A ANTRA vem público repudiar e denunciar as diversas formas de transfobia e violências institucionais no exercício do seu cargo, sofridos pela vereadora Lins Robalo (PT), que compõe a câmara de vereadores da cidade de São Borja/RS.
Cabe ressaltar que ela é a primeira vereadora travesti eleita na cidade e que em tempos onde temos observado um aumento da violência contra a população trans, a violência política contra nossas representantes no exercício da atuação legislativa também tem se intensificado, especialmente contra mulheres trans e travestis negras, com uma nítida tentativa de impedir a sua atuação. O que denuncia nitidamente a transfobia estrutural e racista que acompanha a sociedade e acaba por permitir que a própria casa legislativa, para qual a vereadora Lins foi eleita democraticamente, tem sido o espaço responsável por reproduzir violência, seja ela institucional, simbólicas e psicológicas, diretas e indiretas contra a nossa querida vereadora.
Em recente pesquisa realizada sobre a violência política contra parlamentares trans, 80% das pessoas trans eleitas relataram não se sentirem seguras para o exercício do seu cargo e temos visto diversos casos ganharem a esfera pública sem que o estado esteja atuando para a defesa de nossas representações.
Diante desse mais esse caso contra uma vereadora trans, destacamos que o Brasil é um dos países que mais viola direitos e assassina defensores de direitos de humanos do mundo. E ao observar o cenário complexo em que pessoas trans são colocadas pela omissão do estado, viver em plenitude se constitui como um grande desafio diante da falta de ações para proteger a vida dessas pessoas, assim como a devida atuação de defensores de direitos humanos e na mesma medida garantir do exercício do cargo parlamentar, sem ser submetida a CIStemática violência que são destinadas as pessoas trans, incluindo violências motivadas por questões de gênero e raça, no caso específico dos ataques e violência política contra parlamentares trans negras.
A ANTRA tem sido responsável por monitorar e acompanhar a atuação de candidaturas e parlamentares trans eleitas. Incidindo junto a órgãos nacionais e internacionais, em parceria com outras instituições de defesa dos direitos humanos, com atenção especial à violência política. Onde temos participado de reuniões e audiência com a Comissão Interamericana de direitos humanos (CIDH), Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, Tribunal Superior Eleitoral, Ministério público e outros, a fim de denunciar e enfrentar os desafios para o enfrentamento da violência política destinada as vereadoras trans.
Fica aqui nossa solidariedade a Vereadora Lins Robalo, travesti negra de esquerda, e a garantia que seguiremos atentas na defesa de sua atuação, pela garantia de sua voz dentro da câmara de são Borja. Você nos representa, e seguiremos orgulhosas de sua representatividade e compromisso com a democracia, com o enfrentamento das injustiças e na defesa do estado laico.
Força Lins e demais companheiras que compõe seu gabinete!
Não seremos interrompidas!!!
Brasil, 25 de maio de 2021.
Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA)
A ANTRA vem a público prestar solidariedade a Lorena Muniz, seus familiares, amigos e demais apoiadores neste momento de luto, que estiveram envolvidos na busca por garantir um atendimento digno e humanizado a respeito da negligencia que levou sua vida. E aproveita também essa nota para denunciar o descaso com que o caso foi tratado pela equipe da clinica onde ela estava fazendo o procedimento, assim como a forma com que o estado brasileira tem tratado a saúde das travestis e demais pessoas trans.
Lorena saiu de Pernambuco com destino a São Paulo a fim de realizar o desejo de fazer uma cirurgia para colocar implantes de mama (próteses). No entanto, no dia de sua cirurgia, vídeos postados na internet denunciaram que a clínica havia enfrentado um sinistro envolvendo incêndio e durante a evacuação do prédio, Lorena foi deixada para trás pelos responsáveis pela sua intervenção cirúrgica.
