Memória Trans: ANTRA lança Nota Técnica e revela como o Brasil ainda apaga identidades e nega dignidade póstuma a pessoas trans

Cultura, Direitos e Política, Justiça
Horizontal Transgender Day of Remembrance Banner with burning candles using trans pride colors on dark background, celebrated on November.

No mês da Memória Trans, a ANTRA lança uma Nota Técnica inédita que consolida um diagnóstico preciso e urgente sobre a dignidade póstuma de pessoas trans e travestis no Brasil. O documento reúne fundamentos jurídicos, casos emblemáticos e recomendações estruturantes para que o sistema de justiça, a segurança pública, os serviços funerários e as políticas de saúde incluam de maneira efetiva o respeito à identidade de gênero após a morte como um direito humano fundamental. A Nota Técnica sobre Dignidade Póstuma como Direito Fundamental: Garantias para Pessoas Trans e Travestis no Brasil nasce diante de um cenário de violações recorrentes que incluem apagamento institucional, omissões administrativas, desrespeito ao nome social, rituais fúnebres incompatíveis com a identidade vivida e dependência quase absoluta da judicialização.

Casos como o de Keron Ravache, criança trans assassinada aos 13 anos e enterrada sob o nome de registro; Lourival Bezerra, homem trans tratado como um “mistério” pela mídia mesmo após décadas reconhecido por sua comunidade; Alana Azevedo, velada com roupas e estética impostas para negar sua identidade; e Sissy Kelly, sepultada sem o nome social utilizado oficialmente, entre outros, ilustram como a morte segue acompanhada de violência simbólica e institucional. Esses exemplos reforçam que o problema não está apenas na ausência de lei, mas na persistência de práticas transfóbicas que atravessam o Estado e a sociedade.

A Nota Técnica sistematiza avanços jurídicos importantes, como o precedente da retificação post mortem no Rio de Janeiro, e iniciativas legislativas como a “Lei Victoria Jungnet”, no Distrito Federal, que já garantem a inclusão do nome social em documentos de óbito e homenagens públicas. Ainda assim, a falta de uma política nacional gera insegurança, despadronização e revitimização das famílias. Para o advogado e consultor jurídico da ANTRA Júlio Mota de Oliveira, responsável pelo portal Direito ao Nome, “a dignidade póstuma é a última oportunidade que o Estado tem de reparar, ainda que minimamente, uma vida marcada por exclusões. Se o direito ao nome e à identidade não é garantido nem no momento final, estamos diante de uma falha estrutural, não de casos isolados”.

O texto destaca também que o respeito à identidade de gênero após a morte deve ser compreendido como extensão dos direitos fundamentais da personalidade, da dignidade humana, da memória e do luto. Propõe medidas como simplificação dos mecanismos de uso do nome social, padronização nacional dos procedimentos cartorários, possibilidade de retificação direta na certidão de óbito, reconhecimento da legitimidade de entidades sociais para requerer retificação post mortem, gratuidade dos processos, respeito aos ritos fúnebres e mecanismos formais de registro de vontade da pessoa trans ainda em vida. Para a desembargadora federal Inês Virgínia, integrante da Comissão de Equidade de Gênero do TRF3, “garantir a dignidade póstuma é garantir a continuidade da personalidade. A Justiça não pode permitir que a morte seja utilizada como instrumento final de apagamento, porque memória também é um direito”.

Os desafios apontados são amplos: ausência de normativas uniformes, resistência institucional, desconhecimento dos profissionais de segurança e saúde, interpretações restritivas sobre nome social e a persistência da discriminação que atravessa todas as etapas do processo pós-morte. As recomendações incluídas na Nota Técnica tratam justamente de enfrentar essa estrutura, ampliando a formação de agentes públicos, fortalecendo marcos normativos e garantindo condições para que nenhum corpo trans seja submetido ao apagamento pós-morte.

O lançamento no mês da Memória Trans marca não apenas uma agenda simbólica, mas um compromisso público com a história e com o futuro. A Nota Técnica reforça que respeitar a identidade após a morte é reconhecer a humanidade em vida. E que democratizar esse debate dentro do Judiciário, da segurança pública e da saúde é essencial para romper com a lógica do “duplo assassinato” que persegue pessoas trans no país. O documento se apresenta como referência para orientar decisões, políticas públicas e práticas institucionais que afirmem, de forma definitiva, que vidas e memórias trans não podem mais ser apagadas.

