ANTRA concede Título de Presidentas de Honra para Traviarcas Históricas da Instituição

Cultura, Direitos e Política, Justiça

Presidentas de Honra da ANTRA: quando a memória se transforma em futuro e nos lembra que nossos passos vem de longe.

Há gestos que transcendem o tempo. E há reconhecimentos que não se limitam ao ato em si, mas carregam consigo a força de toda uma história coletiva. Assim nasceu, em 2024, a iniciativa inédita da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) de instituir e outorgar o título de Presidenta de Honra, em reverência às travestis e mulheres trans que abriram caminho e tornaram possível o que hoje é a maior rede de pessoas Trans da América Latina.

Mais que uma homenagem, trata-se de um compromisso político com a memória e com o legado das Traviarcas — aquelas que enfrentaram o impossível para garantir que outras pudessem existir com mais dignidade, visibilidade e voz. Ao criar essa honraria a pedido da presidenta Bruna Benevides como seu primeiro ato após ser eleita, a ANTRA afirma que preservar a memória é também resistir, e que cada nome reconhecido é um farol para o presente e um chamado à continuidade da luta.

Entre as primeiras agraciadas estão Claudia Pierre France, Elza Lobão, Fernanda Benvenutty, Janaína Lima, Janaína Dutra, Josy Silva, Monique du Baviera e Raquel Barbosa (in memoriam) — verdadeiras colunas fundadoras do movimento trans brasileiro — e as Presidentas de Honra em vida: Kátia Tapety, Jovanna Baby, Keila Simpson e Indianarae Siqueira, que seguem firmes, com coragem e generosidade, sustentando a travessia de tantas outras.

A entrega da placa que materializa esse reconhecimento tem percorrido os espaços simbólicos e históricos do nosso movimento. Jovanna Baby, uma das fundadoras da ANTRA e figura central na organização do movimento trans no Brasil, recebeu a homenagem durante a 4ª Conferência Nacional LGBTQIA+, realizada em Brasília — um gesto que une o passado à reconstrução de um novo tempo de participação social e democracia.

Indianarae Siqueira, por sua vez, foi agraciada durante a Conferência Estadual LGBTQIA+ do Rio de Janeiro, espaço em que sua trajetória de luta, abrigamento e solidariedade foi celebrada por quem conhece de perto o impacto de sua militância radical e humanizadora.

Keila Simpson, referência incontornável e ex-presidenta da ANTRA, recebeu a homenagem durante as ações da Parada LGBTQIA+ de São Paulo — a maior do mundo, simbolizando que a luta que começou nas margens hoje ocupa as avenidas e o coração do país.

Resta apenas a entrega do título à Kátia Tapety, a primeira travesti eleita vereadora no Brasil, que deverá ser homenageada em janeiro de 2026, durante as celebrações da Semana da Visibilidade Trans, fechando o ciclo das quatro Presidentas de Honra em vida — um gesto que reafirma o elo entre gerações e o respeito pelas pioneiras que ousaram existir quando tudo era interdito.

Para Bruna Benevides, presidenta da ANTRA, instituir e entregar essa honraria em vida é um ato de gratidão e justiça histórica:

É uma honra imensa poder olhar nos olhos dessas mulheres que transformaram o impossível em realidade e dizer: nós reconhecemos vocês. O que somos hoje é fruto do que vocês foram, e do que continuam sendo. Este gesto é uma semente plantada no solo da nossa memória coletiva, para que jamais deixemos de lembrar quem abriu o caminho.

A homenagem se soma a outras ações da ANTRA voltadas à preservação da memória e valorização da população trans e travesti mais velha, como a Traviarcas: Pesquisa Nacional sobre Envelhecimento Trans, atualmente em curso e o pedido de Anistia Coletiva para as Travestis presas em operações policiais na Comissão Nacional de Anistia. Reconhecer as Traviarcas, suas lutas e legado é, portanto, reafirmar o compromisso com um movimento que não esquece suas origens — um movimento que sabe que o futuro se constrói com as mãos e as histórias de quem veio antes.

Em tempos em que o apagamento tenta silenciar nossas narrativas, celebrar essas trajetórias é um ato de amor, coragem e desobediência. Porque sem elas, não estaríamos aqui. Porque viva as Trancestrais, vivas as Presidentas de Honra, viva a luta que continua!

Conferência Nacional LGBTQIA+ reconhece ANTRA por ação pioneira em defesa do Pajubá como patrimônio cultural

Cultura, Direitos e Política

Durante a 4ª Conferência Nacional dos Direitos da População LGBTQIA+, realizada em Brasília, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) recebeu uma Moção de Aplausos e Reconhecimento pela iniciativa inédita de apresentar ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) a proposta de reconhecimento do Pajubá/Bajubá como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.

A moção destaca o caráter histórico e pioneiro da ação, que reafirma o compromisso da ANTRA com a defesa da memória, da cultura e da identidade travesti e transexual. Ao propor o reconhecimento do Pajubá — uma lingua criada nos contextos de marginalização, resistência e afeto da população travesti — a entidade busca garantir que esse legado seja preservado, valorizado e institucionalmente reconhecido como parte integrante da cultura brasileira.

Em declaração, a presidenta da ANTRA, Bruna Benevides, destacou o simbolismo da conquista:

“O Pajubá é mais do que uma lingua: é um abrigo construído pela criatividade e pela dor, onde nossas vozes encontraram forma para existir. Ao levá-lo ao Legislativo e ao IPHAN, a ANTRA cumpre um papel político e histórico frente a sociedade brasileira — o de afirmar que também somos parte da narrativa cultural do Brasil e que nossa memória merece ser preservada com dignidade.”

A moção, além de adesão massiva pelas delegações, foi aprovada pela plenária da Conferência com 97% dos votos e representa um marco de reconhecimento do papel das travestis e transexuais na construção da identidade nacional, inserindo o debate sobre patrimônio cultural no campo das políticas públicas de diversidade.