Cabe ressaltar que, de acordo com as informações de pessoas presentes no ocorrido, ela ainda estava sedada aguardando a cirurgia e ao ser abandonada pela equipe da clínica, acabou inalando uma alta quantidade de fumaça e gás carbônico, que ocasionou um agravamento na sua saúde. Ela foi socorrida e transferida às pressas para atendimento hospitalar em estado gravíssimo e infelizmente não resistiu e veio a óbito. Lembramos ainda que nas primeiras notícias veiculadas pela mídia sobre o incêndio na clínica, foi noticiado que não havia vítimas e também foram relatadas diversas tentativas de invisibilizar, atrapalhar ou ocultar a situação grave que acometeu Lorena. Também destaca-se o descaso da clínica que até o momento não prestou qualquer apoio à vítima ou familiares.
Infelizmente, Lorena é mais uma vítima da opressão de gênero, da pressão estética cissexista e do descaso do estado nos cuidados da saúde específica da população trans. E este não é um caso isolado.
Esse caso ganhou repercussão rapidamente nas redes sociais, pois essa clinica é muito procurada, especialmente por pessoas Trans de todo o Brasil para os seus interventos, mas é de se espantar a falta de cuidados com esse caso. Também foram as redes sociais que viralizaram um vídeo feito pelo seu namorado Washington Barbosa denunciando a situação, apenas três dias do ocorrido. A partir daí uma intensa mobilização aconteceu para que ele pudesse chegar a São Paulo e acompanhar a sua namorada de perto. Esse caso também está sendo acompanhado pelas equipes da deputada Erica Malunguinho e da vereadora Erika Hilton.
Sabemos que há uma fila de espera de anos para o acesso aos procedimentos previstos no processo transexualizador do SUS, que enfrenta dificuldades pela falta de investimentos e pelos congelamentos dos gastos em saúde, onde não há profissionais, hospitais e ambulatórios suficientes no país e que durante a pandemia houve uma paralisação em cerca de 70% nas cirurgias[1] e atendimentos previstos para a saúde específica das pessoas trans. Todo esse cenário de descaso, abandono e exclusão, aliados a transfobia institucional e a invisibilidade de nossas pautas em espaços de discussão e construção sobre direitos sociais, faz com que grande parte da população trans acabe se submetendo a modificações corporais pouco planejadas, realizem procedimentos clandestinos e/ou hormonização sem acompanhamento médico especializado, sendo obrigadas a buscar profissionais que acabam por se aproveitar de nossa vulnerabilidade, expondo a população Trans a poucas garantias de resultados satisfatórios e uma assistência quase inexistente durante o processo posterior aos procedimentos. Especialmente aqueles profissionais conhecidos por nos tratarem como mercadoria e sem nenhum compromisso com nossas vidas.
Isso, inclusive tem impacto na baixa estimativa de vida da população Trans. Que enfrenta os piores índices de acesso à saúde e aos cuidados relacionados à transição ou à saúde específica. Enfrentando ainda uma formação médica deficiente para o cuidado dos corpos trans, além das transfobias institucionais nas unidades de saúde que acabam por não respeitar a identidade de gênero ou o nome social, causando o afastamento de nossas populações das buscas pelos cuidados em saúde.
Muitas dessas clínicas e médicos são bem conhecidas pela população Trans pelo baixo preço oferecido e pelo acesso facilitado com pouco rigor no processo pré-cirúrgico, nos espaços onde são feitas as consultas e cirurgias, e pelo fato de não existir fiscalização específica para esses profissionais que mantém uma rede de atendimento que utiliza casos satisfatórios de resultados como propaganda, mas apaga os erros médicos e ignora/silencia pacientes que enfrentam problemas.
Não podemos deixar esse caso impune. É urgente que a discussão sobre a garantia do acesso e cuidados com a saúde da população Trans faça parte do cotidiano de gestores, parlamentares, trabalhadores da saúde, e de toda a sociedade, a fim de que possamos construir estratégias de acolhimento das demandas, melhoria nos serviços e ampliação da rede de cuidados. Envolvendo a formação médica especializada, capacitação das equipes técnicas e unidades de saúde para o atendimento de nossa população e para o enfrentamento de casos como o de Lorena, pois infelizmente não é o único.