Baixe a Nota Técnica sobre Dignidade Póstuma como Direito Fundamental: Garantias para Pessoas Trans e Travestis no Brasil a seguir:

ANTRA participa da Marcha das Mulheres Negras em Brasília

Cultura, Direitos e Política, Eventos
Foto: Carolina Iara e manifestantes na Marsha Trans BR 2025

A segunda Marcha Nacional das Mulheres Negras, marcada para 25 de novembro de 2025 com o tema Reparação e Bem Viver, retoma a força histórica da primeira edição realizada em 2015, que levou cerca de cinquenta mil mulheres a Brasília em um dos maiores atos já realizados pelo enfrentamento ao racismo e à violência de gênero no país. Nesta nova convocação, organizações negras de todo o Brasil se articulam em torno de pautas urgentes como a reparação histórica, a defesa da vida diante do avanço da violência contra mulheres negras, a proteção de direitos sociais atacados nos últimos anos e a afirmação do bem viver como horizonte político. A marcha acontece em um momento de disputas profundas sobre direitos humanos, democracia e políticas públicas, reunindo expectativas de forte mobilização nacional. A ANTRA integra esse movimento mobilizando travestis e mulheres trans negras filiadas e associadas, reconhecendo a marcha como espaço estratégico de acolhimento, resistência e construção coletiva de um projeto antirracista e de justiça social para todo o país.

Participar da Marcha das Mulheres Negras não é apenas estar ao lado de um dos movimentos mais potentes do país na defesa da vida, da dignidade e da liberdade das mulheres negras. É reconhecer esse espaço como ambiente histórico de acolhimento, construção política e sobrevivência para travestis e mulheres trans negras que sempre marcharam, mesmo quando o mundo fingia não vê-las. A Marcha segue sendo território seguro, de congregação e de afirmação de um projeto de país que recusa o genocídio, a exclusão e a violência institucional.

A presença da ANTRA na Marcha das Mulheres Negras em Brasília reafirma um compromisso que o movimento trans e negro tem construído ao longo dos anos. A ANTRA não adota o antirracismo como pauta isolada porque ele é parte fundante da nossa existência. Nossa atuação nasce, se organiza e avança a partir da certeza de que não existe luta trans possível sem enfrentar o racismo estrutural que define as condições de vida das pessoas trans negras no Brasil.

Neste ano, a ANTRA está orientando e incentivando travestis e mulheres trans negras filiadas, associadas e lideranças de todo o Brasil para marcharem em bloco, afirmando a centralidade da pauta racial na luta por direitos trans por reparação e bem viver. Fazemos isso porque nossa história mostra que emancipação trans e justiça racial caminham juntas. Não abrimos mão de afirmar que a vida das pessoas trans negras continua sendo atravessada por múltiplas violências, e que nossa resposta precisa ser igualmente múltipla, coletiva e organizada.

A seguir, apresentamos alguns de nossos compromissos prioritários como instituição antirracista, que orientam a nossa presença na Marcha e estruturam nossa atuação cotidiana:

