assim como temos atuado em diversas frentes contra o tráfico de pessoas e à exploração sexual. Tendo participado ativamente em colaboração com ações que tem resultado no desmonte de grupos que exploram trabalhadores sexuais. Tudo feito com a devida cautela, visto que esse movimento também nos coloca em situação de alto risco e nos expõe a uma série de outras violências.

Cabe aqui destacar que qualquer tentativa de afirmar que a ANTRA corrobora com exploração sexual ou qualquer tipo de crime nesse sentido, além de não encontrar qualquer respaldo na realidade, tem como objetivo tentar enfraquecer a nossa atuação, e ignora a completa ausência de envolvimento, investigação, denuncia, condenação ou responsabilização da ANTRA em delitos de qualquer natureza durante seus mais de 30 anos de atuação. E ao contrário dos fatos que apresentamos, provando materialmente que uma das representantes de grupos feministas radicais trabalha e tem sido financiada pela extrema direita trumpista[1], com vasto histórico de perseguição as pessoas trans[2], inexistem quaisquer associação ou relação entre nossa atuação e atitudes individuais praticadas por pessoas trans membras ou não de nossa rede.

Não é novidade a existência de campanhas difamatórias que tentam associar as identidades trans a criminalidade, e que tem sido adotadas como estratégia da extrema-direita e outros grupos antitrans, e fica nítido que não passam de atitudes desesperadas vindas de quem pretende seguir praticando ou incitando transfobias impunemente.. Mas que tem encontrado forte resistência organizada de nossa parte, e a defesa radical dos direitos trans que temos encampado junto a diversos aliados, incluindo ações contra pessoas autointituladas feministas radicais que estão infiltradas em partidos e movimentos populares de esquerda, mas que tem se aliado a extrema-direita para perseguir os direitos trans. E temos plena consciência do que covardes acuados são capazes. O ressentimento desses grupos se acirra no Brasil quando veem avançar conquistas que nos garantem proteção contra a injúria transfóbica ou o racismo transfóbico propriamente dito.

Ante ao exposto, nessa guerra imaterial de narrativas que pretende desviar de nossos objetivos criando distrações para avançar com ações que visam piorar a vida de pessoas trans e travestis, não  é uma decisão difícil saber qual lado deve ser defendido. De um lado grupos de ódio antitrans ligados a extrema direita e, do outro, pessoas trans reagindo a transfobia desses grupos.

O movimento trans é e sempre foi vanguarda na resistência contra as diversas violências direcionadas a nós, assim como na luta popular, em defesa dos direitos humanos e da classe trabalhadora, bem como ao confrontar o sistema e se levantar contra a transfobia, o que nos coloca inevitavelmente em maior vulnerabilidade porque o poder afirmado na cisgeneridade branca e bem posicionada socialmente, é fortalecido por diversos setores do capital.

Seguiremos firmes fortalecendo a luta trans, nos defendendo de ataques contra nossa comunidade e jamais iremos negociar com a transfobia. Esse não é um debate de dois lados ou que tenha mediação possível. A nós cabe enfrentar e denunciar, sempre.

Brasil, 08 de fevereiro de 2023.

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS

30 anos de luta de resistência


[1] https://twitter.com/AntraBrasil/status/1622738866699370496?s=20&t=tBki39S88Eq_nsArIR5QSQ

[2] https://twitter.com/transfobiapl/status/1413214821206605825?s=20&t=tBki39S88Eq_nsArIR5QSQ

CANDOMBLÉ: Um Ambiente de Resistência e Luta pelo Liberdade Cidadã e Culto Religioso da População das Mulheres Transexuais e das Travestis

Notas e Ofícios

Um Ambiente de Resistência e Luta pelo Liberdade Cidadã e Culto Religioso da População das Mulheres Transexuais e das Travestis – por FERNANDA DE MORAES DA SILVA

Introdução

Um dos mitos da criação do mundo diz que Odúdúwa é seu criador, fundador e o primeiro Obá Òóni Ifè de Ilé-Ifè, o progenitor de todo o povo yorùbá. (Barretti Filho, Aulo. Ilê-Ifè a Origem do Mundo. (1984/2003) 2012)

Este artigo resulta de uma breve revisão sobre transexualidade, travestilidade ou as transidentidades nas diversas casas de religiões de matriz africana e na literatura sobre a importância das Mulheres Transexuais e das Travestis na constituição da religiosidade afro-brasileira. A presença desses dois segmentos sociais dentro das Casas de Candomblé, como figura principal, Iyálòrísá (popularmente chamadas de Mães-de-Santo), ou como Ómó Òrísá (filhas-de-santo), representam do mesmo modo a força do candomblé como religião de resgate da identidade transexual negra no Brasil, mais precisamente neste estudo na cidade de São Paulo e nas Casas de Candomblé e, que tem nos Òrísás/Nkisis/Vòdúns a sua representatividade, dentro do ambiente do terreiro, toda uma forma de viver e de socializar dessas pessoas. Dentro das hierarquias presentes no Candomblé os rituais são reverenciados e realizados, conforme a determinação dessas casas, que detêm um conjugado de qualidades, características e de preceitos, doutrinas e ensinamentos adquiridos ao longo das suas vivências e da hereditariedade deixada pelos nossos antepassados vindos do continente africano.