Nossa mais profunda solidariedade ao Tom e familiares de Lorena. Que o conforto chegue a seus corações nesse momento tão difícil. Seguiremos juntas e gritando por ela para que este caso, tenha um desfecho que seja capaz de trazer justiça aos responsáveis pela sua morte e todo sofrimento causado à sua família, amigos e pessoas que tiveram contato com esse triste episódio. E nos colocamos inteiramente empenhadas a fortalecer a luta contra impunidade e pela responsabilização dos culpados.
Não podemos deixar esse caso sem solução e tampouco deixar de lutar pelo SUS universal, equânime e integral para garantia de nossas vidas saudáveis. Seguiremos em luto, na luta.
A ANTRA vem a público trazer informações sobre a importância da política de cotas e reservas de vagas destinadas em universidades públicas para o acesso da população de travestis, mulheres e homens trans, transmasculinos e demais pessoas trans. A fim de garantir o acesso à universidade e a construção cientifica por pessoas trans que tem sido prejudicada historicamente devido ao processo de apagamento social da sua identidade e expressão de gênero, que tem expulsado nossos corpos dos bancos escolares e impossibilitando a chegada ao ambiente acadêmico, ou ainda àquelas que mesmo tendo conseguido entrar na universidade, encontram dificuldades motivadas por sua condição para a continuidade, devido a fatores sociais e situação de vulnerabilidade, que se encontram para cotas na pós-graduação.
Uma sociedade democrática, pautada na garantia e acesso aos direitos humanos e fundamentais, apresenta muitos desafios quando se propõe na implementação de políticas públicas efetivadoras de ações afirmativas, atentas a critérios identitários, em contextos marcados historicamente por formas persistentes, disseminadas e sofisticadas de discriminação. Nesse cenário, não se pode deixar de reconhecer o valor da proposição de ações afirmativas, políticas que buscam abrir caminhos e conquistar espaços em domínios antes reservados aos privilegiados, cujas regalias alimentaram formações identitárias hegemônicas marcadas pelas vantagens da cisgeneridade e subordinação violenta e histórica de travestis e demais pessoas trans.
Cabe ressaltar que de acordo com informações sobre a situação educacional das pessoas trans, estima-se que cerca de 70% não concluiu o ensino médio e que apenas 0,02% encontram-se no ensino superior. E este cenário nos leva a reflexão sobre como as cotas cumprem um papel de inserir e garantir a continuidade de pessoas trans na universidade, já consolidadas como políticas de acesso para aquelas pessoas que enfrentam violações e violências ao longo de suas vidas que impedem o processo educativo devido a sua condição, identidade e expressão de gênero.
Dois desafios principais estão postos quando discutimos a educação formal: a conclusão do ensino fundamental e médio, e o acesso a universidade. Sem que uma luta invalide a outra ou que se contraponham quando pensamos em propostas para o enfrentamento dessa problemática. Aliando o enfrentamento da exclusão que segue naturalizada no ambiente escolar e as dificuldades que se apresentam no processo escolar/acadêmico, inclusive a proposição de políticas para o acesso a educação formal é uma das prioridades pautadas pelo movimento nacional de travestis e transexuais desde o início de sua organização.
Reafirmamos que a discussão não deve ser pautada sobre dizer quem é ou quem não é trans. Quando a regulamentação da política de cotas fala de “aferir”, “verificar” a “veracidade”, não se trata de uma pretensa “verdade sobre a identidade”, no sentido de um realismo ontológico, apelando para dados biológicos, essências irredutíveis, fixas e cristalizadas, ou porta-vozes indiscutíveis e “donos da verdade”. Como visto, o que importa para as ações afirmativas é a “identidade social”, resultante histórico, social, coletivo e cultural, dos processos onde são atribuídas identidades, socialmente engendradas, a indivíduos e grupos.
Atualmente, o principal fator que está prejudicando a efetividade das cotas raciais para o ingresso de travestis e demais pessoas trans nas universidades tem sido a utilização das mesmas por pessoas desonestas ou que não entenderam os objetivos que permeiam a criação da reserva de vagas, se utilizando de autodeclarações duvidosas ou de situações que não coadunam com a realidade socioeconômica, vivências ou expressão de gênero que as condicionem à discriminação e marginalização apregoadas a partir da leitura social identitária para usufruírem de direitos que não lhes são legalmente pertencentes. Não bastasse toda a polêmica em torno da constitucionalidade de ações afirmativas baseadas na identidade de gênero, ter ainda poucas universidades que tem se debruçado sobre o tema e criado esse acesso, e as perseguições que essas políticas enfrentam, temos visto de forma recorrente várias questões na implementação dessas políticas, em especial quanto à identificação dos seus destinatários.
