ANTRA participa de Seminário Internacional pelos direitos LGBTQIA+

Direitos e Política, Justiça

Nos dias 20 e 21 de outubro, o Instituto Rio Branco, em Brasília, se torna o epicentro de um debate histórico sobre os rumos das políticas públicas voltadas à população LGBTQIA+ em escala global. O evento “Diálogos Internacionais LGBTQIA+: Garantia de Direitos em Âmbito Global” reunindo representantes de governos, organismos multilaterais e lideranças da sociedade civil em um espaço de articulação política e diplomática fundamental diante do avanço das agendas antigênero e antidereitos que ameaçam conquistas históricas em diversas partes do mundo.

O seminário reafirma o papel do Brasil como articulador regional na promoção da igualdade e da dignidade humana, ao mesmo tempo em que destaca a urgência de fortalecer mecanismos de proteção e cooperação internacional. A presença de nomes como Macaé Evaristo, ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Symmy Larrat, secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, e Collette Spinetti Núñez, primeira mulher trans a ocupar um cargo no governo do Uruguai e atual secretária de Direitos Humanos da Presidência da República, conferiu ao evento um caráter histórico e simbólico. Spinetti, que também preside o Comitê Mundial Trans da ILGA Mundo, representa um marco de avanço institucional na América Latina, inspirando a consolidação de políticas transnacionais de igualdade e reconhecimento.

Entre os temas centrais, destacaram-se as discussões sobre o enfrentamento das agendas antigênero, a cooperação internacional e a construção de políticas públicas no contexto Sul-Sul. O primeiro dia foi marcado por painéis que analisaram o cenário político e jurídico global e apresentaram boas práticas implementadas por diferentes países para a garantia dos direitos LGBTQIA+. O debate contou com a contribuição de especialistas como Sonia Corrêa, do Observatório de Sexualidade e Política, e Keila Simpson, coordenadora do CPDD LGBT na Bahia, que trouxeram uma perspectiva crítica sobre os retrocessos e as resistências atuais.

Outro ponto alto foi o painel “Diálogos Globais: Cooperação Multilateral e Direitos LGBTQIA+”, que reuniu representantes do PNUD, ACNUR, UNAIDS e Banco Mundial, além de delegações de países latino-americanos e europeus. O encontro abordou o papel dos organismos internacionais na construção de políticas de equidade e combate à violência, destacando a importância de vincular ações locais às agendas globais de direitos humanos.

No segundo dia, o painel Brasil-União Europeia abre espaço para um rico intercâmbio de experiências em políticas públicas LGBTQIA+, reforçando o compromisso com a construção de marcos regulatórios sólidos, programas de inclusão e estratégias de combate à discriminação. Encerrando o evento, o painel “Diálogos Projeção Futuro” aponta caminhos para o fortalecimento das políticas e da governança global em direitos humanos.

A ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais teve uma participação estratégica nesse momento de reconstrução e reafirmação democrática. Sua presidenta, Bruna Benevides, participa da mesa de encerramento, levando a voz das travestis e transexuais do Brasil para o centro do diálogo internacional. Ressaltando que este é um tempo de vigilância e resistência, mas também de alianças e esperança. “Estamos vivendo um cenário global de rearticulação das forças conservadoras, e é fundamental que o Brasil reafirme sua posição ao lado dos direitos humanos, da democracia e da vida”, afirma.

A presença da ANTRA, ao lado do IBRAT, da ABGLT e outras entidades da sociedade civil no evento simboliza mais do que representatividade: traduz o compromisso histórico do movimento trans e LGBTQIA+ brasileiro com a construção de políticas públicas inclusivas, baseadas na dignidade, na equidade e na justiça social. Em meio aos desafios impostos pelas ofensivas antigênero, o diálogo internacional se torna um instrumento vital para a defesa da cidadania e para a consolidação de uma agenda global comprometida com a diversidade e com o direito de existir plenamente.

Os Diálogos Internacionais LGBTQIA+ mostram que resistir é também construir pontes. Em um mundo onde a intolerância tenta se organizar em escala planetária, fortalecer alianças e promover cooperação é um ato de coragem. E é exatamente esse o tom do encontro: reafirmar que a luta por direitos não conhece fronteiras, e que cada voz que se ergue em defesa da vida LGBTQIA+ ecoa por todos os continentes.

ANTRA protocola pedido histórico para reconhecimento do Pajubá como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil

Cultura, Direitos e Política, Justiça

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) protocolou, no dia 20 de outubro de 2025, o Ofício solicitando à deputada federal Erika Hilton a apresentação de um projeto de lei que reconheça o Pajubá — ou Bajubá — como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, conforme os parâmetros técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A iniciativa inédita no país propõe que essa linguagem ancestral e insurgente, criada e difundida por travestis e mulheres trans, seja formalmente reconhecida como parte do patrimônio cultural do país, com ações de salvaguarda, documentação, ensino e fomento cultural.

O pedido é um marco no reconhecimento da memória e da produção simbólica das travestis brasileiras, que historicamente criaram formas próprias de comunicação como estratégia de sobrevivência e de afirmação identitária em contextos de exclusão, perseguição e violência. O documento encaminhado pela ANTRA reforça que o Pajubá/Bajubá é mais do que uma linguagem — é uma “tecnologia transcestral”, um legado linguístico que atravessa gerações e conecta saberes, afetos e resistências.