 Candomblé – Uma Religião Afro-Brasileira

O termo “candomblé” é uma junção do termo quimbundo “candombe” (dança com atabaques) com o termo yorùbá “Ilè” ou “Ilê” (casa): significa, portanto, “casa da dança com atabaques”.

Candomblé é uma religião derivada do animismo africano onde se cultuam os òrísás, vòdúns ou nkisis, designações dadas às “entidades incorporadas” (termo popular) no culto do candomblé, que variam de acordo com a nação de procedência africana. Sendo de origem totêmica e familiar, é uma das religiões de matriz africana mais praticadas, tendo mais de três milhões de adeptos e seguidores em todo o mundo, principalmente no Brasil.

Dentre as nações africanas praticantes do animismo, cada uma tinha, como base, o culto a um único òrísá. A junção dos cultos é um fenômeno brasileiro em decorrência do tráfico da população negra, oriunda do continente africano, que foram escravizados no Brasil e onde, agrupados nas senzalas, nomeavam uma zeladora de santo, também conhecida como Iyálòrísá, no caso das mulheres e, como Babálòrísá, no caso dos homens.

A religião tem, por base, a anima (alma) da Natureza, sendo, portanto, chamada de anímica. As sacerdotisas e sacerdotes africanos que vieram traficados para o Brasil e foram feitos como escravos, vieram juntamente com seus deuses Negros, denominados como: Òrísás/Nkisis/Vòdúns, sua cultura, e seus idiomas, entre 1549 e 1888, é que tentaram de uma forma ou de outra dar continuidade praticando suas religiões em terras brasileiras. Foram os povos africanos que implantaram suas religiões no Brasil, juntando várias em uma casa só, para a sobrevivência das mesmas. Portanto, o Candomblé não é uma invenção da população brasileira.

A religião afro-brasileira, genericamente denominada Candomblé (lugar de culto da população negra), e de origem (Ìbere) africana significa “dança”, visto como uma dança propriamente religiosa, na qual se rezam, invocam e é uma das formas de culto e crença nos Òrísás. Òrísá (Orixá) é energia, é força, é a própria natureza em suas variações, nuances de beleza e devastação, assim é correto dizer que o Candomblé é uma dança ritualística que cultua a natureza em suas mais diversas formas. No caso do Brasil, o Candomblé surgiu, historicamente, como foco de resistência religiosa cultural das populações negras e periféricas, para preservarem suas histórias (Ìtàns), tradições e os elementos fundamentais do seu conjunto de crenças.

Òrísás têm personalidades individuais, habilidades e preferências rituais, e são conectados ao fenômeno natural específico: Fogo, Terra, Ar e Água. Toda pessoa é escolhida no nascimento (Ìbí) por um ou vários “patronos” chamados de Òrísás, que uma Iyálòrísá ou Babálòrísá os identificará.

Alguns Òrísás são “incorporados” por pessoas iniciadas durante o ritual do candomblé, outros Òrísás não, apenas são cultuados em árvores pela coletividade. Alguns Òrísás chamados Fúnfún (branco), que fizeram parte da criação do mundo, também são incorporados.

De modo conceitual partimos da ideia de:

Òrìsàísmo entendido como: conjunto das religiões ou a religião dos que cultuam os Òrísás Yorùbá. Somos, então, Òrìsàístas. (BERRETI Filho, Aulo. Nações Africanas: Miscigenação nos Candomblés do Brasil. In: Revista Ébano, nº19, pp.4-5, 1983, e em aula curricular do curso de Cultura e Teologia Yorùbá Comparada.)

O candomblé cultua, entre todas as nações, umas cinquenta das centenas de deidades ainda cultuadas na África. Porém, na maioria das casas de asé das grandes cidades, são doze as mais cultuadas. O que acontece é que algumas divindades têm “qualidades” que podem ser “identificadas” em suas características e cultuadas como um diferencial na pronúncia das denominações em cada Casa de Asé, que podem ser chamados por: Òrísá (Ketu), Nkisis (Angola) ou Vòdúns (Jêje). Então, a lista de divindades das diferentes nações é grande, contudo na realidade não são os mesmos; e seus cultos, rituais e toques são totalmente diferentes.

Não é de hoje que a educação social e antropológica vem sendo considerada e reanalisada, pelas Mulheres Transexuais e pelas Travestis como um espaço de ação contra a intolerância religiosa, as desigualdades sociais e racismo transfóbico, como um ambiente estratégico de atuação, já que dentro deste recinto religioso, se reproduz um modelo de educação fundado nos valores civilizatórios ocidentais, numa perspectiva cisnormativa hegemônica, negando a diversidade sexual e de gênero existentes na sociedade brasileira, reproduzindo, assim, uma ideologia de recusa e de inferiorização das transexualidades e das travestilidades, que estão presentes no cotidiano desses cultos, o que se intensifica quando associados a outros marcadores sociais, tais como, classe, raça e etnias.

O Candomblé é, em sua composição, uma comunidade detentora de uma diversificada herança cultural, onde se mesclam elementos provenientes, sobretudo da África e no Brasil, que abrigam minorias e que buscam a aceitação e o acolhimento de uma pessoa tal como ela se apresenta socialmente, ou seja, tal qual a Identidade de Gênero que ela expõe, sem a necessidade de “conversão” a determinados juízos de valores ou “ajustes sociais”. É, também, uma religião com hierarquia, códigos e simbologias muito peculiares. A comunidade ritualística (Égbé) do Candomblé tem para cada pessoa adepta, o seu lugar próprio e nenhuma pessoa fica aleatória dentro desse amálgama humano. Porquanto mulheres e homens, sejam cisgêneros ou transexuais, tem cargos e funções muito bem definidas, pontuadas, não sendo permitido que determinados postos estabelecidos para mulheres sejam exercidos por homens e/ou vice-versa, contudo, diante das discussões sobre as expressões sexuais e de gênero, como ficam as mulheres transexuais e as travestis iniciadas nas casas de asé?