É urgente tornarmos público a discussão sobre os objetivos da política de cotas/reservas de vagas, que não deve levar em consideração o critério exclusivo da autodeclaração, mas buscar compreender todos os fenômenos sociais, culturais e políticos que dificultam o acesso a universidade e as próprias cotas, a fim de assegurarmos que as pessoas trans vulneráveis (sujeitos do direito) sejam as beneficiárias efetivas e possam gozar do acesso que vem sendo conquistado, mas que tem enfrentado resistência em diversos espaços e denuncias públicas de fraudes.
Ações afirmativas são medidas que, conscientes da situação de discriminação e vulnerabilidade vivida por certos indivíduos e grupos, visam a combater tal injustiça, por meio da adoção de medidas concretas e benéficas (Rios, 2008: 156); no desenho das respectivas políticas públicas, a identificação de seus destinatários é elemento crucial, sem o qual compromete-se a legitimidade e a efetividade das medidas positivas.
Cabe mencionar que não são para toda e qualquer pessoa trans, de forma indiscriminada, que essa política se destina. São necessários diversos olhares e a observação de contextos específicos para que a pessoa trans se torne elegível ao usufruto da política. Avaliando ainda a classe e contexto social, a forma com que a transfobia afeta diretamente o processo educacional da pessoa, as dificuldades que ela enfrenta no dia a dia por ser uma pessoa trans e como a sociedade se relaciona com seu corpo, sua identidade e expressão de gênero, no momento em que a presença da pessoa denuncia sua própria condição “abjeta” sem que a mesma precise verbalizar que se trata de uma pessoa trans. Além disso, é sabido que existe um perfil prioritário que coloca corpos trans, majoritariamente negros, na marginalização e em situação de vulnerabilidade social, gerando empobrecimento e enfrentando contextos violentos, e muitas vezes degradantes. Dificultando o acesso a direitos sociais básicos que impactam a própria existência e a estimativa de vida de nossa população a depender dos acessos que a pessoa tem alcançado ou não.
Travestis e mulheres transexuais, especialmente, são alvo preferencial da transfobia com os maiores índices de violência direta, indireta e suicídio, além de representaram o maior número quando analisamos dados sobre o assassinato, em torno de 98% dos casos, por expressarem o gênero marcado em suas expressões de gênero femininas e afirmação de uma identidade pública cercada por estigmas. E nesse processo, modificações corporais e o uso de símbolos que marcam a identidade de gênero não cisgênera constituída sob uma estética travesti, apesar de não serem determinantes da identidade de cada pessoa, marcam o destino social daquelas que vivenciam uma precariedade especifica devido a sua leitura social em detrimento da cisgeneridade. Principalmente travestis e mulheres transexuais negras, que enfrentam ainda mais dificuldade de acesso a direitos básicos, tem o menores índices de escolaridade e enfrentam os processos de maior vulnerabilização. E defendemos que este seja o grupo priorizado em ações afirmativas, não em detrimento de outros, mas em reconhecimento de sua maior vulnerabilidade.
É necessário as pessoas entenderem que muitas pessoas trans que passaram a se reconhecer mais recentemente como não cisgenêras ou a se identificar com alguma inconformidade de gênero, muito em função da luta dos movimento trans, não experienciaram a maior parte das violações as quais nos referimos. O que não quer dizer que não enfrentaram outras, ou que não foi violento para elas. Mas que são questões e momentos indiscutivelmente diferentes. Não se trata de hierarquizar experiências, mas de evidenciar que há diferenças significativas em como a sociedade se relaciona com um determinado perfil identitário e corporal, em detrimento de outros. Principalmente para que as identidades historicamente constituídas no Brasil e toda a sua trajetória não sejam preteridas no acesso as conquistas que chegam com largo atraso e deixando de cumprir a responsabilidade com essas pessoas que já estavam há anos aguardando a efetivação desses direitos.