  1. A maioria da população trans assassinada no Brasil é negra. A ANTRA denuncia sistematicamente que o genocídio trans tem recorte racial evidente. Este dado, produzido pela ANTRA desde 2017, é fruto do trabalho intelectual de uma travesti negra e nordestina que coordena nossos dossiês anuais de violência, Bruna Benevides.
  2. Travestis e mulheres trans negras são as mais vulnerabilizadas socialmente. Dados da ANTRA sobre sistema prisional, acesso à retificação e condições socioeconômicas mostram que o cruzamento entre racismo e transfobia empurra a população trans negra para maior pobreza, marginalização e exclusão institucional.
  3. A transfobia e o racismo operam de forma articulada. Não reconhecemos um cenário em que raça ou gênero atuem isoladamente. A transfobia em sua face mais brutal está profundamente ligada ao racismo, à misoginia e às violências estruturais que moldam a vida das pessoas trans negras.
  4. A base do movimento trans no Brasil é majoritariamente negra. A trajetória da ANTRA foi construída por travestis e mulheres trans negras desde 1993. São elas que deram origem, sustentação e direcionamento político ao movimento.
  5. Compromisso com a produção e visibilidade de lideranças negras trans. A ANTRA forma, fortalece e promove o protagonismo de travestis e mulheres trans negras em todos os espaços institucionais, políticos e sociais, priorizando suas participações em ações de formação e incidência.
  6. Antirracismo como eixo de formulação de políticas públicas. Nossa defesa de políticas em saúde, educação, renda, segurança e direitos passa necessariamente pelo reconhecimento do recorte racial como dimensão fundamental de equidade e reparação.
  7. Denúncia constante do racismo institucional. A ANTRA atua contra práticas racistas nos sistemas de justiça, segurança pública e saúde. Fomos a primeira organização trans a integrar o Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU com atuação em Genebra e Nova Iorque e seguimos denunciando o Estado brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos pelas violências contra a população trans negra. Em novembro de 2025, ANTRA apresentou contribuições ao Fórum Permanente da ONU sobre Afrodescendentes e denuncia o impacto do racismo e da transfobia na vida de pessoas trans negras no Brasil.
  8. Fortalecimento das organizações trans negras nos territórios. A ANTRA articula coletivos e associações lideradas por pessoas trans negras em todo o país e constrói alianças com organizações de mulheres negras e com o movimento negro como um todo.
  9. Produção de dados com recorte racial. Nossos relatórios e levantamentos evidenciam o impacto do racismo na vida da população trans e combatem a invisibilidade estatística que historicamente apaga nossas existências.
  10. Reconhecimento da ancestralidade negra como parte da identidade travesti e trans. A ANTRA afirma que a construção de um futuro digno passa pelo reconhecimento da memória, das raízes e do pertencimento das populações negras trans.

Ao marchar em Brasília, levamos mais que nossas bandeiras e corpos. Levamos nossas histórias, nossas lideranças, nossas dores e nossa potência. Marchamos porque a luta de travestis e mulheres trans negras é, e sempre foi, uma luta do movimento de mulheres negras. Marchamos porque a liberdade de uma só de nós depende da liberdade de todas. Marchamos porque a ancestralidade nos empurra para frente e nos lembra que a resistência é também forma de viver.

A ANTRA marcha por reparação e bem viver. A ANTRA denuncia. A ANTRA existe porque travestis e mulheres trans negras existem, criam caminhos e sustentam as bases da luta. E seguiremos marchando até que o país reconheça, respeite e repare as vidas trans negras que por tanto tempo foram tratadas como descartáveis.

ANTRA concede Título de Presidentas de Honra para Traviarcas Históricas da Instituição

Cultura, Direitos e Política, Justiça

Presidentas de Honra da ANTRA: quando a memória se transforma em futuro e nos lembra que nossos passos vem de longe.

Há gestos que transcendem o tempo. E há reconhecimentos que não se limitam ao ato em si, mas carregam consigo a força de toda uma história coletiva. Assim nasceu, em 2024, a iniciativa inédita da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) de instituir e outorgar o título de Presidenta de Honra, em reverência às travestis e mulheres trans que abriram caminho e tornaram possível o que hoje é a maior rede de pessoas Trans da América Latina.

Mais que uma homenagem, trata-se de um compromisso político com a memória e com o legado das Traviarcas — aquelas que enfrentaram o impossível para garantir que outras pudessem existir com mais dignidade, visibilidade e voz. Ao criar essa honraria a pedido da presidenta Bruna Benevides como seu primeiro ato após ser eleita, a ANTRA afirma que preservar a memória é também resistir, e que cada nome reconhecido é um farol para o presente e um chamado à continuidade da luta.

Entre as primeiras agraciadas estão Claudia Pierre France, Elza Lobão, Fernanda Benvenutty, Janaína Lima, Janaína Dutra, Josy Silva, Monique du Baviera e Raquel Barbosa (in memoriam) — verdadeiras colunas fundadoras do movimento trans brasileiro — e as Presidentas de Honra em vida: Kátia Tapety, Jovanna Baby, Keila Simpson e Indianarae Siqueira, que seguem firmes, com coragem e generosidade, sustentando a travessia de tantas outras.