De origem afro-brasileira desde o século XX, o Pajubá é um socioleto — isto é, uma variação linguística criada e utilizada por um grupo social específico — formado a partir da incorporação de palavras de origem iorubá e nagô, combinadas a expressões populares e gírias urbanas. Sua difusão se intensificou a partir das décadas de 1970 e 1980, especialmente nos circuitos travestis e nos espaços culturais e noturnos das grandes cidades brasileiras, consolidando-se como um símbolo de identidade coletiva e que foi posteriormente incorporado como elemento importante de comunicação afetiva dentro da comunidade LGBTQIA+.

O ofício destaca que o reconhecimento oficial do Pajubá como Patrimônio Imaterial não é apenas um gesto de valorização cultural, mas uma medida de reparação simbólica e justiça social, uma vez que fortalece políticas públicas voltadas à memória e à preservação das expressões culturais marginalizadas. A proposta prevê ações de salvaguarda em parceria com o IPHAN e o Ministério da Cultura, incluindo a produção de acervos orais, dicionários comunitários, materiais educativos e projetos de formação sobre a importância do Pajubá para a cultura brasileira.

Entre as referências apresentadas pela ANTRA no pedido, ganha destaque a obra “Diálogo de Bonecas”, escrita por Jovanna Baby e publicada em 1995 pelo ISER/PIM, considerada a primeira publicação impressa em Pajubá/Bajubá. A obra é um marco literário e político por registrar e celebrar o modo de falar das travestis brasileiras, numa época em que o país ainda negava visibilidade a essas identidades. Segundo pesquisas acadêmicas recentes, Diálogo de Bonecas é também um testemunho da oralidade travesti e de como essa linguagem atuou como escudo de proteção em tempos de censura e repressão.

O documento da ANTRA cita ainda trabalhos de pesquisadoras como Amara Moira, que descreve o Pajubá como um “território linguístico de invenção e insurgência”, e estudos como Pajubá: Justiça Estética e Patrimônio Imaterial (UDESC), que defendem a sua inscrição como manifestação cultural a ser preservada pelo Estado.

Em nota, a presidenta da ANTRA, Bruna Benevides, destacou o caráter histórico da iniciativa:

“Este pedido é um gesto de reparação simbólica e de justiça cultural. O Pajubá é uma herança viva das travestis brasileiras, um idioma da resistência e do afeto. Reconhecê-lo como patrimônio cultural imaterial é afirmar que nossas histórias, nossas vozes e nossos saberes têm lugar na memória oficial do país.”

A ANTRA reafirma seu compromisso com a valorização da memória travesti e com o fortalecimento das políticas de justiça cultural, e anuncia que dará continuidade à interlocução com o IPHAN e o Ministério da Cultura para garantir que o processo de inventariação e registro do Pajubá seja conduzido com protagonismo e participação direta das comunidades travestis e trans.

A proposta busca ainda proteger o uso do Pajubá de apropriações indevidas ou pejorativas, assegurando que sua difusão se mantenha ligada aos princípios de respeito, pertencimento e valorização da diversidade cultural. O reconhecimento do Pajubá como patrimônio imaterial, destaca o ofício, é também um passo essencial para garantir políticas de educação patrimonial, incentivo à pesquisa e fortalecimento da autoestima de pessoas trans e travestis em todo o país.

Com este movimento, a ANTRA consolida-se como referência na defesa da cultura, da memória e da dignidade travesti e trans no Brasil, e reafirma que o legado linguístico das travestis brasileiras — tão vivo nas ruas, nos palcos, nas escolas de samba e nas redes de afeto — merece estar também registrado entre os bens culturais mais valiosos do país.


📚 Referências Principais

  • BABY, Jovanna. Diálogo de Bonecas. Rio de Janeiro: ISER/PIM, 1995.
  • MOIRA, Amara. “A Neca de Amara Moira: uma voz pajubeyra”. Periódico Folio, UESB.
  • “Pajubá: Justiça Estética e Patrimônio Imaterial”. Revista Urdimento, UDESC.
  • IPHAN. Patrimônio Cultural Imaterial. Disponível em: gov.br/iphan.

ANTRA solicita ao Ministério da Defesa dispensa do alistamento militar obrigatório para mulheres trans e travestis

Direitos e Política, Justiça

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) protocolou, Ofício junto ao Ministério da Defesa, solicitando providências urgentes para corrigir distorções e constrangimentos que vêm afetando mulheres trans e travestis no processo de alistamento militar obrigatório. O documento denuncia uma prática incompatível com os direitos constitucionais e a dignidade humana, uma vez que obriga mulheres trans a se submeterem a procedimentos destinados exclusivamente a pessoas do gênero masculino — realidade que fere diretamente o reconhecimento da identidade de gênero garantido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Na prática, o atual sistema de alistamento militar exige que mulheres trans obtenham o Certificado de Dispensa de Incorporação (CDI) para conseguirem retificar seu registro civil, incluindo nome e gênero. Esse processo as força a comparecer pessoalmente a Juntas do Serviço Militar — ambientes frequentemente hostis e constrangedores — apenas para cumprir uma formalidade burocrática que não deveria sequer lhes ser aplicada em claro descompasso com o direito a autodeterminação de gênero que lhes é assegurado. Em muitos casos, quando o pedido é feito após os 18 anos, ainda são impostas multas por suposto “atraso no alistamento”, penalizando ilegalmente essas mulheres por uma obrigação da qual, constitucionalmente, estão dispensadas.

A ANTRA argumenta que essa exigência não apenas viola o princípio da igualdade, mas perpetua situações de discriminação institucional, nas quais o Estado impõe barreiras para o exercício pleno da cidadania. Diante disso, a entidade propôs ao Ministério da Defesa a criação de um procedimento administrativo específico e acessível, que reconheça o direito dessas mulheres à autodeterminação de gênero sem constrangimentos nem exigências indevidas.