Para Keila Simpson, presidenta de honra da ANTRA, o gesto tem dimensão reparadora:

“Ver o Pajubá reconhecido como patrimônio é ver o Estado olhar com respeito para a genialidade de um povo que transformou exclusão em expressão. Essa moção vinda da conferência nacional em sua retomada é um gesto de reparação, mas também de amor — amor pela nossa história, pela ANTRA, pela nossa cultura e pela potência que carregamos.”

A proposta encaminhada ao IPHAN pela ANTRA é considerada uma ação pioneira no movimento LGBTQIA+ brasileiro, ao inscrever a linguagem travesti e suas origens afro-diaspóricas no mapa das políticas culturais. O gesto reforça a centralidade da ANTRA como protagonista na construção de políticas de memória e valorização cultural que reconhecem a importância das narrativas trans e travestis na formação da sociedade brasileira.

Com o reconhecimento da Conferência Nacional, a ANTRA consolida mais um passo em sua trajetória de resistência e afirmação, transformando o Pajubá — antes alvo de preconceito e estigma — em símbolo de identidade, criatividade e liberdade.

Abaixo a moção aprovada:

Moção de Aplausos e Reconhecimento à ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais

A 4ª Conferência Nacional dos Direitos da População LGBTQIA+ manifesta seu reconhecimento e aplauso à ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais, pela iniciativa histórica e pioneira de mobilizar esforços para apresentar ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) a proposta de reconhecimento do Pajubá/Bajubá como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Esse ato reafirma o papel fundamental da ANTRA na defesa da memória, da cultura e da identidade travesti e transexual, ao projetar no campo das políticas públicas o protagonismo de quem tem resistido ao apagamento e à marginalização.

O reconhecimento do Pajubá como patrimônio é mais do que um gesto simbólico: é a celebração da potência criativa e política das travestis que transformaram a língua em território de resistência. Ao apresentar essa proposta, a ANTRA inscreve no coração da institucionalidade brasileira um marco de reparação histórica e afirmação cultural, rompendo o ciclo de invisibilidade e apropriação que tantas vezes tenta silenciar nossas vozes. Esta Conferência, portanto, aplaude a ANTRA por seu compromisso inabalável com a dignidade, a memória e a liberdade de nosso povo LGBTQIA+, honrando sua trajetória como uma das mais importantes entidades do movimento social brasileiro.

Proposta feita por Camille Nascimento, Fórum TT da Bahia

ANTRA participa de Seminário Internacional pelos direitos LGBTQIA+

Direitos e Política, Justiça

Nos dias 20 e 21 de outubro, o Instituto Rio Branco, em Brasília, se torna o epicentro de um debate histórico sobre os rumos das políticas públicas voltadas à população LGBTQIA+ em escala global. O evento “Diálogos Internacionais LGBTQIA+: Garantia de Direitos em Âmbito Global” reunindo representantes de governos, organismos multilaterais e lideranças da sociedade civil em um espaço de articulação política e diplomática fundamental diante do avanço das agendas antigênero e antidereitos que ameaçam conquistas históricas em diversas partes do mundo.

O seminário reafirma o papel do Brasil como articulador regional na promoção da igualdade e da dignidade humana, ao mesmo tempo em que destaca a urgência de fortalecer mecanismos de proteção e cooperação internacional. A presença de nomes como Macaé Evaristo, ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Symmy Larrat, secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, e Collette Spinetti Núñez, primeira mulher trans a ocupar um cargo no governo do Uruguai e atual secretária de Direitos Humanos da Presidência da República, conferiu ao evento um caráter histórico e simbólico. Spinetti, que também preside o Comitê Mundial Trans da ILGA Mundo, representa um marco de avanço institucional na América Latina, inspirando a consolidação de políticas transnacionais de igualdade e reconhecimento.

Entre os temas centrais, destacaram-se as discussões sobre o enfrentamento das agendas antigênero, a cooperação internacional e a construção de políticas públicas no contexto Sul-Sul. O primeiro dia foi marcado por painéis que analisaram o cenário político e jurídico global e apresentaram boas práticas implementadas por diferentes países para a garantia dos direitos LGBTQIA+. O debate contou com a contribuição de especialistas como Sonia Corrêa, do Observatório de Sexualidade e Política, e Keila Simpson, coordenadora do CPDD LGBT na Bahia, que trouxeram uma perspectiva crítica sobre os retrocessos e as resistências atuais.

Outro ponto alto foi o painel “Diálogos Globais: Cooperação Multilateral e Direitos LGBTQIA+”, que reuniu representantes do PNUD, ACNUR, UNAIDS e Banco Mundial, além de delegações de países latino-americanos e europeus. O encontro abordou o papel dos organismos internacionais na construção de políticas de equidade e combate à violência, destacando a importância de vincular ações locais às agendas globais de direitos humanos.

No segundo dia, o painel Brasil-União Europeia abre espaço para um rico intercâmbio de experiências em políticas públicas LGBTQIA+, reforçando o compromisso com a construção de marcos regulatórios sólidos, programas de inclusão e estratégias de combate à discriminação. Encerrando o evento, o painel “Diálogos Projeção Futuro” aponta caminhos para o fortalecimento das políticas e da governança global em direitos humanos.

A ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais teve uma participação estratégica nesse momento de reconstrução e reafirmação democrática. Sua presidenta, Bruna Benevides, participa da mesa de encerramento, levando a voz das travestis e transexuais do Brasil para o centro do diálogo internacional. Ressaltando que este é um tempo de vigilância e resistência, mas também de alianças e esperança. “Estamos vivendo um cenário global de rearticulação das forças conservadoras, e é fundamental que o Brasil reafirme sua posição ao lado dos direitos humanos, da democracia e da vida”, afirma.