A entrega da placa que materializa esse reconhecimento tem percorrido os espaços simbólicos e históricos do nosso movimento. Jovanna Baby, uma das fundadoras da ANTRA e figura central na organização do movimento trans no Brasil, recebeu a homenagem durante a 4ª Conferência Nacional LGBTQIA+, realizada em Brasília — um gesto que une o passado à reconstrução de um novo tempo de participação social e democracia.

Indianarae Siqueira, por sua vez, foi agraciada durante a Conferência Estadual LGBTQIA+ do Rio de Janeiro, espaço em que sua trajetória de luta, abrigamento e solidariedade foi celebrada por quem conhece de perto o impacto de sua militância radical e humanizadora.

Keila Simpson, referência incontornável e ex-presidenta da ANTRA, recebeu a homenagem durante as ações da Parada LGBTQIA+ de São Paulo — a maior do mundo, simbolizando que a luta que começou nas margens hoje ocupa as avenidas e o coração do país.

Resta apenas a entrega do título à Kátia Tapety, a primeira travesti eleita vereadora no Brasil, que deverá ser homenageada em janeiro de 2026, durante as celebrações da Semana da Visibilidade Trans, fechando o ciclo das quatro Presidentas de Honra em vida — um gesto que reafirma o elo entre gerações e o respeito pelas pioneiras que ousaram existir quando tudo era interdito.

Para Bruna Benevides, presidenta da ANTRA, instituir e entregar essa honraria em vida é um ato de gratidão e justiça histórica:

É uma honra imensa poder olhar nos olhos dessas mulheres que transformaram o impossível em realidade e dizer: nós reconhecemos vocês. O que somos hoje é fruto do que vocês foram, e do que continuam sendo. Este gesto é uma semente plantada no solo da nossa memória coletiva, para que jamais deixemos de lembrar quem abriu o caminho.

A homenagem se soma a outras ações da ANTRA voltadas à preservação da memória e valorização da população trans e travesti mais velha, como a Traviarcas: Pesquisa Nacional sobre Envelhecimento Trans, atualmente em curso e o pedido de Anistia Coletiva para as Travestis presas em operações policiais na Comissão Nacional de Anistia. Reconhecer as Traviarcas, suas lutas e legado é, portanto, reafirmar o compromisso com um movimento que não esquece suas origens — um movimento que sabe que o futuro se constrói com as mãos e as histórias de quem veio antes.

Em tempos em que o apagamento tenta silenciar nossas narrativas, celebrar essas trajetórias é um ato de amor, coragem e desobediência. Porque sem elas, não estaríamos aqui. Porque viva as Trancestrais, vivas as Presidentas de Honra, viva a luta que continua!

Conferência Nacional LGBTQIA+ reconhece ANTRA por ação pioneira em defesa do Pajubá como patrimônio cultural

Cultura, Direitos e Política

Durante a 4ª Conferência Nacional dos Direitos da População LGBTQIA+, realizada em Brasília, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) recebeu uma Moção de Aplausos e Reconhecimento pela iniciativa inédita de apresentar ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) a proposta de reconhecimento do Pajubá/Bajubá como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.

A moção destaca o caráter histórico e pioneiro da ação, que reafirma o compromisso da ANTRA com a defesa da memória, da cultura e da identidade travesti e transexual. Ao propor o reconhecimento do Pajubá — uma lingua criada nos contextos de marginalização, resistência e afeto da população travesti — a entidade busca garantir que esse legado seja preservado, valorizado e institucionalmente reconhecido como parte integrante da cultura brasileira.

Em declaração, a presidenta da ANTRA, Bruna Benevides, destacou o simbolismo da conquista:

“O Pajubá é mais do que uma lingua: é um abrigo construído pela criatividade e pela dor, onde nossas vozes encontraram forma para existir. Ao levá-lo ao Legislativo e ao IPHAN, a ANTRA cumpre um papel político e histórico frente a sociedade brasileira — o de afirmar que também somos parte da narrativa cultural do Brasil e que nossa memória merece ser preservada com dignidade.”