Entre os pedidos apresentados pela ANTRA, destacam-se:

  1. A retirada da obrigatoriedade de alistamento militar para mulheres trans e travestis que vivem pública e abertamente sua identidade de gênero feminina;
  2. A explicitação formal de que essas mulheres estão dispensadas de qualquer comprovação de quitação militar;
  3. A remissão das multas aplicadas indevidamente, quando decorrentes de registros civis anteriores incompatíveis com a identidade de gênero;
  4. A uniformização de protocolos de atendimento em Juntas Militares e cartórios, assegurando tratamento respeitoso e em conformidade com o direito à identidade de gênero;
  5. A criação de um canal eletrônico no site de alistamento militar, que permita solicitar a dispensa mediante autodeclaração e envio de documentos que atestem a identidade de gênero, com emissão de um documento oficial substitutivo ao CDI.

A medida proposta pela ANTRA busca garantir segurança jurídica, acessibilidade e eficiência administrativa, além de reforçar o compromisso do Estado com a dignidade humana e com os direitos fundamentais das pessoas trans. No caso, como o alistamento não é obrigatório para mulheres, ele não pode ser exigido as mulheres trans sob nenhuma hipótese, devendo esta se alistar exclusivamente de forma voluntária, por desejo expresso da própria.

“Não se trata apenas de ajustar um procedimento burocrático, mas de corrigir uma distorção histórica que tem submetido mulheres trans a situações de constrangimento, tratamento diferenciado em relação as demais mulheres, discriminação e exclusão institucional”, afirmou Bruna Benevides, presidenta da ANTRA.

O ofício também destaca a viabilidade técnica e jurídica da proposta, amparada nas decisões do STF e nas resoluções do CNJ que asseguram o reconhecimento da identidade de gênero como direito fundamental. A criação de um mecanismo online, por exemplo, eliminaria violências institucionais, deslocamentos desnecessários, reduziria bucrocracias e custos, e ampliaria o acesso a um procedimento digno, sem ferir qualquer princípio administrativo ou militar.

Paralelamente ao envio do documento ao Ministério da Defesa, a ANTRA acionou o mandato da deputada federal Duda Salabert (PDT/MG), solicitando sua intermediação política e parlamentar sobre o tema. A deputada já manifestou apoio à pauta e se comprometeu a buscar diálogo com o Executivo e o Legislativo para garantir uma resposta efetiva. Essa articulação é vista pela entidade como um passo estratégico para que a questão seja enfrentada com responsabilidade institucional e sensibilidade social.

Com essa ação, a ANTRA reafirma seu papel histórico de vigilância e incidência política em defesa dos direitos das pessoas trans no Brasil. A entidade reitera que a garantia da cidadania plena exige o fim de procedimentos que tratam de maneira diferente, criminalizam identidades ou burocratizam existências, e convida as autoridades a assumirem o compromisso de adequar as políticas públicas aos princípios de equidade e respeito à diversidade.

“O Estado não pode seguir tratando a identidade de gênero como um problema a ser administrado, mas como um direito a ser respeitado. Nossa luta é por dignidade, e dignidade não se adia”, conclui a ANTRA.


ABGLT e ANTRA reforçam denúncia sobre avanço da agenda antigênero e cobram atenção internacional à defesa de mulheres trans na CSW70

Direitos e Política, Justiça

A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) apoiada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) apresentaram à 70ª Sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW70), das Nações Unidas, um documento contundente em defesa dos direitos humanos de travestis e mulheres trans no Brasil e na América Latina. Conforme as diretrizes da ONU Mulheres, organizações não governamentais com status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da ONU podem submeter declarações escritas.

O texto reafirma o compromisso das organizações com a Agenda 2030 e com a plena implementação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), alertando para o avanço global das políticas antigênero que ameaçam conquistas históricas no campo dos direitos das mulheres e da população LGBTQIA+.

O documento enviado aponta que travestis e mulheres trans seguem sendo alvo de violência estrutural e sistêmica, com negação de acesso à educação, saúde, trabalho e moradia, além de exposição extrema à violência física e simbólica. O Brasil, novamente, aparece como o país que mais mata pessoas trans no mundo — um reflexo direto da omissão do Estado e da persistência de estruturas patriarcais, racistas e cisnormativas que impedem a participação dessas mulheres em espaços de poder e decisão.

As entidades denunciam também a manipulação de discursos de “proteção às mulheres” para legitimar iniciativas legislativas e políticas que, na prática, promovem exclusão e institucionalizam a transfobia. Tais movimentos, segundo o texto, “ameaçam diretamente os princípios de igualdade e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, em especial os ODS 5 (Igualdade de Gênero), 10 (Redução das Desigualdades) e 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes).

Recomendações estratégicas

Entre as recomendações apresentadas no documento à comunidade internacional e aos Estados-membros da ONU, destacam-se:

  • Implementar políticas efetivas de combate à violência contra mulheres trans, com dados desagregados por identidade de gênero;
  • Garantir acesso universal à saúde integral e específica para pessoas trans, com reconhecimento de gênero sem barreiras patologizantes;
  • Promover a participação política e institucional de travestis e mulheres trans em espaços de decisão;
  • Condenar e prevenir iniciativas antigênero que buscam institucionalizar a exclusão e a discriminação sob o pretexto de “proteger mulheres e crianças”;
  • Reafirmar a perspectiva de gênero como eixo estruturante das políticas para mulheres, assegurando a proteção explícita da identidade de gênero no âmbito da CSW e de outros mecanismos internacionais.