Iniciação e Sacerdócio

Conhecer a si mesmo: pressuposto básico para a realização pessoal em todos os níveis espirituais. Desde sua origem, o ser humano almeja encontrar-se com o Infinito. Essa busca incansável frequentemente gera certas batalhas que são travadas no interior do indivíduo, acompanhadas por sentimentos de angústia, ansiedade, inconformismo ou até mesmo de desespero face ao desconhecido ou ao irremediável: as fatalidades e incertezas do amanhã, ciclo da vida, o destino e a morte.

Uma pessoa com mediunidade tem nisso um peso ancestral, nós somos a soma da consciência dos nossos antepassados, e com isso carregamos em nosso DNA uma memória ancestral, heranças, dividas, sofrimentos, alegrias e sabedoria e até mesmo suas personalidades, o que resguarda este contexto é o fato de sermos parecidos com nossos pais, avós e bisavós, ou seja, somos semelhantes à nossa ancestralidade mais longínqua, os Òrísás/Nkisis/Vòdúns. E esta ancestralidade é carregada de responsabilidades e encargos.

Fui iniciada para o Candomblé (Igbódù Òrísá), num Ilè Asé de Oyá Topè, em Manaus/AM, em fevereiro de 1993 e, recebi meu sacerdócio (cargo) como Iyálòrísá, no Ilè Asé Odé Ópá Óká, no Rio de Janeiro,  em 2010, pelo meu Babálòrísá Gilmar Pereira, Fomo de Yèmójá, (Babá Sesú Toyan), fui escolhida e agraciada pelos Òrísás para ocupar esse posto e muito embora eu jamais queira entrar em controvérsia, polêmica e/ou fazer provocações e contestações pessoais, enquanto Iyálòrísá e Mulher Transexual, contudo, não poderia me omitir e nem deixar de fazer minha análise, além de vir convidar minhas e meus Agbás e família (Ebí) de asé òrísá, para conjecturar e refletir sobre o contexto de um assunto que a sociedade, em diversos espaços e em muitos estudos, vem há bastante tempo suscitando, porém dentro do Candomblé e demais religiões de matrizes afro-brasileiras, mais antigas, como sempre tão-somente vista como uma religião tradicional e um culto matriarcal, pouco tem refletido e dialogado sobre a temática das (trans)sexualidades, pois as transexualidades ou as travestilidades possuem particularidades  e peculiaridades, que são especificas de cada pessoa e não podem ser tida como referencial na iniciação de uma Yáwò.

As categorizações dos gêneros são criadas conforme a sociedade cisnormativa determina, seguindo padrões criados pelos homens ou pelas religiões. Contudo, como definimos as transexualidades e as travestilidades dentro do culto afro?

Uma definição possível para Candomblé pode ser encontrada em JOAQUIM (2001), quando nos diz que:

Candomblé é a religião do Axé. Quando chamamos a vida nos remetemos às origens. O candomblé é celebração desta vida, de Olódùmarè, que se faz presente em nossa luta e história; dançando, cantando e comendo com as pessoas. Os orixás caminham com as pessoas. (JOAQUIM, Maria Salete. 2001, p. 78).

Invariavelmente tropeçamos em casos que não se adequam aos modelos da sociedade cisnormativa, feitos a “imagem” de Deus (Olódùmarè) em toda a sua manifestação, aditando elementos masculinos e femininos ao mesmo tempo. As transexualidades e as travestilidades não possuem espaços nesta intolerante sociedade cisnormativa que tentam suprimir e extinguir o diferencial feminino das mulheres transexuais e das travestis. Sejam pelas suas vestimentas e pela sua liberdade de ocupar um cargo de Iyás (mães) dentro do culto religioso ou contra a opressão supersticiosa, cisnormativa, biologizante, escravista, patologizante e reducionista que vão se caracterizando pelas mais variadas formas de enfrentamento de acordo com o argumento e contextualização de como se devem tratar a mulher transexual e a travesti. Essas “lutas” tendem a assumir um aspecto de ações mais regulares e até mesmo respeitosos, pois não queremos apartar ou subtrair o Candomblé entre pessoas ou guetos; a exemplificação disso, seriam surgir novas Casas de Candomblé conduzidas, geridas e frequentadas apenas por mulheres transexuais ou por travestis, já que somos uma irmandade única, embora espalhadas por todo território brasileiro.

Entretanto não é assim no òrìsàísmo, porquanto as divindades, ou seja, os Òrísás não se importam com a identidade de gênero da pessoa, desde que ela tenha um bom caráter (Iwá Pèlé). Há um provérbio iorubá que diz: Ayanmó ni Iwá Pèlé, Iwá Pèlé ni ayanmó. Este provérbio traduzido aproximadamente significa: Destino é bom caráter, bom caráter é destino.