A moção, além de adesão massiva pelas delegações, foi aprovada pela plenária da Conferência com 97% dos votos e representa um marco de reconhecimento do papel das travestis e transexuais na construção da identidade nacional, inserindo o debate sobre patrimônio cultural no campo das políticas públicas de diversidade.

Para Keila Simpson, presidenta de honra da ANTRA, o gesto tem dimensão reparadora:

“Ver o Pajubá reconhecido como patrimônio é ver o Estado olhar com respeito para a genialidade de um povo que transformou exclusão em expressão. Essa moção vinda da conferência nacional em sua retomada é um gesto de reparação, mas também de amor — amor pela nossa história, pela ANTRA, pela nossa cultura e pela potência que carregamos.”

A proposta encaminhada ao IPHAN pela ANTRA é considerada uma ação pioneira no movimento LGBTQIA+ brasileiro, ao inscrever a linguagem travesti e suas origens afro-diaspóricas no mapa das políticas culturais. O gesto reforça a centralidade da ANTRA como protagonista na construção de políticas de memória e valorização cultural que reconhecem a importância das narrativas trans e travestis na formação da sociedade brasileira.

Com o reconhecimento da Conferência Nacional, a ANTRA consolida mais um passo em sua trajetória de resistência e afirmação, transformando o Pajubá — antes alvo de preconceito e estigma — em símbolo de identidade, criatividade e liberdade.

Abaixo a moção aprovada:

Moção de Aplausos e Reconhecimento à ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais

A 4ª Conferência Nacional dos Direitos da População LGBTQIA+ manifesta seu reconhecimento e aplauso à ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais, pela iniciativa histórica e pioneira de mobilizar esforços para apresentar ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) a proposta de reconhecimento do Pajubá/Bajubá como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Esse ato reafirma o papel fundamental da ANTRA na defesa da memória, da cultura e da identidade travesti e transexual, ao projetar no campo das políticas públicas o protagonismo de quem tem resistido ao apagamento e à marginalização.

O reconhecimento do Pajubá como patrimônio é mais do que um gesto simbólico: é a celebração da potência criativa e política das travestis que transformaram a língua em território de resistência. Ao apresentar essa proposta, a ANTRA inscreve no coração da institucionalidade brasileira um marco de reparação histórica e afirmação cultural, rompendo o ciclo de invisibilidade e apropriação que tantas vezes tenta silenciar nossas vozes. Esta Conferência, portanto, aplaude a ANTRA por seu compromisso inabalável com a dignidade, a memória e a liberdade de nosso povo LGBTQIA+, honrando sua trajetória como uma das mais importantes entidades do movimento social brasileiro.

Proposta feita por Camille Nascimento, Fórum TT da Bahia

ANTRA protocola pedido histórico para reconhecimento do Pajubá como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil

Cultura, Direitos e Política, Justiça

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) protocolou, no dia 20 de outubro de 2025, o Ofício solicitando à deputada federal Erika Hilton a apresentação de um projeto de lei que reconheça o Pajubá — ou Bajubá — como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, conforme os parâmetros técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A iniciativa inédita no país propõe que essa linguagem ancestral e insurgente, criada e difundida por travestis e mulheres trans, seja formalmente reconhecida como parte do patrimônio cultural do país, com ações de salvaguarda, documentação, ensino e fomento cultural.

O pedido é um marco no reconhecimento da memória e da produção simbólica das travestis brasileiras, que historicamente criaram formas próprias de comunicação como estratégia de sobrevivência e de afirmação identitária em contextos de exclusão, perseguição e violência. O documento encaminhado pela ANTRA reforça que o Pajubá/Bajubá é mais do que uma linguagem — é uma “tecnologia transcestral”, um legado linguístico que atravessa gerações e conecta saberes, afetos e resistências.