A ABGLT e a ANTRA reforçam, ainda, a importância da participação direta de mulheres trans na formulação, acompanhamento e avaliação das políticas globais de igualdade de gênero, e pedem que os mecanismos internacionais de direitos humanos estejam atentos à rápida disseminação da agenda antigênero no Brasil e em outros países.

“A defesa das mulheres trans é parte inseparável da luta global das mulheres. Não há feminismo possível se a exclusão de mulheres trans for admitida. Defender nossas vidas é defender o próprio sentido da igualdade e da justiça de gênero”, afirma Bruna Benevides, presidenta da ANTRA.

O envio do documento às Nações Unidas marca um passo decisivo na reafirmação de que a igualdade de gênero deve incluir todas as mulheres, sem retrocessos e sem concessões à retórica discriminatória da agenda antigênero.

Para Victor de Wolf, presidente da ABGLT, “como a maior entidade LGBTQIA+ do país, reafirmamos nosso compromisso histórico com a luta trans e com a defesa inegociável dos direitos humanos. Nenhuma política de igualdade será completa enquanto travestis e mulheres trans continuarem à margem.”

O envio conjunto da ABGLT e da ANTRA reforça o compromisso das organizações brasileiras com a promoção dos direitos humanos e da igualdade de gênero, alinhando-se aos esforços globais para garantir a participação ativa e representativa de pessoas LGBTQIA+ nas discussões internacionais sobre políticas públicas e direitos humanos.

Nota Pública da ANTRA sobre a participação de mulheres trans e travestis na Conferência Nacional de Mulheres

Direitos e Política, Justiça, Notas e Ofícios

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA – vem a público se posicionar sobre episódios ocorridos durante a 5ª Conferência Nacional de Mulheres, realizada em Brasília, entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro de 2025.

O primeiro deles, é que nossa presença na abertura da conferência, com visibilidade e direito a fala, além de um dos momentos mais comentados da conferência, foi fruto de decisão coletiva do CNDM, espaço de participação social que organizou a conferência junto ao Ministério das Mulheres e nos deu a missão – que assumimos com muita honra – de representar vozes diversas.

As entidades trans que atualmente integram o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres foram democraticamente eleitas, figurando entre as mais votadas. Sendo titulares a ANTRA e o FONATRANS, além do INAMUR como suplente.

A ANTRA, primeira organização trans a ocupar este colegiado, conquistou sua cadeira pelo voto direto das participantes da sociedade civil em processo eleitoral, tendo cumprido todos os requisitos exigidos, assegurando legitimidade e reconhecimento de sua relevância histórica na luta pelos direitos das mulheres trans e travestis junto aos feminismos no Brasil.

É necessário reforçar que todas as representantes trans e travestis presentes na Conferência foram eleitas em suas respectivas etapas municipais e estaduais, chegando à plenária nacional com pleno respaldo das próprias delegações de mulheres. Sua presença, portanto, não apenas reflete a legalidade do processo conferencial, como também reafirma a importância política e social de suas trajetórias para o fortalecimento da luta das mulheres no país.

Lamentamos que pessoas ligadas a grupos transexcudentes, mesmo presentes na conferência, se digam boicotadas ou impedidas de participar, e estejam tentado distorcer os acontecimentos para produzir narrativas de vitimização e fomentar hostilidade contra mulheres trans e travestis, incitando ódio, publicando mentiras e manipulando a realidade dos fatos para promover agitação nas redes sociais.

Esses ataques, tanto às pessoas trans quando ao CNDM e o MM, embora não sejam uma novidade, não refletem a realidade da Conferência, que foi marcada por diversas manifestações legítimas de diversos segmentos sociais.

Entre elas, destacamos a marcha realizada na Alameda das Homenageadas, em que vozes trans se levantaram contra a transfobia estrutural que faz do Brasil o país que mais mata mulheres trans no mundo — uma realidade que impacta diretamente a saúde, a dignidade e a expectativa de vida de nossa comunidade.

As mulheres participantes da Conferência deixaram evidente que não há espaço para posturas excludentes ou manipuladas por interesses da extrema-direita.

As mulheres trans e travestis não foram rejeitadas: foram acolhidas, reconhecidas e legitimadas pelas próprias mulheres presentes. A rejeição recaiu sobre agentes que promovem segregação e alimentam transfobias diversas alinhadas ao patriarcado, que buscam sabotar avanços em políticas públicas inclusivas e igualitárias.

Por ampla maioria — 95% das mulheres presentes — a plenária final reafirmou compromisso com o enfrentamento à transfobia, e de forma unânime aprovou moção de repúdio a movimentos antigênero e trans-excludentes.

Reiteramos que a ANTRA e as mulheres trans e travestis têm o direito de participar e disputar espaços de decisão política, sem ter suas pautas desvirtuadas para atender interesses obscuros.

Espantalhos lançados por grupos de ódio foram rechaçados. E o recado da Conferência Nacional de Mulheres afirma que este espaço não será capturado por propostas que violam direitos humanos ou ímpetos segregacionistas.

Aproveitamos para agradecer imensamente nossas companheiras de luta e de afetos, por seguirem ao nosso lado neste momento que exige solidariedade entre todas nós, especialmente as conselheiras que compõem o CNDM e os seguimentos sociais, entidades representativas, sindicatos, coletivos feministas, organizações de mulheres negras, marchas de mulheres e todas as formas de organização que levaram cada uma de nós a esse momento histórico.