Chamamos atenção para as armadilhas sobre os riscos que o mau uso dessa política podem nos causar. Dentre elas, a possibilidade de serem gerados precedentes negativos para políticas onde a autodeclaração se torne um critério exclusivo, e a perseguição ou extinção da mesma por gestores ou outros grupos mal intencionados, que podem se valer da justificativa sobre a possibilidade de fraudadores para negar, reduzir, extinguir ou deixar de aplicar a política de cotas, ao invés de criar e melhorar mecanismos capazes de enfrentar possíveis fraudadores que representam uma parcela mínima, apesar de existirem. Não se combatem as fraudes excluindo a política, mas identificando e responsabilizando possíveis fraudadores.
Nesse sentido, a criação de comissões de heteroidentificação a partir da autodeclaração de gênero da pessoa, com a participação de pares dos sujeitos avaliados, tem se mostrado medida urgente e necessária para o alcance pleno das políticas públicas de inclusão da população trans nas universidades públicas brasileiras, pois as cotas, isoladamente, garantem apenas as vagas, não garantindo que os verdadeiros destinatários dessa ação afirmativa usufruirão destas.
A concretização das ações afirmativas requer, dentre outras, a capacidade de compreensão da identidade e expressão de gênero, do cissexismo, da transfobia, dos processos de subalternização das pessoas trans, das nuances e dinâmicas dos processos de subjetivação e constituição, no mundo social, das identidades trans de modo contextualizado. No exercício de sua tarefa heteroidentificatória, a comissão deve corrigir eventual auto atribuição identitária equivocada, à luz dos fins da política pública, iniciativa que não se confunde com lugar para a confirmação de percepções subjetivas ou satisfação de sentimentos pessoais, cuja legitimidade não se discute nem menospreza, mas que não vinculam, nem podem dirigir, a política pública.
Cotas são uma conquista imensurável e urgente para a população trans. Precisamos ampliar e garantir que mais universidades implementem essa importante política afirmativa e que as pessoas trans que precisam desse acesso possam realmente ter a oportunidade de entrar no ambiente acadêmico e seguirem contribuindo para a (re)construção de uma universidade capaz de assegurar as existências trans e sua potencialidades.
E é exatamente por isso que devemos pautar essa discussão no âmbito publico, buscando embasamento cientifico e social, a fim de que as pessoas trans entendam todo o processo que envolve a política de cotas, as defendam e contribuam no processo de fiscalização das mesmas para que as fraudes sejam identificadas e denunciadas.
NOTA PÚBLICA SOBRE A PESQUISA “Estudo Nacional sobre os perfis Travestis e Transexuais”
As instituições que assinam conjuntamente essa nota, representadas pelas redes que se organizam e atuam nacionalmente pelos direitos da população de travestis, mulheres e homens trans, pessoas transmasculinas e demais pessoas trans, vem a público se posicionar a respeito da pesquisa Estudo Nacional sobre os perfis Travestis e Transexuais, coordenada pelo Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília (Nesp/UnB), em parceria com o Laboratório de Educação, Informação e Comunicação em Saúde (LabECoS/UnB) e financiada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) através de emenda parlamentar disponibilizada pela deputada federal Talíria Petrone.
Justamente por reconhecermos o valor da ciência e da importância de produção de dados sobre nossa população, nos preocupa que a maneira como a pesquisa tem sido conduzida é inadequada, o que provavelmente implicará na produção de dados de baixa qualidade e que não serão úteis para a população trans brasileira.