De origem afro-brasileira desde o século XX, o Pajubá é um socioleto — isto é, uma variação linguística criada e utilizada por um grupo social específico — formado a partir da incorporação de palavras de origem iorubá e nagô, combinadas a expressões populares e gírias urbanas. Sua difusão se intensificou a partir das décadas de 1970 e 1980, especialmente nos circuitos travestis e nos espaços culturais e noturnos das grandes cidades brasileiras, consolidando-se como um símbolo de identidade coletiva e que foi posteriormente incorporado como elemento importante de comunicação afetiva dentro da comunidade LGBTQIA+.

O ofício destaca que o reconhecimento oficial do Pajubá como Patrimônio Imaterial não é apenas um gesto de valorização cultural, mas uma medida de reparação simbólica e justiça social, uma vez que fortalece políticas públicas voltadas à memória e à preservação das expressões culturais marginalizadas. A proposta prevê ações de salvaguarda em parceria com o IPHAN e o Ministério da Cultura, incluindo a produção de acervos orais, dicionários comunitários, materiais educativos e projetos de formação sobre a importância do Pajubá para a cultura brasileira.

Entre as referências apresentadas pela ANTRA no pedido, ganha destaque a obra “Diálogo de Bonecas”, escrita por Jovanna Baby e publicada em 1995 pelo ISER/PIM, considerada a primeira publicação impressa em Pajubá/Bajubá. A obra é um marco literário e político por registrar e celebrar o modo de falar das travestis brasileiras, numa época em que o país ainda negava visibilidade a essas identidades. Segundo pesquisas acadêmicas recentes, Diálogo de Bonecas é também um testemunho da oralidade travesti e de como essa linguagem atuou como escudo de proteção em tempos de censura e repressão.

O documento da ANTRA cita ainda trabalhos de pesquisadoras como Amara Moira, que descreve o Pajubá como um “território linguístico de invenção e insurgência”, e estudos como Pajubá: Justiça Estética e Patrimônio Imaterial (UDESC), que defendem a sua inscrição como manifestação cultural a ser preservada pelo Estado.

Em nota, a presidenta da ANTRA, Bruna Benevides, destacou o caráter histórico da iniciativa:

“Este pedido é um gesto de reparação simbólica e de justiça cultural. O Pajubá é uma herança viva das travestis brasileiras, um idioma da resistência e do afeto. Reconhecê-lo como patrimônio cultural imaterial é afirmar que nossas histórias, nossas vozes e nossos saberes têm lugar na memória oficial do país.”

A ANTRA reafirma seu compromisso com a valorização da memória travesti e com o fortalecimento das políticas de justiça cultural, e anuncia que dará continuidade à interlocução com o IPHAN e o Ministério da Cultura para garantir que o processo de inventariação e registro do Pajubá seja conduzido com protagonismo e participação direta das comunidades travestis e trans.

A proposta busca ainda proteger o uso do Pajubá de apropriações indevidas ou pejorativas, assegurando que sua difusão se mantenha ligada aos princípios de respeito, pertencimento e valorização da diversidade cultural. O reconhecimento do Pajubá como patrimônio imaterial, destaca o ofício, é também um passo essencial para garantir políticas de educação patrimonial, incentivo à pesquisa e fortalecimento da autoestima de pessoas trans e travestis em todo o país.

Com este movimento, a ANTRA consolida-se como referência na defesa da cultura, da memória e da dignidade travesti e trans no Brasil, e reafirma que o legado linguístico das travestis brasileiras — tão vivo nas ruas, nos palcos, nas escolas de samba e nas redes de afeto — merece estar também registrado entre os bens culturais mais valiosos do país.


📚 Referências Principais

  • BABY, Jovanna. Diálogo de Bonecas. Rio de Janeiro: ISER/PIM, 1995.
  • MOIRA, Amara. “A Neca de Amara Moira: uma voz pajubeyra”. Periódico Folio, UESB.
  • “Pajubá: Justiça Estética e Patrimônio Imaterial”. Revista Urdimento, UDESC.
  • IPHAN. Patrimônio Cultural Imaterial. Disponível em: gov.br/iphan.

Carta aberta da ANTRA aos artistas, produtores de arte e cultura, e influencer LGBTI+, e aliados.

Cultura, Direitos e Política

Carta aberta da Associação Nacional de travestis e transexuais (ANTRA) aos artistas, produtores de cultura e influencer LGBTI+, e aliados.