A ANTRA parabeniza cada travesti e mulher trans que esteve presente na 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, vindas de todas as regiões do país, em sua maioria negras, periféricas e interioranas. Vocês foram imensas e nossa gratidão é imensurável!

Mesmo diante de episódios de transfobia, mantiveram-se firmes, altivas e com qualidade nos debates, reafirmando que mulheres trans e travestis são parte essencial da luta feminista e popular.

Chegamos na VCNPM juntas, vivas e esperançosas. E saímos ainda mais fortalecidas, grandonas e alinhadas para seguir em frente dizendo não a qualquer agenda e discurso que fragilize nossas alianças históricas.

Agradecemos ao Ministério das Mulheres pela atuação firme, comprometida com os direitos humanos e atento as vozes das mulheres em sua diversidade e interseccionalidade, e sobretudo pelos esforços destinados a realização da conferência, mesmo em um cenário tão desafiador.

Sem medo podemos reafirmar que seguiremos firmes, com todas as mulheres comprometidas com a construção de um Brasil livre de racismo, misoginia, capacitismo, machismo, lesbofobia e transfobia.

01 de outubro de 2025.

Associação Nacional de Travestis e Transexuais

Pastora Evangélica defende mulheres trans e travestis e contra a transfobia na VCNPM

Direitos e Política, Justiça

Durante a 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM), um dos momentos mais significativos e emocionantes foi protagonizado pela Pastora Valéria Vilhena, representante das Evangélicas pela Igualdade de gênero no Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM), leu carta escrita pelo colegiado que se posicionou publicamente em defesa de travestis e mulheres trans diante dos recorrentes casos de transfobia registrados durante o processo conferencial — em diversos espaços e até mesmo nos espaços da conferência nacional.

Em meio a ataques e provocações vindos de grupos antigênero e transexcludentes — que, mesmo se dizendo “boicotados”, seguiram incitando o ódio e a desinformação dentro dos espaços institucionais da conferência nacional —, a fala da pastora ganhou força simbólica e política. Representando o CNDM, ao lado da Ministra das Mulheres Marcia Lopres, de Jovanna Baby (FONATRANS), Bruna Benevides (ANTRA) e Raquel (INAMUR), ela se ergueu com firmeza para repudiar toda e qualquer forma de discriminação, e reafirmar que travestis e mulheres trans são mulheres, chamando à responsabilidade ética e espiritual todas as pessoas comprometidas com a justiça e a dignidade humana.

O gesto de Valéria Vilhena — uma mulher evangélica progressista, com trajetória reconhecida no campo dos direitos humanos — rompeu estereótipos e lançou uma mensagem poderosa: é possível professar fé e, ao mesmo tempo, defender o amor, a igualdade e o respeito. Em um país que segue sendo o que mais mata pessoas trans no mundo, seu posicionamento representa um sinal de esperança e de resistência contra a onda de fundamentalismo religioso e moral que tenta sequestrar o debate público sobre gênero e diversidade.

A postura da pastora foi extremamente celebrada e também contribuiu para fortalecer o ambiente democrático da conferência e inspirou levantes na plenária onde todas as presentes disseram não a Transfobia, assim como a aprovação da Moção de Repúdio aos grupos antigênero e transexcludentes, que foi acolhida com ampla adesão das delegadas presentes. Esse movimento coletivo reafirmou a importância do CNDM como espaço de diálogo, inclusão e defesa dos direitos humanos, e mostrou que as mulheres brasileiras — cis, trans, negras, indígenas, periféricas, com deficiência — seguem unidas na luta por um país sem exclusões.

“O ato da pastora Valéria Vilhena foi um gesto de grandeza, bondade e coragem. Em um momento em que o fundamentalismo religioso tenta instrumentalizar o ódio, ver uma mulher de fé se colocar ao lado das travestis e mulheres trans reafirma que o amor e a justiça também são valores evangélicos. Esse gesto simboliza o futuro que queremos: um Brasil de respeito, empatia e liberdade”, declarou Bruna Benevides, presidenta da ANTRA.

Num contexto em que pessoas trans seguem sendo perseguidas, silenciadas e criminalizadas, a solidariedade de lideranças religiosas progressistas abre novas pontes de diálogo e demonstra que fé e direitos humanos não são opostos — são aliados na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Na ocasião também foi lida carta contra o racismo na mesma perspectiva escrita pelo CNDM.

A seguir, reproduzimos na íntegra a Nota Pública emitida pelo Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, lida e defendida pela pastora Valéria Vilhena durante a conferência:


Nota Pública

O Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres reafirma seu compromisso com políticas que reconheçam a diversidade e a interseccionalidade das mulheres no Brasil. A pluralidade de vozes neste colegiado e na V CNPM expressa a construção de um país mais justo, sem espaço para discriminação ou desumanização.

O direito à identidade de gênero é um direito humano e fundamental, ligado à dignidade, à liberdade e à felicidade garantidas pela Constituição Federal e por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e cuja plena efetivação devemos assegurar.

Travestis e transexuais são mulheres. E a realidade que enfrentam exige políticas públicas urgentes para que o Brasil deixe de ser o país que mais as assassina.

Composto por 38 instituições representativas, o CNDM reafirma sua posição contra a transfobia e todas as formas de violência, em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a CEDAW, a ONU Mulheres e decisões do STJ e STF que asseguram proteção e direitos à comunidade trans.

Este espaço só faz sentido quando exercitamos empatia e solidariedade. Não aceitaremos que ele seja capturado por práticas de exclusão ou violência.