A presença da ANTRA, ao lado do IBRAT, da ABGLT e outras entidades da sociedade civil no evento simboliza mais do que representatividade: traduz o compromisso histórico do movimento trans e LGBTQIA+ brasileiro com a construção de políticas públicas inclusivas, baseadas na dignidade, na equidade e na justiça social. Em meio aos desafios impostos pelas ofensivas antigênero, o diálogo internacional se torna um instrumento vital para a defesa da cidadania e para a consolidação de uma agenda global comprometida com a diversidade e com o direito de existir plenamente.

Os Diálogos Internacionais LGBTQIA+ mostram que resistir é também construir pontes. Em um mundo onde a intolerância tenta se organizar em escala planetária, fortalecer alianças e promover cooperação é um ato de coragem. E é exatamente esse o tom do encontro: reafirmar que a luta por direitos não conhece fronteiras, e que cada voz que se ergue em defesa da vida LGBTQIA+ ecoa por todos os continentes.

ANTRA protocola pedido histórico para reconhecimento do Pajubá como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil

Cultura, Direitos e Política, Justiça

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) protocolou, no dia 20 de outubro de 2025, o Ofício solicitando à deputada federal Erika Hilton a apresentação de um projeto de lei que reconheça o Pajubá — ou Bajubá — como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, conforme os parâmetros técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A iniciativa inédita no país propõe que essa linguagem ancestral e insurgente, criada e difundida por travestis e mulheres trans, seja formalmente reconhecida como parte do patrimônio cultural do país, com ações de salvaguarda, documentação, ensino e fomento cultural.

O pedido é um marco no reconhecimento da memória e da produção simbólica das travestis brasileiras, que historicamente criaram formas próprias de comunicação como estratégia de sobrevivência e de afirmação identitária em contextos de exclusão, perseguição e violência. O documento encaminhado pela ANTRA reforça que o Pajubá/Bajubá é mais do que uma linguagem — é uma “tecnologia transcestral”, um legado linguístico que atravessa gerações e conecta saberes, afetos e resistências.

De origem afro-brasileira desde o século XX, o Pajubá é um socioleto — isto é, uma variação linguística criada e utilizada por um grupo social específico — formado a partir da incorporação de palavras de origem iorubá e nagô, combinadas a expressões populares e gírias urbanas. Sua difusão se intensificou a partir das décadas de 1970 e 1980, especialmente nos circuitos travestis e nos espaços culturais e noturnos das grandes cidades brasileiras, consolidando-se como um símbolo de identidade coletiva e que foi posteriormente incorporado como elemento importante de comunicação afetiva dentro da comunidade LGBTQIA+.

O ofício destaca que o reconhecimento oficial do Pajubá como Patrimônio Imaterial não é apenas um gesto de valorização cultural, mas uma medida de reparação simbólica e justiça social, uma vez que fortalece políticas públicas voltadas à memória e à preservação das expressões culturais marginalizadas. A proposta prevê ações de salvaguarda em parceria com o IPHAN e o Ministério da Cultura, incluindo a produção de acervos orais, dicionários comunitários, materiais educativos e projetos de formação sobre a importância do Pajubá para a cultura brasileira.

Entre as referências apresentadas pela ANTRA no pedido, ganha destaque a obra “Diálogo de Bonecas”, escrita por Jovanna Baby e publicada em 1995 pelo ISER/PIM, considerada a primeira publicação impressa em Pajubá/Bajubá. A obra é um marco literário e político por registrar e celebrar o modo de falar das travestis brasileiras, numa época em que o país ainda negava visibilidade a essas identidades. Segundo pesquisas acadêmicas recentes, Diálogo de Bonecas é também um testemunho da oralidade travesti e de como essa linguagem atuou como escudo de proteção em tempos de censura e repressão.

O documento da ANTRA cita ainda trabalhos de pesquisadoras como Amara Moira, que descreve o Pajubá como um “território linguístico de invenção e insurgência”, e estudos como Pajubá: Justiça Estética e Patrimônio Imaterial (UDESC), que defendem a sua inscrição como manifestação cultural a ser preservada pelo Estado.

Em nota, a presidenta da ANTRA, Bruna Benevides, destacou o caráter histórico da iniciativa:

“Este pedido é um gesto de reparação simbólica e de justiça cultural. O Pajubá é uma herança viva das travestis brasileiras, um idioma da resistência e do afeto. Reconhecê-lo como patrimônio cultural imaterial é afirmar que nossas histórias, nossas vozes e nossos saberes têm lugar na memória oficial do país.”

A ANTRA reafirma seu compromisso com a valorização da memória travesti e com o fortalecimento das políticas de justiça cultural, e anuncia que dará continuidade à interlocução com o IPHAN e o Ministério da Cultura para garantir que o processo de inventariação e registro do Pajubá seja conduzido com protagonismo e participação direta das comunidades travestis e trans.

A proposta busca ainda proteger o uso do Pajubá de apropriações indevidas ou pejorativas, assegurando que sua difusão se mantenha ligada aos princípios de respeito, pertencimento e valorização da diversidade cultural. O reconhecimento do Pajubá como patrimônio imaterial, destaca o ofício, é também um passo essencial para garantir políticas de educação patrimonial, incentivo à pesquisa e fortalecimento da autoestima de pessoas trans e travestis em todo o país.

Com este movimento, a ANTRA consolida-se como referência na defesa da cultura, da memória e da dignidade travesti e trans no Brasil, e reafirma que o legado linguístico das travestis brasileiras — tão vivo nas ruas, nos palcos, nas escolas de samba e nas redes de afeto — merece estar também registrado entre os bens culturais mais valiosos do país.


📚 Referências Principais

  • BABY, Jovanna. Diálogo de Bonecas. Rio de Janeiro: ISER/PIM, 1995.
  • MOIRA, Amara. “A Neca de Amara Moira: uma voz pajubeyra”. Periódico Folio, UESB.
  • “Pajubá: Justiça Estética e Patrimônio Imaterial”. Revista Urdimento, UDESC.
  • IPHAN. Patrimônio Cultural Imaterial. Disponível em: gov.br/iphan.