Desde o início da Pandemia temos acompanhado com muita preocupação a situação da população LGBTI+ que se encontra em extrema vulnerabilidade. Em sua maioria são pessoas negras, vivendo com HIV, idosas, moradoras de periferias e territórios de favelas, pessoas em privação de liberdade, profissionais do sexo travestis e transexuais que não conseguem trabalhar neste momento, e todas aquelas que se encontram subalternizadas ou em subempregos na hierarquia capitalista. Temos ainda aquelas que vivem de empregos precarizados e tem sua força de trabalho sendo explorada até o último esforço e com alto risco de serem demitidas.

Uma situação que já era conhecida por todas nós, de pessoas expulsas de casas ou vivendo em situação de rua, que desde o início das ações de enfrentamento ao COVID-19 passam a sofrer um processo de recrudescimento da precarização de suas existências. E que provavelmente a maioria dessas pessoas não terá acesso às ações emergenciais de apoio propostas pelos governos. E por viverem em situação de vulnerabilidade muitas não tem sequer documentação e vivem isoladas socialmente mesmo antes da crise provocada pelo coronavírus.

Neste momento vemos escancaradas velhas mazelas, já conhecidas, e estamos enfrentando novos desafios para ajudar estas pessoas. Vivemos num país LGBTIfobico, onde não temos uma cultura de coletividade ou de ajuda à ações iniciativas em prol dessas pessoas. Brasileiros tem muita dificuldade em doar e contribuir para ajudar aquelas pessoas que não tem nenhum tipo de apoio. Especialmente quando falamos em populações vulneráveis.

Fazemos um apelo e convocamos artistas de renome LGBTI+, com grande alcance na mídia e quantidade gigantesca de seguidores, além de influencers, portais de cultura queer e demais aliados de nossa causa, para que olhem para nossa luta, e conheçam as iniciativas que estão hoje sendo responsáveis por garantir alimento e alguma dignidade para estas pessoas. Não soltem nossas mãos.

Neste momento, a maior lição que a pandemia nos ensina é sobre a importância de olharmos para as pessoas que estão a nossa volta e que fazem parte do nosso grupo social. São diversas campanhas de arrecadação de alimentos, muitas Iniciativas que precisam de dinheiro para pagar suas próprias estruturas e casas de acolhimento que em sua maioria são de iniciativa popular padecem do nosso olhar atento e afetuoso. E não estamos apenas falando de ajuda financeira, mas de demonstrar que elas não estão sozinhas e reconhecer que neste momento todas precisamos estar juntas.

Neste sentido, a ANTRA pede para que aquelas pessoas que mantém suas carreiras apoiadas, incentivadas e consumidas em larga escala pela população LGBTI+, que se juntem a nossa luta para que juntes possamos vencer e transformar a realidade de milhares de travestis e mulheres Transexuais, assim como outras LGBTI+, que neste exato momento não tem sequer o que comer. E para facilitar as pessoas que gostariam de ajudar fizemos uma lista em nossas redes sociais com as principais iniciativas em prol das LGBTI+ pelo Brasil.

Quantas pessoas trans você ajudou hoje? Precisamos de vocês!

Brasil, 04 de abril de 2020.

Keila Simpson
Presidenta da ANTRA

Bruna Benevides
Sec. de Articulação Politica da ANTRA

Carta Antra

Vídeo ”Meu Primeiro Sutiã” da ANTRA vai a CANNES

Cultura, Eventos

Cannes

 

Baseado no clássico comercial dos anos 80, o filme chama atenção para o acolhimento a pessoas trans no seio familiar, um dos primeiros espaços de transfobia enfrentado

A Madre Mia Filmes produziu um filme para a ANTRA, Inspirado na clássica propaganda “Meu Primeiro Sutiã”, de 1987, de Washington Olivetto, cuja protagonista é uma mulher trans. O filme, baseado em uma história real, conta o caso de uma criança trans, que aos 10 anos conseguiu mudar o seu registro e ser legalmente chamada de Ludmila Galvan. Aos 12, ganhou seu primeiro sutiã.