Diante dos recorrentes casos de transfobia e das tentativas de criminalização das identidades trans, este Conselho repudia qualquer iniciativa que busque segregá-las em relação às demais mulheres. Os casos serão tratados nas esferas cabíveis e este Conselho seguirá vigilante ante a essas investidas.

Somos solidárias a todas as travestis e mulheres trans que chegaram até aqui e reafirmamos nosso compromisso com a vida de cada uma.

Vidas trans importam: vivas, felizes e dignas!

Organizações defendem saúde trans e repudiam retrocessos do governo federal

Direitos e Política, Justiça, Notas e Ofícios

Mais de 130 organizações assinam nota de repúdio à Resolução nº 2.427/2025 do CFM e ao alinhamento do governo federal com pautas que ferem os direitos trans

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT) e mais de 130 instituições, coletivos e movimentos sociais divulgaram, nesta segunda-feira (1º), uma nota pública em defesa da vida e do direito à saúde da população trans e travesti.

O documento manifesta profunda indignação diante do alinhamento político-ideológico entre o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Saúde (MS) e o governo federal na defesa da Resolução nº 2.427/2025, recentemente suspensa pela Justiça Federal do Acre.

Segundo a decisão judicial, a resolução apresenta vício procedimental, foi elaborada sem debate democrático e técnico, contraria a medicina baseada em evidências e viola frontalmente direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana, o direito à saúde, a proteção integral de crianças e adolescentes e o livre desenvolvimento da personalidade.

Violações de direitos e retrocessos sociais

A norma suspensa proibia o uso de bloqueadores puberais e hormônios em pessoas menores de 18 anos, impondo barreiras que, na prática, negariam o acesso de adolescentes trans a cuidados essenciais de saúde. Especialistas e movimentos sociais alertam que a medida teria como consequência o aumento da vulnerabilidade, do sofrimento psíquico e do risco de suicídio entre jovens trans. Em resposta, ANTRA e IBRAT moveram a ADI 7806 no STF, que conta com pareceres de diversas sociedades médicas, orgãos de classe e outros agentes que defendem a saúde trans como direito fundamental.

Além disso, a resolução fere princípios constitucionais, tratados internacionais e decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), como a ADPF 787, que reconhece a necessidade de políticas públicas para superar barreiras de acesso da população trans ao SUS.

A ANTRA e o IBRAT denunciam que a iniciativa reflete uma captura ideológica de instituições de Estado pela extrema-direita e pelas políticas antigênero, reproduzindo práticas de lawfare antitrans já vistas em outros países, como Estados Unidos e Reino Unido – que tem proibido o acesso a saúde trans e implementado diversas políticas regressivas em relação aos direitos trans, ferindo tratados internacionais dos quais o país é signatário.

Ciência ignorada

O documento ressalta ainda que a posição do CFM vai na contramão da produção científica nacional e internacional. Entidades médicas e científicas, como a World Professional Association for Transgender Health (WPATH), a Endocrine Society, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), defendem a segurança e a eficácia dos bloqueadores hormonais e da hormonização para adolescentes trans.

“O que a ciência defende, o CFM proibiu. O que a Justiça suspendeu, o governo defende”, sintetiza a nota.

Pedidos ao governo federal

As organizações pedem que o governo federal interrompa imediatamente o alinhamento com pautas antigênero/antitrans, retome o compromisso com a ciência, a democracia e os direitos humanos, e publique o PAESPOPTRANS, política nacional voltada à saúde da população trans, atualmente engavetada pelo Ministério da Saúde.

Também reafirmam a mobilização junto ao STF pela declaração de inconstitucionalidade integral da Resolução nº 2.427/2025 e pela restauração da Resolução nº 2.265/2019, que regulamentava os cuidados de saúde para pessoas trans sem restrições discriminatórias.

A vida não é negociável

“A vida das pessoas trans não é negociável. Nosso direito à saúde, à dignidade e à liberdade não pode ser rifado por interesses políticos, eleitorais ou ideológicos”, afirmam ANTRA, IBRAT e as demais entidades signatárias.

A nota encerra reafirmando o compromisso das organizações em seguir denunciando em instâncias nacionais e internacionais qualquer tentativa de institucionalizar a transfobia por meio de normas administrativas ou jurídicas.

Leia a nota completa abaixo:

URGENTE: ANTRA oficia órgãos do estado brasileiro pedindo providências sobre Mulher Trans presa nos EUA

Direitos e Política, Justiça, Notas e Ofícios

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA, vem a público manifestar sua profunda preocupação e indignação diante da prisão arbitrária e violenta de Alice Barbosa, mulher trans brasileira, detida por agentes da imigração dos Estados Unidos em Wyoming e levada para prisão no estado da Virgínia. Conforme reportagem da Folha de S. Paulo, Alice foi abordada de forma brusca por policiais de imigração, que a algemaram e a levaram sob gritos e empurrões, em uma cena filmada e amplamente compartilhada nas redes sociais, gerando comoção e denúncias de abuso.