Se nos cultos afro-brasileiros a fé preconiza que a cabeça (Òrí), enquanto princípio de individuação e objeto de culto, da religiosidade, é quem comanda e carrega o corpo (Árá), como podemos exigir que uma pessoa que nasceu com o sexo incongruente com seu gênero de nascimento, mas o adequou para o gênero oposto, se comporte, se vista e se porte em nossos rituais conforme a “determinação” reducionista biologizante?

Na reminiscência oral, os mitos trazem o entendimento de nossos ancestrais acerca de diversas questões que intrigam a humanidade, e, com uma interpretação mais apurada, podem ser o vetor que nos ajudará a não só aceitar e acolher essas pessoas como elas são, mas, principalmente, a respeitar sua real identidade de gênero, seus desejos e suas crenças.

Sendo assim, uma mulher transexual ou uma travesti (pessoa que nasceu designada como do sexo masculino, mas que modificou seu corpo e sua identidade social para o gênero feminino e assim vive cotidianamente), por exemplo, poderá vestir-se com baiana, que é uma indumentária feminina, e ter um cargo condizente com seu gênero atual. Neste sentido,

Na união mística constituída entre o orixá e o seu duplo prevalece a natureza sagrada e não biológica da relação contraída entre ambos. O homem iniciado não é um ser sexuado durante a possessão. Ele não perde sua masculinidade porque, naquele momento, não é ele quem está presente, mas o orixá para o qual foi iniciado. Não há uma contradição sexual, afinal, é a divindade quem se veste com as roupas rituais a fim de executar suas coreografias litúrgicas (SANTOS, Milton Silva dos. Mito, possessão e sexualidade no candomblé. In: Revista Nures, nº8, p.06, PUC-SP, 2008).

O comportamento deve ser dado pela identidade de gênero apresentada, ou seja, por aquela quem de fato (e, por que não, é de direito) a pessoa é e não pelo que outras acham ou pensam que a mesma seja, evidenciando a dimensão política entre o Candomblé e as expressões das transexualidades.

As Transidentidades dentro do Casas de Asé

As transexualidades ou as travestilidades estão presentes na maioria dos cultos das inúmeras de Casas de Asé, no Brasil afora, entretanto ocultas e, indiscutivelmente camufladas ou “desapercebidas” por princípios e muitas vezes renegada por muitas Iyálòrísás ou Babálòrísás que negam as suas filhas-de-santo mulheres transexuais ou travestis vestirem-se como a sua identidade de gênero com as quais identificam-se socialmente.

No candomblé, as transexualidades e as travestilidades são amplamente acolhidas, mas pouco debatidas nos dias atuais, no entanto já existiu um período, mais remoto, que mulheres transexuais e as travestis não podiam ser iniciadas como “rodantes” (termo usado para pessoas que entram em transe com o Òrísá), também não eram permitidas nos cultos de candomblé, porque eram vistas como homens homossexuais e, dançasse no Xírè (roda de candomblé) mesmo que estivesse em transe, pois afrontavam as antigas matriarcas.

As mulheres transexuais e as travestis, ao sentirem-se incomodadas pelo fato do não pertencimento ao seu sexo/gênero de nascimento, buscam por modificações corporais intensas, tais como injeções e ingestão de comprimidos de hormônios (femininos ou masculinos), aplicações de silicone líquido industrial, no caso das travestis e mulheres transexuais, e, outras cirurgias plásticas, encontrando, nesses métodos, alguns ilegais, uma forma, mais atrativa, do ponto de vista cis-estético naturalizante, de adequar corpo e mente. Por conta disso não têm como ocultar sua verdadeira identidade de gênero por trás de biombos ou dentro de “armários” sociais.

Essa “(in)visibilidade” é praticamente obrigatória a partir do momento em que sentem o desejo de assumirem-se pública e socialmente. E para aquelas e aqueles em que as fluências, as alianças e os conflitos entre essas “identidades” social e politicamente construídas e constituídas está inscrita no corpo como um resquício estigmatizante de seu gênero de nascimento e, que não podem estar omitidos sob qualquer disfarce cisnormativo, o qual é o causador maior do preconceito (transfobia) e das violências que sofrem no seu cotidiano. As mulheres transexuais e as travestis não são homens gays afeminados que querem ser, ou apenas vestem-se como mulheres, pois, social, política e psicologicamente, já são.

Na cultura yorubá tradicional o Òrí (cabeça) pode originar uma abertura para o mote da transexualidade, visto que como um Òrí pode ou não transportar essa identidade de gênero consigo; porém, caso a traga do Òrún, poderíamos considerar que os Òrísás não se importam com as transexualidades e com as travestilidade de suas Ómó Òrísá.

Nas Casas de Candomblé, é corrente entre as Iyálòrísás e Babálòrísás a afirmação de que o gênero de uma pessoa não se altera com o transe do Òrísá (èlègún), sejam as Ayágbás (Òrísás femininas) ou Ógbórós (Òrísás masculinos), uma vez que a pessoa iniciada (Yáwò) não se encontra nessa ocasião como ser sexuado e sim “habitado”, ou seja, incorporado pela presença sagrada do Òrísá. Desta forma, podemos considerar que as transexualidades e as travestilidades, não afetam a espiritualidade e nem a fé de uma pessoa, uma vez que percebemos que Òrísá não discrimina, nem tão pouco possui qualquer preconceito com o gênero ou com a identidade de gênero de ninguém.