ANTRA solicita ao Ministério da Defesa dispensa do alistamento militar obrigatório para mulheres trans e travestis

Direitos e Política, Justiça

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) protocolou, Ofício junto ao Ministério da Defesa, solicitando providências urgentes para corrigir distorções e constrangimentos que vêm afetando mulheres trans e travestis no processo de alistamento militar obrigatório. O documento denuncia uma prática incompatível com os direitos constitucionais e a dignidade humana, uma vez que obriga mulheres trans a se submeterem a procedimentos destinados exclusivamente a pessoas do gênero masculino — realidade que fere diretamente o reconhecimento da identidade de gênero garantido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Na prática, o atual sistema de alistamento militar exige que mulheres trans obtenham o Certificado de Dispensa de Incorporação (CDI) para conseguirem retificar seu registro civil, incluindo nome e gênero. Esse processo as força a comparecer pessoalmente a Juntas do Serviço Militar — ambientes frequentemente hostis e constrangedores — apenas para cumprir uma formalidade burocrática que não deveria sequer lhes ser aplicada em claro descompasso com o direito a autodeterminação de gênero que lhes é assegurado. Em muitos casos, quando o pedido é feito após os 18 anos, ainda são impostas multas por suposto “atraso no alistamento”, penalizando ilegalmente essas mulheres por uma obrigação da qual, constitucionalmente, estão dispensadas.

A ANTRA argumenta que essa exigência não apenas viola o princípio da igualdade, mas perpetua situações de discriminação institucional, nas quais o Estado impõe barreiras para o exercício pleno da cidadania. Diante disso, a entidade propôs ao Ministério da Defesa a criação de um procedimento administrativo específico e acessível, que reconheça o direito dessas mulheres à autodeterminação de gênero sem constrangimentos nem exigências indevidas.

Entre os pedidos apresentados pela ANTRA, destacam-se:

  1. A retirada da obrigatoriedade de alistamento militar para mulheres trans e travestis que vivem pública e abertamente sua identidade de gênero feminina;
  2. A explicitação formal de que essas mulheres estão dispensadas de qualquer comprovação de quitação militar;
  3. A remissão das multas aplicadas indevidamente, quando decorrentes de registros civis anteriores incompatíveis com a identidade de gênero;
  4. A uniformização de protocolos de atendimento em Juntas Militares e cartórios, assegurando tratamento respeitoso e em conformidade com o direito à identidade de gênero;
  5. A criação de um canal eletrônico no site de alistamento militar, que permita solicitar a dispensa mediante autodeclaração e envio de documentos que atestem a identidade de gênero, com emissão de um documento oficial substitutivo ao CDI.

A medida proposta pela ANTRA busca garantir segurança jurídica, acessibilidade e eficiência administrativa, além de reforçar o compromisso do Estado com a dignidade humana e com os direitos fundamentais das pessoas trans. No caso, como o alistamento não é obrigatório para mulheres, ele não pode ser exigido as mulheres trans sob nenhuma hipótese, devendo esta se alistar exclusivamente de forma voluntária, por desejo expresso da própria.

“Não se trata apenas de ajustar um procedimento burocrático, mas de corrigir uma distorção histórica que tem submetido mulheres trans a situações de constrangimento, tratamento diferenciado em relação as demais mulheres, discriminação e exclusão institucional”, afirmou Bruna Benevides, presidenta da ANTRA.

O ofício também destaca a viabilidade técnica e jurídica da proposta, amparada nas decisões do STF e nas resoluções do CNJ que asseguram o reconhecimento da identidade de gênero como direito fundamental. A criação de um mecanismo online, por exemplo, eliminaria violências institucionais, deslocamentos desnecessários, reduziria bucrocracias e custos, e ampliaria o acesso a um procedimento digno, sem ferir qualquer princípio administrativo ou militar.

Paralelamente ao envio do documento ao Ministério da Defesa, a ANTRA acionou o mandato da deputada federal Duda Salabert (PDT/MG), solicitando sua intermediação política e parlamentar sobre o tema. A deputada já manifestou apoio à pauta e se comprometeu a buscar diálogo com o Executivo e o Legislativo para garantir uma resposta efetiva. Essa articulação é vista pela entidade como um passo estratégico para que a questão seja enfrentada com responsabilidade institucional e sensibilidade social.

Com essa ação, a ANTRA reafirma seu papel histórico de vigilância e incidência política em defesa dos direitos das pessoas trans no Brasil. A entidade reitera que a garantia da cidadania plena exige o fim de procedimentos que tratam de maneira diferente, criminalizam identidades ou burocratizam existências, e convida as autoridades a assumirem o compromisso de adequar as políticas públicas aos princípios de equidade e respeito à diversidade.

“O Estado não pode seguir tratando a identidade de gênero como um problema a ser administrado, mas como um direito a ser respeitado. Nossa luta é por dignidade, e dignidade não se adia”, conclui a ANTRA.


Conferência Nacional de Mulheres aprova moção de repúdio a grupos antigênero

Direitos e Política, Notas e Ofícios

Durante a V Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em Brasília, o conjunto de mulheres presentes aprovaram por unanimidade uma moção de repúdio contra organizações transexcludentes como a Matria, “Aliança LGB” e o grupo “Raízes Feministas”. O documento que contou com adesão massiva das participantes, denuncia a atuação dessas entidades, reconhecidas como reprodutoras do discurso antitrans alinhado com a extrema direita e o fundamentalismo religioso, que propagam narrativas de que pessoas trans representariam ameaça a mulheres cis e as crianças.

A moção afirma que tais setores negam avanços históricos do feminismo, insistindo em um conceito biologizante, conservador e excludente de “mulher”, além de alimentar práticas de perseguição contra mulheres trans e travestis. No texto, são destacados os dados alarmantes sobre a realidade dessa população no Brasil: expectativa de vida de apenas 35 anos, 90% empurradas à prostituição compulsória e subrepresentação em espaços de poder.