Imediatamente após tomar conhecimento do caso, a ANTRA encaminhou Ofício urgente aos Ministérios dos Direitos Humanos e da Cidadania, das Mulheres, das Relações Exteriores, bem como ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, à Secretaria Nacional LGBTQIA+, à Secretaria de Enfrentamento à Violência contra Mulheres, ao Conselho Nacional LGBTQIA+ e ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. No documento, solicitamos providências imediatas para:

  1. Apurar o status atual de Alice, incluindo seu local de custódia, estado de saúde e segurança, bem como quais garantias jurídicas têm sido asseguradas;
  2. Garantir acompanhamento jurídico e consular imediato, assegurando tratamento digno e conforme os padrões internacionais de direitos humanos estabelecidos pela ONU;
  3. Avaliar medidas adicionais de proteção a brasileiras trans e travestis em condição migratória nos EUA, prevenindo violações semelhantes;
  4. Assegurar, em caso de deportação, que Alice seja acolhida pelo Estado brasileiro com pleno respeito aos seus direitos constitucionais, evitando revitimização;
  5. Emitir posicionamento público acerca do ocorrido e das providências adotadas, reafirmando a defesa do Estado brasileiro aos direitos de suas cidadãs;
  6. Publicar recomendações oficiais, inclusive em canais consulares e redes sociais, alertando pessoas trans brasileiras sobre os riscos decorrentes das políticas antitrans implementadas nos EUA.

Cabe destacar que a administração de Donald Trump vem promovendo uma ofensiva sistemática contra a população trans, utilizando o lawfare antitrans e o uso das instituições como armas de perseguição. Entre as medidas adotadas estão: a revogação do reconhecimento legal da identidade de gênero autodeclarada; a eliminação de marcadores neutros em documentos oficiais; a proibição do acesso de menores a cuidados de afirmação de gênero; a exclusão de pessoas trans das Forças Armadas e do esporte feminino; e a ameaça de cortes a instituições inclusivas. Tais medidas já afetaram inclusive cidadãs brasileiras, como as deputadas Erika Hilton e Duda Salabert, que tiveram seus gêneros desconsiderados em vistos emitidos pelas autoridades norte-americanas.

Esse contexto expõe a gravidade do cenário para pessoas trans em território norte-americano, onde se intensificam práticas de apagamento institucional, discriminação e violação de direitos humanos. O caso também foi informado a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ao especialista indepentente de ONU sobre orientação sexual e identidade de gênero, ONU Mulheres e ao alto comissariado da ONU em Direitos Humanos.

Exigimos que Alice seja imediatamente liberada e que seu caso seja tratado dentro das garantias do direito de defesa e do devido processo legal. Reiteramos que os Estados Unidos não constituem território seguro para nossa população enquanto tais políticas de perseguição e criminalização permanecerem em vigor. Por isso, recomendamos que pessoas trans e travestis evitem deslocamentos ao país até que haja garantias mínimas de proteção e respeito aos direitos humanos.

Não aceitaremos retrocessos nem violações. Seguiremos acionando os órgãos nacionais e internacionais de direitos humanos e cobrando respostas firmes para garantir que nenhuma pessoa trans seja submetida a arbitrariedades, abusos ou violações em razão de sua identidade de gênero.

ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais

Primeira Conferência Nacional Livre de Mulheres Trans e Travestis Idosas marca momento histórico no Brasil

Direitos e Política, Justiça

No último dia 9 de agosto de 2025, a ANTRA realizou um marco inédito no cenário político e social brasileiro: a Primeira Conferência Nacional Livre de Mulheres Trans e Travestis Idosas. O encontro reuniu vozes de todo o país e abriu espaço para que a pauta do envelhecimento trans e travesti fosse, pela primeira vez, debatida de forma estruturada em nível nacional pensando em políticas públicas estruturantes para essa parcela da população.

A conferência aconteceu em formato online e foi marcada pela diversidade: participaram pessoas de 21 estados e do Distrito Federal, vindas de capitais, interiores, zonas rurais, favelas e ocupações. Entre as inscritas estavam migrantes, pessoas com deficiência, intersexo e com representantes indígenas, maioria de pessoas negras e faixas etárias diversas, do público jovem aos 75 anos. A maior parte (63%) integra movimentos sociais, revelando o forte engajamento político das participantes.

Na abertura, a presidenta da ANTRA, Bruna Benevides, destacou a importância do protagonismo trans e travesti e apresentou a dinâmica do evento destacando os desafios do envelhecimento trans como ainda sendo uma exceção. Em seguida, falas marcantes emocionaram o público: Keila Simpson, referência histórica do movimento, compartilhou sua vivência como travesti negra nordestina que chega aos 60 anos em Salvador, enquanto Pitty Serrano, de 64 anos, mãe e avó atuante no Rio Grande do Sul, falou sobre resistência, acolhimento e os impactos da transfobia ambiental, sobretudo após a tragédia climática que atingiu seu estado em 2024.

As discussões foram organizadas em quatro eixos temáticos: violência e acesso à justiça, saúde integral e assistência, emprego, renda e moradia e direitos das pessoas idosas LGBTI. As propostas aprovadas pela plenária foram incorporadas ao documento final, que será defendido em etapas posteriores. Também foi aprovada, por moção, a ampliação nacional do programa Transcidadania.

As propostas apresentadas nos quatro eixos priorizam o enfrentamento à violência e o acesso à justiça por meio de políticas específicas que considerem raça, gênero, classe, deficiência e sexualidade, com capacitação de profissionais e padronização de dados nacionais; a garantia de saúde integral e assistência às pessoas trans e travestis idosas, incluindo atendimento domiciliar, abrigos, redes comunitárias e reconhecimento de doenças relacionadas ao silicone industrial para acesso a benefícios; a criação de programas de emprego, renda e moradia com cotas, microcrédito, revisão de normas previdenciárias e casas de acolhimento específicas; e, por fim, a instituição de uma Política Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas Idosas LGBTQIA+, com comitê permanente, inclusão de dados desagregados em cadastros oficiais, vagas em programas habitacionais e formação continuada de profissionais, garantindo reparação histórica e fortalecimento da dignidade dessa população.