Se uma mulher transexual ou uma travesti ocupar um cargo dentro de uma Casa de Candomblé, como serão aceitas e vistas? Serão consideradas Iyálòrísás ou Babálòrísá? Seu gênero de nascimento não é condizente com a Identidade de Gênero que tal pessoa apresenta, ou seja, uma Mulher Transexual ou uma Travesti possuem gêneros femininos. Então, o que fazer com essas pessoas dentro da hierarquia do òrìsàísmo candomblecista?

Partindo da premissa de que o Candomblé aceita a pessoa com seus sonhos, aspirações, idiossincrasias, características, particularidades, neuroses, enfim, na condição que se apresenta, então uma Mulher Transexual, ou uma Travesti, deverão ter o cargo de ser Iyálòrísá. Uma vez que essa pessoa se vê desconfortável com seu gênero de nascimento e não se aceita em tal categoria da condição cisnormativa reducionista biologizante.

Porquanto nós iríamos investir ao contrário e agredi-las com um cargo de santo que não condiz e não se harmoniza com a sua real Identidade de Gênero?

Os Òrísás não se resumem às sexualidades e incluem e aceitam mais do que qualquer ser humano as nossas necessidades. Um cargo, antes de mais nada, é oferecido e abençoado pelo Òrísá. Tenhamos a percepção que essa energia linda que são os Òrísás, jamais iriam acometer uma pessoa em um momento tão belo, luminoso e importante que é a concessão e o agraciamento de um cargo.

Os Òrísás/Nkisis/Vòdúns, são divindades intermediárias, junto com Òlòrún, proporcionam, apoio espiritual aos Ómó Òrísás, e governam o mundo e o ser humano, mas também são partes deste mundo, enquanto elementos da natureza; parte da humanidade, enquanto ancestrais míticos; e parte do ser humano, enquanto componentes de sua personalidade.

O Candomblé é a religião do Asé. Quando evocamos a vida nos remetemos às ascendências dos nossos Òrísás, portanto o culto dos Òrísás no Candomblé, seja na iniciação ou nas obrigações, é a promoção e a celebração da vida de uma pessoa, de Òlódùmarè, que se faz presente em nossa luta e história; dançando, cantando, comendo e caminhando junto com as pessoas. No Candomblé, as divindades têm atributos humanos, dadas por virtudes e defeitos; e os fiéis possuem, por sua vez, características divinas, uma vez que além de sermos Ómó Òrísás, carregamos o Òrí (cabeça), significando, além disso, uma divindade guardiã do nosso caminho e do nosso destino.

A língua sagrada utilizada nas cerimônias das Casas de Candomblé é derivada da língua Yorùbá ou Nagô. O povo de Asé procura manter-se fiel aos ensinamentos dos antepassados africanos que fundaram as primeiras casas, reproduzem os rituais, rezas, tradições, cantigas, comidas, festas, e esses ensinamentos são passados oralmente até hoje.

No Candomblé, não há a ideia de pecado, de inferno ou de purgatório o que, não obstante, não sugere em um existir permissivo e reducionista. O referencial de vida é a própria vida, uma vez que a essência e composição decorrem em dois planos paralelos: no ayè (mundo) e no òrún (além). Assim, cada elemento material tem seu duplo sentido espiritual e abstrato no òrún e cada componente existente no òrún tem seu aspecto material no ayè. Portanto,

Candomblé é, na essência, uma comunidade detentora de uma diversificada herança cultural, onde se mesclam elementos provenientes, sobretudo da África Ocidental, e no Brasil, por força das relações de contato a que estiveram permanentes submetidos, integram-se outros tantos componentes religiosos de procedência igualmente variada. Pela sua dinâmica interna e pelo sentido de religiosidade que ali se consta em todos os instantes da vida grupal, é gerador constante de valores éticos e comportamentais que enriquecem a imprimem a sua marca no patrimônio cultural do país. (BRAGA, Júlio. 1998, p. 37).

Considerações finais

Este texto representa uma nova abertura das religiões de matriz afro-brasileiras diante do fortalecimento das lutas identitárias e da representatividade dos movimentos sociais organizados das mulheres transexuais e das travestis espalhados por todo Brasil e mundo afora. Isso num contexto de uma conjuntura em que as questões ligadas às transexualidades e às travestilidades são um imenso tabu em boa parte das religiões, quando não condenadas abertamente.

Apesar de considerar as vivências das sexualidades não cisgêneras e das transexualidades e das travestilidades como “erro mortal” (aíe apáníyan), movimentos contra hegemônicos a esta visão estão surgindo em diversas casas de asé pelo brasil afora. Ainda que existam algumas figuras do clero candomblecista pensado sobre a moral sexual dentro do culto afro-brasileiro e a necessidade de repensar seus conceitos, o laicato vem ganhando protagonismo nessas questões com a criação de grupos, como a ANTRA e o FONATRANS. O movimento de pessoas de asé, tem buscado dar apoio às mulheres transexuais e às travestis, ao mesmo tempo que procura inserir na pauta das Casas de Asé o acolhimento e o respeito efetivo à essa população.

Referências Bibliográficas:

BERRETI Filho, Aulo. Nações Africanas: Miscigenação nos Candomblés do Brasil. In: Revista Ébano, nº19, pp.4-5, 1983, e em aula curricular do curso de Cultura e Teologia Yorubá Comparada.