Além disso, na plenária final de aprovação de propostas para o documento final da conferências, foi decidido que todas as políticas oriundas da conferência terão de assegurar a inclusão de mulheres trans e travestis, garantindo a perspectiva de gênero, classe e raça como eixos transversais, e a proposta específica contra a violência motivada por Transfobia teve a aprovação de 95% das Mulheres presentes. Aquilo que já sabíamos se confirmou: a imensa maioria das mulheres de todo o país, disse um sonoro NÃO ao racismo, ao sexismo, à lesbofobia e à transfobia.

Mulheres trans e travestis não foram rejeitadas: foram acolhidas, reconhecidas e legitimadas pelas próprias mulheres presentes. A rejeição recaiu sobre agentes que promovem segregação e alimentam transfobias diversas alinhadas ao patriarcado, que buscam sabotar avanços em políticas públicas inclusivas e igualitárias. As mulheres participantes da Conferência deixaram evidente que não há espaço para posturas excludentes ou manipuladas por interesses da extrema-direita.

Essa vitória não é apenas simbólica — é a reafirmação das alianças históricas entre o movimento trans, o movimento negro e todos os movimentos do campo popular que sempre lutaram, lado a lado, contra a exclusão e a violência. Destacando assim que Mulheres trans são bem-vindas, em todos os espaços da luta feminista e popular.

Bruna Benevides, presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), avaliou a aprovação da moção como um marco político e simbólico diante da crescente articulação de grupos que utilizam teorias feministas, mas operam em convergência com agendas ultraconservadoras.

“Esses grupos que se dizem defensores das mulheres, na prática, reforçam o projeto da extrema direita, negam a nossa humanidade e tentam nos expulsar dos espaços de participação social. Mas a Conferência mostrou que as mulheres brasileiras estão ano nosso lado e não aceitarão retrocessos. As mulheres trans e travestis estão aqui, junto as lutas das demais mulheres, e nossa voz não será silenciada.”, declarou Benevides.

A presidenta da ANTRA lembrou ainda que a ONU Mulheres (Global) já reconheceu a atuação de tais organizações antigênero como parte de uma rede internacional de grupos antidireitos, conectados a setores conservadores antigênero que atuam contra políticas de diversidade, direitos reprodutivos e combate à violência de gênero.

“Não estamos diante de um debate interno do feminismo, mas de uma estratégia global de perseguição, com financiamento e alianças políticas que atacam os avanços democráticos. Essa ofensiva precisa ser nomeada pelo que é: uma tentativa de reinstaurar a lógica cisheteropatriarcal que historicamente oprime todas as mulheres.”, reforçou Benevides.

Impactos e desafios

O crescimento da agenda transexcludente no Brasil representa um risco concreto para a construção de políticas públicas inclusivas. A difusão de narrativas que associam pessoas trans à violência sexual ou à suposta ameaça às mulheres ou à infância fortalece estigmas sociais, amplia a vulnerabilidade dessa população e legitima práticas de violência. Além disso, tais discursos fragmentam o campo progressista, abrindo espaço para que a extrema direita instrumentalize a pauta de gênero em suas estratégias eleitorais.

O reconhecimento internacional desses grupos como “antidireitos” também revela a dimensão geopolítica do problema: organizações brasileiras têm replicado manuais e estratégias de grupos estrangeiros, alinhando-se as políticas de Donald Trump e a projetos que visam deslegitimar conquistas democráticas e de direitos humanos em escala global.

Possíveis soluções

Entre os caminhos apontados por especialistas e militantes estão:

  • Fortalecimento das alianças interseccionais entre movimento trans, movimento negro, feminismo popular, movimento sindical e organizações de direitos humanos;
  • Monitoramento das redes de financiamento que sustentam esses grupos, ampliando a transparência e cobrando atuação do Ministério Público e dos órgãos de controle;
  • Educação e formação feminista interseccional que valorize a diversidade de experiências das mulheres;
  • Ampliação da participação trans em espaços institucionais, garantindo representatividade efetiva nos conselhos e nas políticas públicas.

Para Benevides, o momento exige firmeza e estratégia coletiva:

“A resposta não pode ser apenas reativa. Precisamos construir uma frente ampla de mulheres em toda a sua diversidade para enfrentar a ofensiva antigênero. Só assim poderemos proteger as conquistas democráticas e garantir que nenhuma de nós fique para trás.”

A seguir a íntegra da Moção:

Título: Moção de Repúdio ao Movimento Antigênero e Transexcludente

Nós, mulheres trans, travestis e cis aliadas, reunidas na 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, repudiamos as intenções supremaCIStas de grupos transexcludentes, como MATRIA, “Aliança LGB” e “Raízes Feministas”.

Esses setores reproduzem o discurso da extrema direita e do fundamentalismo religioso, ao alegar que pessoas trans seriam ameaça para mulheres cis e crianças. Tal narrativa ignora décadas de produções feministas que compreendem o gênero como construção social e interseccional, reduzindo mulheres a uma essência biologizante e negando existências que escapam ao padrão cisreprodutivo. A acusação de que mulheres trans e travestis seriam “homens infiltrados” é falaciosa diante da realidade de exclusão que nos atravessa: expectativa de vida de 35 anos, 90% empurradas à prostituição compulsória e acesso restrito a espaços de poder.

Nesta conferência, o Conselho Nacional de Direitos das Mulheres reafirma o conceito de mulheridades, reconhecendo diferentes vivências em lutas comuns contra racismo, misoginia, capacitismo e transfobia.

Assim, afirmamos que não há perseguição às mulheres cis críticas de gênero no Brasil, enquanto mulheres trans e travestis vêm sendo perseguidas desde a ditadura militar e principalmente pela extrema direita, e rejeitamos ataques à nossa plena participação, pois violam o regulamento da conferência e apenas reforçam o sistema cisheteropatriarcal que nos mata.

Defendemos políticas com perspectiva de gênero, espaços seguros e diálogos interseccionais, para que nenhuma mulher seja silenciada ou deixada para trás. Nossa luta é por todas e para todas.”