Um dos momentos mais significativos foi a escolha das representantes da conferência para a etapa nacional da 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. Foram eleitas, por aclamação, Pitty Serrano (RS) e Mirella Thatyelle (MA), ambas mulheres trans idosas, não brancas, com trajetórias de luta no Sul e no Nordeste do país.

O evento também reafirmou a relevância da pesquisa Traviarcas, conduzida pela ANTRA, que busca compreender as múltiplas dimensões do envelhecimento trans e travesti no Brasil com previsão de lancamento para o primeiro semestre de 2026. Ao encerrar, Benevides reforçou que o encontro inaugura um espaço estratégico: “É um momento histórico, que abre institucionalmente o debate sobre a realidade das mulheres trans e travestis idosas. A expectativa é que suas demandas passem a ser consideradas em todas as esferas do poder público, garantindo políticas de prevenção, reparação e promoção da dignidade.”

Com apoio do Instituto Matizes e participação de pesquisadoras e ativistas de diversas regiões, a conferência consolidou-se como um marco pioneiro e necessário. E contou com o apoio de Rubra, Yuri Fernandes, Cecília e Ronna, que compoem a equipe da pesquisa traviarcas, e Yara Cavalcante, auxiliar administrativa da ANTRA.

Mais do que um evento, a 1ª Conferência Nacional Livre de Mulheres Trans e Travestis Idosas tornou-se símbolo de resistência, memória e futuro, ao assegurar que o envelhecimento das mulheres trans e travestis seja reconhecido como uma questão de direitos humanos e cidadania.

Brasil é denunciado à CIDH por omissão do STF em caso de banheiros para pessoas trans

Direitos e Política, Justiça

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), ao lado da ABGLT, IBRAT e outras instituições, é uma das entidades que assinam a denúncia protocolada na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) contra o Estado brasileiro no caso do Recurso Extraordinário 845.779/SC, em que uma mulher trans impedida de usar o banheiro feminino em um shopping de Florianópolis. O documento é assinado pelo advogado Paulo Iotti, conhecido por sua atuação em pautas LGBTI+, e pela advogada Isabela Medeiros, que representa a vítima.

A petição internacional sustenta que o Brasil falhou em proteger os direitos humanos da mulher trans, violando dispositivos da Convenção Americana de Direitos Humanos sobre igualdade, dignidade e devido processo legal. O caso tramitou no Judiciário por mais de uma década, tendo chegado ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2014. O julgamento, que poderia garantir indenização por danos morais à vítima, e o reconhecimento dessa grave a violação e violência contra ela, foi interrompido por um pedido de vista do ministro Luiz Fux que durou nove anos. Em junho de 2024, o STF pautou a ação e sem julgar o mérito decidiu anular a repercussão geral.

Segundo a denúncia, a Suprema Corte teria atuado com “cinismo argumentativo” ao ignorar provas de que vítima sofreu discriminação, em afronta ao direito ao processo justo. O documento afirma que a vítima foi tratada como “homem” em todas as instâncias, o que configuraria “desumanização transfóbica”. A denúncia pede que a CIDH reconheça o Brasil responsável por essas violações, impondo medidas reparatórias e estruturais.

“Trade-off” com setores conservadores

Em um dos trechos mais contundentes, o documento sugere que o julgamento teria representado uma concessão da maioria do STF a setores reacionários da sociedade. O advogado Paulo Iotti afirma que o resultado soou como um “trade-off” para reduzir pressões políticas contra a Corte, que à época enfrentava críticas de grupos de extrema-direita por sua atuação em processos sobre atos antidemocráticos. “Ficou muito evidente ao Movimento Trans que os direitos dessa parcela da sociedade foram sacrificados em troca de apaziguamento com setores conservadores”, registra o texto.

A crítica, contudo, ressalta que o STF historicamente foi fundamental para garantir avanços da população LGBTI+ no Brasil — como o reconhecimento da identidade de gênero em documentos (ADI 4275) e a criminalização da LGBTfobia (ADO 26/MI 4733). Por isso, o episódio é descrito como um “ponto fora da curva” em uma trajetória majoritariamente protetiva.

Principais pedidos apresentados à CIDH

• Indenização individual: pagamento de US$ 100 mil a Amanda Fialho, em razão da humilhação e danos morais sofridos.

• Retratação oficial: pedido público de desculpas assinado pelo Presidente da República, pelo STF e pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

• Legislação específica: aprovação de uma Lei de Identidade de Gênero, que assegure o uso do banheiro conforme a identidade autopercebida.

• Políticas públicas: criação de programas de capacitação e sensibilização contra a transfobia, tanto no setor público quanto no privado.

O que está em jogo

A denúncia sustenta que o caso exemplifica a “banalidade do mal transfóbico” no Brasil, onde pessoas trans ainda enfrentam violações sistemáticas de direitos básicos. O documento também cita o impacto psicológico da violência sofrida: ao ser expulsa do banheiro feminino, Amanda passou por situação extrema de constrangimento, chegando a relatar que não conseguiu controlar suas necessidades fisiológicas e precisou retornar para casa em estado de humilhação.

Caso a CIDH aceite a denúncia, o Brasil poderá ser julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Se condenado, o país terá de adotar medidas reparatórias e mudanças estruturais em sua legislação e políticas públicas.

Vale destacar que ante a omissão do estado, este foi o caminho que culminou na Lei Maria da Penha e que hoje o Brasil já enfrenta um outro processo na Corte Interamericana por negar o direito à saúde alguma mulher trans, onde a ANTRA também é co-peticionaria.