BRAGA, Júlio. Fuxico do candomblé: estudos afro-brasileiros. Feira de Santana: Universidade Estadual de Feria de Santana, 1998.

CARMO, João Clodomiro do. O que é candomblé. São Paulo: Brasiliense, 1987. (Coleção Primeiros Passos, 200)

CHAVES, Marcelo Mendes (2012). Carybé: uma construção da imagética do candomblé baiano. Dissertação (Mestrado em Estética e História da Arte), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

JOAQUIM, Maria Salete. O papel da liderança religiosa feminina na construção da identidade negra. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.

LIMA, Vivaldo da Costa. A família de santos nos candomblés Jejê-Nagô da Bahia: um estudo de relações intergrupais. Bahia, dissertação de mestrado, UFBA, 1977.

SANTOS, Milton Silva dos. Mito, possessão e sexualidade no candomblé. In: Revista Nures, nº8, p.06, PUC-SP, 2008.

VERGER, Pierre Fatumbi. Dieux D’Afrique (Deuses Africanos) – Paul Hartmann, Paris (1st edition, 1954; 2nd edition, 1995). 400pp, ISBN 2-909571-13-0.

Tradução: Carlos Eugênio Marcondes de Moura EDUSP 1999 ISBN 85-314-0475-4

Supervisão e Revisão:

Prof. Dr. Wiliam Siqueira Peres, professor aposentado do Departamento de Psicologia Clínica e Programa de Pós-Graduação da UNESP de Assis/SP.

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Fernanda de Moraes

Iyálòrísá de Candomblé da Nação Ketu, Teóloga, Assistente Social, Militante Ativista, Pós-Graduada em Direitos Humanos e Sexualidade, Secretária Executiva Geral da ANTRA, Coordenadora Estadual do FONATRANS, Presidenta do Instituto APHRODITTE-SP.  fernandamoraesantos@gmail.com 

UM VIVA A QUEM LUTA PRA EXISTIR E RESISTIR TODO DIA!

Direitos e Política

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*KEILA SIMPSON SOUSA

Com o tema: “Resistir para Existir, Existir para Reagir” a ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais continua a sua atuação no mês da visibilidade Trans e no dia 29 de janeiro de 2019 novamente vem chamar a atenção para as graves violações de direitos humanos da população de Travestis, mulheres Transexuais e homens Trans no Brasil. O pais que mais assassina pessoas Trans no mundo. O número de assassinatos no Brasil é três vezes maior que o segundo colocado mundialmente, o México. “Não há o que comemorar”. Repete-se a cada ano e as vozes não ecoam aonde deveriam chegar. Os parlamentares do Brasil ainda não ouviram esses clamores, se preocupam muito mais com a representação de uma travesti crucificada ou numa que faz espetáculos usando o corpo como a representação do Cristo. “Estamos à mercê de nós mesmas. Quem chora por nós? Quem vai contribuir com a vaquinha para enterrar mais uma para que não seja enterrada como indigente”? São frases que se lê quotidianamente nas redes sociais no pais que tem o status de ser o que mais procura essas pessoas para relações sexuais via internet a mesma sociedade que as cunha como abjetas.

Contudo é preciso reagir usando os corpos como escudos para promoção da visibilidade que se quer, e, é através desses corpos identificados e construídos que a população Trans vem passar a mensagem reivindicando o respeito que ela almeja, e esse deve ser dado por inteiro e não em partes como tem acontecido no dia a dia.

O dia da visibilidade Trans tem um marco histórico quando em 2004 pela primeira vez travestis adentraram o congresso nacional para lançar a campanha travesti e respeito do Departamento de HIV/Aids e Hepatites Virais. A campanha intitulada: “Travesti e Respeito: Já está na hora dos dois serem vistos juntos em casa, na boate, na escola, no trabalho, na vida”. Passados 15 anos desse lançamento e algumas pessoas que fizeram parte da campanha não estar mais nesse plano tem ganhos sim, mas também têm muito ainda a se conquistar e a dizer sobre qual panorama essa população quer continuar. Obviamente que o respeito pedido na campanha ainda está muito distante de ser conquistado, entretanto os avanços que vieram com o passar dos anos é algo que deve ser visto como conquista coletiva de quem não se acomoda e que não vai descansar até que todos os direitos possam de fato ser garantidos.

Vivemos um período importante nos últimos anos, onde o governo federal aproximou dessa população e desenvolveu com elas diferentes estratégias, ações e políticas mesmo que incipientes era de fato algo que o movimento estava acompanhando e ajudando a conduzir. O advocacy que o movimento social organizado desenvolveu também foi importante para conquistar as vitórias que obtiveram via Supremo Tribunal Federal. Na contramão dessas iniciativas ruma o congresso nacional que teima em levantar polemicas sobre qualquer tema que tenha a palavra LGBT do que olhar para essa população como mais uma parte da sociedade brasileira, junte-se a isso os discursos inflamados de “líderes religiosos” que ainda fazem as suas investidas contra a população Trans usando a Bíblia como instrumento da propagação dessas violências, e justificando os seus discursos entre bons e maus, santos e demônios.