			

Nota da ANTRA pelas vozes Trans nas Conferências de Direitos: Necessidade Urgente

Direitos e Política, Notas e Ofícios

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA manifesta seu mais veemente repúdio à transfobia persistente nos espaços de construção de políticas públicas, incluindo conferências nacionais e regionais de direitos humanos. Episódios recentes, como os ocorridos na V CONAPIR e em Conferências Estaduais Pelos Direitos das Mulheres, evidenciam de forma clara e urgente a necessidade de transformar esses espaços em ambientes seguros, inclusivos e comprometidos com a promoção da dignidade humana. Estamos em vias de realizar as conferências de direitos das Mulheres, das pessoas LGBTQIA+, da pessoa idosa e outras, por isso essa reflexão se faz tão urgente.

O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo, cenário agravado pela ausência de políticas públicas e pelas barreiras de acesso a direitos fundamentais, que impactam diretamente a expectativa de vida dessa população. Dados produzidos pela ANTRA indicam que 78% das vítimas de assassinatos de pessoas trans eram negras, revelando a interseção entre transfobia e racismo estrutural. Os Dossiês da ANTRA e dados do SINAN e Disque 100, comprovam ainda que o país continua sendo um dos que mais violam os direitos humanos dessa população, tornando a urgência de ação institucional ainda mais premente.

Além da violência física, a população trans enfrenta dificuldades significativas no acesso a direitos básicos. Estudos diversos demonstram barreiras no acesso à saúde, educação, emprego e segurança, com recorrentes situações de discriminação e exclusão social. Essa vulnerabilidade se intensifica para travestis e mulheres trans negras, sobretudo aquelas periféricas, que representam a maioria nos processos de invisibilização e precarização, no desemprego, no sistema prisional, entre pessoas vivendo com HIV/AIDS e em situação de rua. Em um contexto marcado por perseguições às pautas trans, inclusive por agendas transnacionais que miram essa população, as pessoas trans negras são as mais impactadas, destacando a necessidade de políticas públicas interseccionais que enfrentem simultaneamente a transfobia e o racismo estrutural. E é neste contexto que as alianças entre movimentos sociais populares contra toda forma de discriminação, injustiça e violência se tornam fundamentais para o avanço da cidadania de grupos históricamente vulnerabilizados, afirmando que direitos humanos sao inegociáveis.

As conferências de direitos humanos, enquanto espaços de construção democrática, devem ser territórios de escuta ativa, respeito mútuo e promoção da diversidade em todas as suas dimensões. É nesses fóruns que se definem políticas públicas, diretrizes e agendas de proteção social com impacto direto sobre a vida de milhões de pessoas. A presença de discursos transfóbicos, cissexistas ou racistas não apenas viola direitos individuais, mas compromete os princípios basilares da democracia, da justiça social e dos direitos humanos.

Ignorar ou silenciar a voz de travestis e mulheres trans negras, que enfrentam múltiplas formas de violência e exclusão, reforça desigualdades históricas e mina a legitimidade dos processos de construção coletiva. Conferências e fóruns devem, portanto, ser organizados de forma a garantir segurança, acessibilidade e representatividade, reconhecendo que a inclusão de pessoas trans, especialmente negras, periféricas e em situação de maior vulnerabilidade, é essencial para que a democracia se realize de fato.

Promover a participação plena da população trans nesses espaços é também um ato de reparação histórica e política: reconhece o impacto da transfobia e do racismo estrutural, fortalece a interseccionalidade nas políticas públicas e assegura que a construção de direitos se traduza em dignidade, proteção e oportunidades reais. Garantir que esses ambientes sejam livres de violência simbólica e material reafirma que a defesa dos direitos trans é inseparável da luta antirracista e do compromisso com uma sociedade justa, plural e democrática.

A ANTRA exige que as conferências de direitos humanos adotem medidas concretas e efetivas para coibir qualquer manifestação de transfobia, cissexismo e discriminação. A participação ativa de todas as pessoas trans, em especial travestis e mulheres trans negras, que vivem no epicentro das múltiplas violências estruturais é fundamental para o exercício da dignidade humana. É imperativo que esses espaços se consolidem como territórios de acolhimento, segurança e respeito, onde todas as vozes sejam ouvidas, reconhecidas e consideradas na formulação de políticas públicas.

A perpetuação da transfobia, somada a políticas que negligenciam ou atacam nossas identidades, não representa apenas uma ameaça à vida de pessoas trans, mas um ataque direto à democracia e aos princípios universais de direitos humanos. Conferências e fóruns de direitos têm o potencial de transformar essa realidade, tornando-se instâncias estratégicas de combate à violência, de promoção da equidade racial e de afirmação da dignidade humana.

Conclamamos governos, instituições e sociedade civil a se comprometerem com a proteção da população trans, a implementar mecanismos de responsabilização frente à transfobia e ao racismo, e a assegurar políticas públicas que enfrentem diretamente as desigualdades históricas, assegurando formação adequada para prestadores de serviços, funcionários e a distribuição de materiais informativos sobre diversidade. Este é um chamado à ação: só haverá justiça social plena se reconhecermos que a luta contra a transfobia é inseparável da luta antirracista e pela jusição social para todas as mulheres, e que a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática depende da proteção, valorização e protagonismo de todas as identidades trans, especialmente das mais vulnerabilizadas.

Por fim, a ANTRA recomenda que providências concretas precisam ser tomadas para acolher, apoiar e reparar as vítimas de transfobia nesses espaços, e para denunciar formalmente todas as pessoas que insistirem em abraçar e reproduzir práticas transfóbicas, reafirmando nosso compromisso com a justiça, a equidade e a proteção da vida e da dignidade da população trans.

Brasilia, 17 de setembro de 2025.