A mãe Daniela Galvan aparece ao fim dando um depoimento: “Sempre foi uma menina por dentro. Uma menina, mas por fora um menino. Mas ela é uma mulher (…). Seja o que quiserem ser e sejam livres. Não se escondam. Se gosta de ser algo, seja”, declara.

Fizemos a inscrição do filme em diversas categorias do Festival de Cannes. Porque objetivo com esse trabalho é abrir os olhos daqueles que não conseguem enxergar os desafios, preconceito, sofrimento, superação que são cotidianos na vida das pessoas trans e o Festival dá uma projeção mundial, temos a chance de amplificar numa escala planetária a importância que a causa merece.

A expectativa é muito grande. O filme, pela causa que aborda, tem muita chance de ser premiado e foi elaborado conduzido com sensibilidade, para emocionar, para promover um espaço de entendimento e debate sobre as diferenças que são inerentes ao ser humano.

A IDEIA

O filme foi feito para a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e dirigido poe Rafael Damy. ”Nós fomos procurados pela ANTRA para utilizar a publicidade de uma forma que trouxesse a empatia do público para a causa porque existe uma onda de violência muito grande contra pessoas transexuais. Então, tivemos um insight, nada melhor do que nos inspirarmos em um case publicitário conhecido mundialmente como é o caso de “O primeiro sutiã a gente nunca esquece”, porque é filme premiado internacionalmente, muito renomado no Brasil e simplesmente substituirmos a protagonista. Conversamos com o Washington Oliveto em Londres, contamos nossa ideia de fazer uma homenagem ao filme original dele, que inclusive, ganhou Prêmio de Melhor Film em Cannes, substituindo a protagonista por uma adolescente trans. Ele adorou a ideia e sugeriu procurarmos atores argentinos pela força de atuação que tem. Fomos além, encontramos na pesquisa o caso real da Ludmila, uma adolescente trans que é a nossa protagonista. O pai dela no filme é um ator. A receptividade do filme tem sido muito grande, publicações saíram em importantes sites de publicidade nacionais e internacionais, assim como de assuntos gerais da sociedade. Estamos muito felizes porque nossa mensagem de combate ao preconceito está chegando em milhares de pessoas no Brasil e exterior. Com o filme espero contribuir um pouco para acabar com o preconceito e esse já terá sido seu maior legado.”

Ja assistiu?

Acesse: Meu Primeiro Sutiã – ANTRA

 

 

ACONTECE NESSE DOMINGO A 5ª PARADA LIVRE DE GUAÍBA

Cultura, Direitos e Política

Com o tema Identidade de Gênero Sim! Meu corpo minha Liberdade, acontece nesse domingo 25 de março de 2018 das 14:00 as 22:00 horas em frente à estação hidroviária no centro da cidade a 5ª parada livre de Guaíba.

Nessa quinta edição a parada faz alusão a identidade de gênero como tema central para chamar atenção da sociedade guaibense e do Rio Grande do Sul ao respeito para com as pessoas travestis e transexuais.

PARADA GUAIBA 2018

”Nossas lutas são por uma sociedade melhor e inclusiva. Temos direito a falar de nossas identidades de gênero temos direito a uma educação sem preconceito, ao respeito aos nossos corpos porquê exercemos nossos direitos com respeito.”

Identidade de gênero sim!

A Parada é um momento de reivindicação e diversão, pois pode-se reivindicar de forma alegre celebrando o respeito que devemos ter por todos. A organização da parada espera que os munícipes possam compreender que a população Trans também é parte dessa cidade.

A Igualdade Guaíba instituição que realiza a parada vem desenvolvendo ao longo dos anos diversos trabalhos nessa comunidade, e espera contar com a participação de todos, pois a parada é uma celebração ao respeito e amor ao próximo. E não conta com nenhum apoio na esfera institucional. 

PARADA DE GUAIBA 2018 2

As atrações:

Convidada especial: DJ Leticia Satoretto

Apresentadores: Carol Rogê, Valma Classic, Xande Matos, Viviane Bolss Magonólia Summer, Douglas Rogê

Maiores Informações: https://www.facebook.com/profile.php?id=100015280245925