Por fim, o Brasil está sob a égide de um governo que se elegeu atacando e fomentando a violência contra as pessoas trans, não reconhecendo a importância das individualidades de cada brasileiro e fazendo um discurso caricato sobre as existências dessa população reconhecendo que não conhece de fato quem é, e o que reivindicam essas pessoas, e para justificar esse apagamento popularizam em discursos o termo “ideologia de gênero” para responder a quase tudo referente a existência da população Trans. usam um discurso atravessado de defender crianças como se a população Trans estivesse na iminência de atacar crianças e não respeitasse o ECA. A população Trans é terminantemente contra a pedofilia só pra constar.

O governo federal não fará ação esse ano no dia da visibilidade, pelo menos até agora não foi divulgado nada e o próprio movimento social organizado que colabora com essas ações não foram sequer sondados sobre tal ação. Isso afirma exatamente como o novo governo vai dialogar com a população, mesmo assim há pessoas e organizações acreditando no teatro feito por alguns ministros desse governo.

Mas as organizações dos movimentos sociais organizados, conselhos de classes, universidades, governos estaduais, partidos políticos etc. farão sim ações nesses dias celebrando a data, e conclamando cada vez mais pessoas e organizações a se juntar na luta quotidiana contra os retrocessos. Entendendo que cada brasileiro e brasileira tem o direito de ser quem é, e que não compete a governo determinar o que cada pessoa tem que ser, em quem tem que acreditar ou vestir a cor de acordo com o padrão cisheterossexista vigente no discurso e prática desse governo.

Com isso a atuação desse movimento será de vigilância constante em cada gesto, em cada passo que se dê nesse novo cenário e prontas a reagir pelo viés democrático em quaisquer circunstâncias. Essa população já entendeu que só a luta constante lhe salvará, e está muito imbuída disso.

*Keila Simpson Sousa – Travesti, 53 anos, PresidenTRA da ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais, coordenadora do Espaço de Sociabilidade e Convivência do Centro de Promoção e Defesa dos Direitos LGBT da Bahia

MARCHA DO ORGULHO TRANS. AINDA É PRECISO DAR VOZ E VEZ A ESSAS PESSOAS

Direitos e Política

Com a chamada do cartaz da 1ª Marcha do Orgulho Trans Pelas vidas Trans, pelos nomes Trans, pelo empoderamento Trans. Independência! Não à morte. A população de travestis, mulheres transexuais e homens trans marcharam nesse sete de setembro pelas ruas do centro histórico de Salvador. A idéia foi originada a partir da 1ª marcha do orgulho Trans de São Paulo. Essa proposta fora apresentada para um grupo de pessoas trans reunidas no casarão da diversidade que decidiram bancar essa atividade e a partir daí esse grupo coletivo e diversos foi o produtor dessa ação.

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A Marcha mostrou em si que ainda é primordial deixar que as pessoas trans falem e protagonizem as suas histórias, ainda é preciso dar voz e vez a que, quase nunca teve esses privilégios de protagonizar e falar por sí só. Ainda precisamos aprender muito com essas meninas e meninos.

“É importante estar na rua nesse dia clamando a Independência dos nossos corpos e das nossas vidas” “É preciso falar para a sociedade que nos assiste que não queremos destruir a família de ninguém, queremos construir as nossas” “Reivindicamos empregos formais e que não tenhamos que nos ocultar dentro de uma identidade para conseguir empregos”. Fora algumas das palavras de ordem durante a Marcha. O ponto alto foi ao chegar na Praça da Sé e fazer referências as prostitutas que lá trabalham pedindo atenção para a profissão de prostitutas que fazem dessa praça o seu local de trabalho. Ver as prostitutas aplaudindo a passagem foi também muito impactante.

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Durante todo o percurso aplausos, olhares atravessados, um pouco de indiferença, e bastante apoio das pessoas que se somavam marchando com a população trans apoiando também o orgulho dessa população que ainda não tem muito o que comemorar dado os alarmantes casos de assassinatos que vitimizam essas pessoas.

Não importa o número de participantes, importa para quem marchou o momento impar e pioneiro. A cara foi mostrada de fato como ela é, as parcerias de pessoas cis também foram importantes pois essas são aliadas de fato, desses aliados que se pode contar a qualquer momento.

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Hoje foi um dia especial pode se perceber que a batalha que essa população trava ainda está longe de ser vencida, mas essa ação deu uma energizada muito boa rumo as novas batalhas que serão travadas, responder ao chamado e desfraldar a bandeira Trans, e carregar cartazes em marcha pela primeira vez aqui na Bahia é um alento enorme no ego de quem faz dessa luta o caminho para que o Brasil possa se colocar novamente no rumo.

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Desfilar em espaços que antes não lhes era permitido transitar sequer durante o dia, diz exatamente a potência que é a mobilização coletiva, responde de fato a perguntas que ficaram sem repostas por muito tempo. Não tem mais volta, o armário nunca foi morada da população trans e certamente nele elas não querem estar.

A marcha se encerrou as 17:30 com um ato público no Terreiro de Jesus onde foram chamadas palavras de ordem e discursos proferido pelos participantes.

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ACONTECE NESSE DOMINGO A 5ª PARADA LIVRE DE GUAÍBA

Cultura, Direitos e Política

Com o tema Identidade de Gênero Sim! Meu corpo minha Liberdade, acontece nesse domingo 25 de março de 2018 das 14:00 as 22:00 horas em frente à estação hidroviária no centro da cidade a 5ª parada livre de Guaíba.

Nessa quinta edição a parada faz alusão a identidade de gênero como tema central para chamar atenção da sociedade guaibense e do Rio Grande do Sul ao respeito para com as pessoas travestis e transexuais.