Associação Nacional de Travestis e Transexuais

ANTRA lança guia inédito para proteção de pessoas trans e travestis brasileiras migrantes nos Estados Unidos

Direitos e Política, Notas e Ofícios

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) lança oficialmente o Guia de Orientações e Recomendações às Pessoas Trans e Travestis Brasileiras Migrantes nos Estados Unidos da América, um documento inédito que reúne informações estratégicas, recomendações jurídicas e operacionais, além de contatos de apoio para situações emergenciais.

O material foi elaborado diante do agravamento do cenário de hostilidade contra pessoas trans e travestis nos Estados Unidos, marcado por políticas federais e estaduais que restringem direitos fundamentais, dificultam o acesso a serviços básicos e ampliam o risco de violações em contextos migratórios.

Contexto de urgência e proteção

Desde o início de 2025, ordens executivas e legislações estaduais vêm reforçando medidas trans-excludentes, limitando o reconhecimento legal de gênero ao “sexo” atribuído no nascimento, restringindo cuidados de saúde afirmativos, vetando a participação em esportes e negando garantias mínimas em casos de migração e detenção.

Esse cenário tem colocado pessoas trans migrantes, em especial as brasileiras e racializadas, sob dupla vulnerabilidade: a de ser migrante e a de ser trans. Situações como a negação de vistos, a marcação compulsória de gênero em documentos e a detenção em centros que não respeitam a identidade de gênero expõem essas populações a constrangimentos, violências e violações graves de direitos humanos.

O papel da ANTRA

Construído com apoio de organizações parceiras nacionais e internacionais, o guia nasce como uma resposta direta às ameaças enfrentadas pela comunidade trans no contexto migratório.

“O guia é, ao mesmo tempo, um manual de sobrevivência e de dignidade, mas também um instrumento de incidência política internacional. Ele convoca o Brasil e organismos multilaterais a atuarem de forma imediata e responsável diante das violações enfrentadas por nossas cidadãs e cidadãos trans no exterior”, afirma Bruna Benevides, presidenta da ANTRA.

Estrutura do guia

O documento é dividido em seções que contemplam:

  • Análise do contexto político e social nos EUA e seus impactos sobre pessoas trans e travestis;
  • Chamado às instituições brasileiras, com recomendações específicas ao Itamaraty, à Defensoria Pública da União e a toda rede consular;
  • Chamado à ação internacional, incluindo CIDH/OEA, ONU e ACNUR, reforçando a responsabilidade global na proteção de vidas trans;
  • Recomendações operacionais e jurídicas, direcionadas a três perfis: pessoas em situação migratória irregular, pessoas em situação regular (com visto válido) e aquelas que consideram viajar aos EUA;
  • Listagem de contatos úteis no Brasil e nos Estados Unidos, incluindo consulados, organizações de direitos humanos e serviços de apoio emergencial.

Responsabilidade do Estado brasileiro e solidariedade internacional

O guia reforça que o Estado brasileiro tem obrigação jurídica e política de atuar ativamente na proteção de suas cidadãs e cidadãos trans no exterior, acionando protocolos de assistência consular, emitindo alertas atualizados e garantindo processos de repatriação humanizada, com continuidade de cuidados de saúde, hormonização e acolhimento seguro.

Da mesma forma, o documento apela para que órgãos internacionais de direitos humanos assumam protagonismo diante das violações sistemáticas nos Estados Unidos, adotando medidas cautelares, audiências temáticas e monitoramentos constantes.

Um guia para a vida

Mais do que uma ferramenta informativa, o guia reafirma a resistência coletiva da comunidade trans e travesti, transformando vulnerabilidade em organização e defesa política.

“Trata-se de um guia para proteger vidas, reduzir danos e garantir que nenhuma pessoa trans brasileira seja deixada para trás. É também um chamado à responsabilidade compartilhada, onde cada instituição e cada rede de solidariedade deve agir para garantir dignidade, segurança e justiça”, reforça a ANTRA.

O guia está disponível gratuitamente para consulta e download aqui:

Primeira Conferência Nacional Livre de Mulheres Trans e Travestis Idosas marca momento histórico no Brasil

Direitos e Política, Justiça

No último dia 9 de agosto de 2025, a ANTRA realizou um marco inédito no cenário político e social brasileiro: a Primeira Conferência Nacional Livre de Mulheres Trans e Travestis Idosas. O encontro reuniu vozes de todo o país e abriu espaço para que a pauta do envelhecimento trans e travesti fosse, pela primeira vez, debatida de forma estruturada em nível nacional pensando em políticas públicas estruturantes para essa parcela da população.

A conferência aconteceu em formato online e foi marcada pela diversidade: participaram pessoas de 21 estados e do Distrito Federal, vindas de capitais, interiores, zonas rurais, favelas e ocupações. Entre as inscritas estavam migrantes, pessoas com deficiência, intersexo e com representantes indígenas, maioria de pessoas negras e faixas etárias diversas, do público jovem aos 75 anos. A maior parte (63%) integra movimentos sociais, revelando o forte engajamento político das participantes.

Na abertura, a presidenta da ANTRA, Bruna Benevides, destacou a importância do protagonismo trans e travesti e apresentou a dinâmica do evento destacando os desafios do envelhecimento trans como ainda sendo uma exceção. Em seguida, falas marcantes emocionaram o público: Keila Simpson, referência histórica do movimento, compartilhou sua vivência como travesti negra nordestina que chega aos 60 anos em Salvador, enquanto Pitty Serrano, de 64 anos, mãe e avó atuante no Rio Grande do Sul, falou sobre resistência, acolhimento e os impactos da transfobia ambiental, sobretudo após a tragédia climática que atingiu seu estado em 2024.

As discussões foram organizadas em quatro eixos temáticos: violência e acesso à justiça, saúde integral e assistência, emprego, renda e moradia e direitos das pessoas idosas LGBTI. As propostas aprovadas pela plenária foram incorporadas ao documento final, que será defendido em etapas posteriores. Também foi aprovada, por moção, a ampliação nacional do programa Transcidadania.