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”Nossas lutas são por uma sociedade melhor e inclusiva. Temos direito a falar de nossas identidades de gênero temos direito a uma educação sem preconceito, ao respeito aos nossos corpos porquê exercemos nossos direitos com respeito.”

Identidade de gênero sim!

A Parada é um momento de reivindicação e diversão, pois pode-se reivindicar de forma alegre celebrando o respeito que devemos ter por todos. A organização da parada espera que os munícipes possam compreender que a população Trans também é parte dessa cidade.

A Igualdade Guaíba instituição que realiza a parada vem desenvolvendo ao longo dos anos diversos trabalhos nessa comunidade, e espera contar com a participação de todos, pois a parada é uma celebração ao respeito e amor ao próximo. E não conta com nenhum apoio na esfera institucional. 

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As atrações:

Convidada especial: DJ Leticia Satoretto

Apresentadores: Carol Rogê, Valma Classic, Xande Matos, Viviane Bolss Magonólia Summer, Douglas Rogê

Maiores Informações: https://www.facebook.com/profile.php?id=100015280245925

 

 

 

ANTRA LANÇA CAMPANHA PELO DIA INTERNACIONAL DE TODAS AS MULHERES

Direitos e Política

 

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

“No mundo de uma travesti onde o amanhã é incerto, tornar-se mulher é sinônimo de LUTA e é por isso que temos ORGULHO de ser!”

Nesse sentido a ANTRA lança a campanha com a história de 10 Travestis e mulheres Transexuais que enviaram suas fotos para as nossas páginas, e dentre outras histórias de superação que chegaram, elas foram selecionadas pelas inspirações de forças, de vida e luta pela afirmação de suas identidades nos mais diversos espaços, e por isso farão parte da nossa campanha pelo dia Internacional da mulher intitulada: MEU CORPO É A MINHA IDENTIDADE – Respeite minha História.

Eloá Rodrigues

São atrizes desconhecidas da maioria de nós, pessoas anônimas para muitos, visíveis para elas mesmas e para os seus, lá nos escondidinhos de onde vieram. Por isso a ANTRA reconhece e louva essas personalidades, e da vez e imagem a quem sempre esteve oculta nos bastidores, a quem se acostumou a carregar o piano quase sempre sozinha, a quem sempre fez o seu ativismo de forma isolada carregando consigo toda sorta de exclusão e preconceitos, e na maioria das vezes expondo a sua própria bandeira. O seu corpo marginalizado, a sua existência “imoral”.

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Por tudo isso parabenizamos e agradecemos a Jaqueline Denardin, Luíza Bittencourt, Eloá Rodrigues, Arielly Viana, Zara Santana, Thifany Isabella, Marcia Monks, Josyane Pinto, Camila Oliveira e Dafne Korea pelas participações e por contribuírem com a campanha na luta contra a Transfobia e pelo resgate da cidadania da população Trans. Sejam bem-vindas! As histórias de superação estão contadas nas nossas redes sociais.

Josiane Pinto

 

A meta da ANTRA é não deixar ninguém para trás nas batalhas que travamos agora. E que nós que temos os holofotes em cima da gente possamos retornar e buscar aquelas que ficaram lá atrás, aquelas que ainda não conseguiram alcançar a gotinha de cidadania garantida, aquelas que esperam uma mão que se estenda e diga venha caminhar conosco você também faz parte desse mundo. Você não está sozinha.

Obrigada a todas que participaram. Temos muito orgulho de ser a maior rede organizada de Travestis e Transexuais do Brasil, e esta é uma ação em prol da visibilidade de Travestis e mulheres Transexuais de forma plural e coletiva.

Dafne Kora

Grande vitória! Mais uma Travesti assume o Legislativo.

Direitos e Política

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) fez um estudo em 2016 e das 96 candidaturas que conseguimos mapear de Travestis, mulheres Transexuais e homens Trans 9 pessoas foram eleitas dentre outras que tiveram margens expressivas de votos algumas ficando em suplências importantes. Indianara Siqueira Luiza Copiteres e Linda Brasil deram exemplos de candidaturas que sem muito apoio financeiros tiveram expressivas votações nesse pleito.

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Hoje uma dessas candidatas suplentes assume o cargo de vereadora na cidade de Rio Grande no Rio Grande do Sul. Maria Regina (Regininha) disputou o pleito de 2016 pelo PT.  Ela assumirá a vaga deixada pelo vereador Luiz Francisco Spotorno que pediu licença e faz parte da mesma legenda que Maria Regina. Se tornando a primeira Travesti a assumir a vereança no Rio Grande.

Maria Regina é uma liderança do movimento social organizado naquele município, atua na ONG Associação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais de Rio Grande – ALGBT – RG e sempre atuou naquela cidade e região realizando ações para os munícipes daquela cidade sendo LGBT ou não.

A conquista de Regina poderá despertar o desejo de outras Travestis, mulheres Transexuais e homens Trans a disputar a política partidária, pois essas pessoas têm muito a contribuir com o Brasil que elas desejam e sonham e se são cidadãs e cidadãos brasileiros tem todo o direito.

Desejamos sucesso e que o mandato seja pautado nas lutas pelos direitos das populações mais vulnerabilizadas e comprometido com os direitos humanos.

Detalhes dessa notícia você poderá consultar em:

https://goo.gl/sA3m1x