As propostas apresentadas nos quatro eixos priorizam o enfrentamento à violência e o acesso à justiça por meio de políticas específicas que considerem raça, gênero, classe, deficiência e sexualidade, com capacitação de profissionais e padronização de dados nacionais; a garantia de saúde integral e assistência às pessoas trans e travestis idosas, incluindo atendimento domiciliar, abrigos, redes comunitárias e reconhecimento de doenças relacionadas ao silicone industrial para acesso a benefícios; a criação de programas de emprego, renda e moradia com cotas, microcrédito, revisão de normas previdenciárias e casas de acolhimento específicas; e, por fim, a instituição de uma Política Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas Idosas LGBTQIA+, com comitê permanente, inclusão de dados desagregados em cadastros oficiais, vagas em programas habitacionais e formação continuada de profissionais, garantindo reparação histórica e fortalecimento da dignidade dessa população.

Um dos momentos mais significativos foi a escolha das representantes da conferência para a etapa nacional da 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. Foram eleitas, por aclamação, Pitty Serrano (RS) e Mirella Thatyelle (MA), ambas mulheres trans idosas, não brancas, com trajetórias de luta no Sul e no Nordeste do país.

O evento também reafirmou a relevância da pesquisa Traviarcas, conduzida pela ANTRA, que busca compreender as múltiplas dimensões do envelhecimento trans e travesti no Brasil com previsão de lancamento para o primeiro semestre de 2026. Ao encerrar, Benevides reforçou que o encontro inaugura um espaço estratégico: “É um momento histórico, que abre institucionalmente o debate sobre a realidade das mulheres trans e travestis idosas. A expectativa é que suas demandas passem a ser consideradas em todas as esferas do poder público, garantindo políticas de prevenção, reparação e promoção da dignidade.”

Com apoio do Instituto Matizes e participação de pesquisadoras e ativistas de diversas regiões, a conferência consolidou-se como um marco pioneiro e necessário. E contou com o apoio de Rubra, Yuri Fernandes, Cecília e Ronna, que compoem a equipe da pesquisa traviarcas, e Yara Cavalcante, auxiliar administrativa da ANTRA.

Mais do que um evento, a 1ª Conferência Nacional Livre de Mulheres Trans e Travestis Idosas tornou-se símbolo de resistência, memória e futuro, ao assegurar que o envelhecimento das mulheres trans e travestis seja reconhecido como uma questão de direitos humanos e cidadania.

ANTRA realiza 1ª Conferência Nacional de Pessoas Trans e Travestis Idosas do Brasil

Direitos e Política, Eventos

TRANSANCESTRALIDADE E DIGNIDADE: ANTRA REALIZARÁ A 1ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE PESSOAS TRANS E TRAVESTIS IDOSAS

Em um país onde a expectativa de vida de pessoas trans ainda gira em torno de 35 anos, falar sobre envelhecimento é, acima de tudo, um ato político de resistência. Por isso, a ANTRA se prepara para realizar a 1ª Conferência Nacional de Pessoas Trans e Travestis Idosas do Brasil, um marco histórico e inédito que acontece no dia 9 de agosto de 2025, às 13h, de forma online. As inscrições estarão abertas entre os dias 21 de julho e 5 de agosto.

Esta não será apenas uma conferência: será um tributo às sobreviventes. Uma convocação para que o Brasil ouça, finalmente, as Traviarcas, como denominamos carinhosamente em nossa pesquisa (em andamento) sobre envelhecimento trans. O estudo pretende identificar realidades duras, marcadas pela ausência de políticas públicas, invisibilidade nos serviços de saúde, isolamento social e uma violência estrutural que atravessa toda a vida e se intensifica com a idade.

Desafios visíveis, respostas urgentes

As primeiras gerações de travestis e mulheres trans que hoje envelhecem no Brasil sobreviveram a um tempo em que tudo lhes foi negado: o nome, a família, a escola, o emprego, a moradia, a saúde e até o direito de sonhar. São sobreviventes de um sistema que nunca foi pensado para incluí-las. E, agora, mesmo após décadas de luta, seguem sendo invisibilizadas nos debates sobre envelhecimento e direitos da pessoa idosa.

A invisibilidade das pessoas trans idosas é uma forma cruel de apagamento histórico e político. O sistema de saúde ainda é despreparado para acolher seus corpos e suas necessidades específicas. As políticas de assistência social, quando existem, não reconhecem suas identidades de gênero. E a institucionalização do cuidado, como abrigos e casas de longa permanência, muitas vezes representa mais um lugar de violência do que de proteção.

TransAncestralidade: memória, direitos e cidadania

A Conferência se propõe a resgatar a memória dessas trajetórias, reconhecer seus saberes e propor políticas públicas que assegurem uma velhice com dignidade, pertencimento e segurança. Os eixos centrais — TransAncestralidade, Memória, Direitos e Cidadania — dialogam com a urgência de enfrentar o silenciamento e construir novos caminhos.

É também um momento estratégico para influenciar a Conferência Nacional da Pessoa Idosa e a Conferência Nacional de Mulheres, garantindo que a agenda trans esteja presente e respeitada, com propostas específicas e fundamentadas. Precisamos garantir que o envelhecimento trans seja compreendido não como uma exceção, mas como uma parte legítima e protegida da nossa população.

Um chamado coletivo

Essa ação pioneira e histórica só é possível porque muitas resistiram — e seguem resistindo. Porque há corpos que não aceitaram o destino imposto e que ousaram viver, mesmo quando tudo apontava para o contrário.

1ª Conferência Nacional Livre de Pessoas Trans e Travestis Idosas

👉🏽 Inscreva-se de 21/07 a 07/08/2025
📅 Evento online: 09 de agosto de 2025, às 13h

Link de inscrições: https://forms.gle/mSJw4cHpw9zxc4FD6

📌 Participe, divulgue, compartilhe.
A inscrição é gratuita e a participação é aberta para todas as pessoas interessadas em contribuir com essa construção coletiva.

Mobilize-se. Traga sua voz. Construa esse momento com a gente.