Primeiro, é notável a pouca representatividade e diversidade de pessoas trans na equipe da pesquisa: apenas duas pessoas trans diretamente envolvidas. Há muito sabemos que o conhecimento é sempre situado e que o olhar das pessoas trans é privilegiado para conseguir captar e interpretar adequadamente determinados aspectos e nuances das nossas vidas que frequentemente não são notados por pesquisadores cis. Assim, a inclusão de pessoas trans na equipe, em todos os níveis e fases da pesquisa, não é apenas uma benesse, mas uma exigência epistemológica para garantir a produção de um conhecimento melhor, mais rigoroso e mais útil. Além disso, garantir que pesquisas sobre nós, conte com nossos corpos é exercer o pleno comprometimento com uma inclusão não tutelada e que celebra a potencialidade das pessoas trans. Não mais sendo usadas como objetos de estudo, perpetuando o lugar excludente que a academia tem destinado as narrativas e construções de saber advindos da sociedade civil e efetivando uma pesquisa que deveria tirar o foco do olhar cisgênero sobre nossos corpos.
Segundo, não houve diálogo efetivo com as instituições da sociedade civil durante o processo de formulação da pesquisa e seus objetivos, desenho metodológico, construção de questionários e contratação de pessoal. Houve apenas uma reunião prévia que não se desenrolou em uma participação e diálogo. Isso nos causa estranheza visto que grande parte das pessoas contratadas são aliadas de nossa causa, muitos dos quais já tivemos oportunidade de desenvolver diversas ações conjuntas, mas que nesse exato momento silenciaram diante do processo de esvaziamento da nossa participação.
Terceiro, é de extrema gravidade que essa pesquisa esteja sendo utilizada politicamente por esse governo e pelo MMFDH para manipular a opinião pública e a comunidade internacional dando a falsa impressão de que promovem os direitos das pessoas trans. É preciso denunciar: a pesquisa não é uma iniciativa do Ministério e nem do governo federal. A origem das verbas que financia essa ação é uma indicação legislativa através de emenda parlamentar, que será executada pelo MMFDH. Cabe ressaltar que a Ministra Damares deixou explícito seu descaso com nossas vidas ao afirmar que só estaria realizando as ações por que esta seria obrigada por lei e que muito provavelmente não teríamos qualquer iniciativa vinda do Ministério. Além disso, a “pasta LGBTI” do MMFDH, em recente reunião no MERCOSUL, utilizando do corpo trans que ocupa cadeira na coordenação da mesma, determinou que o Brasil não reconhecesse ou assinasse o pacto de enfrentamento à violência LGBTI devido ao uso de expressões como identidade e expressão de gênero, assim como crimes de ódio.
Acreditamos que, ao invés de investir tempo e dinheiro publico em uma pesquisa que nasce com tantos problemas estruturais e vícios que depõem negativamente contra a mesma, caso houvesse interesse em conhecer a real situação da população LGBTI, seria melhor optar por incluir questões no censo populacional previsto para 2021. Há anos essa vem sendo uma demanda do movimento LGBTI brasileiro e já há inclusive uma ação da Defensoria Pública da União para que o IBGE faça essa inclusão. No entanto, o ministério, demonstrando total indiferença a nossa população, não se movimentou junto a esfera do estado – a qual faz parte – nesse sentido. Transferindo assim a responsabilidade sobre o levantamento de questões importantes para a proposição de políticas públicas na forma de uma pesquisa que não irá atingir todos os estados e que exclui ainda as lésbicas, gays, bissexuais e pessoas intersexo.
Em suma, a pesquisa como está proposta não representa os interesses de uma agenda que vem sendo pautada coletivamente junto as instâncias organizadas politicamente em torno das pessoas trans, seja em âmbito municipal, estadual, regional, nacional ou internacional. Ela possui uma baixa participação de pessoas trans na equipe, não há um olhar interseccional que inclua pessoas negras, diversidade de corpos trans e representantes dos movimentos sociais, não foi construída em diálogo efetivo com as organizações da sociedade civil, não endereça questões fundamentais para a nossa população e ainda por cima tem sido mobilizada politicamente para construir uma falsa imagem positiva desse governo.
Nesse sentido, não reconhecemos a pesquisa Estudo Nacional sobre os perfis Travestis e Transexuais como algo a ser celebrado ou que devamos legitimar enquanto população. Ao contrário de inclusão, vocês estão trabalhando pela manutenção da exclusão. Pois é isso que todo processo em torno da pesquisa representa. Exatamente por isso, afirmamos que não ratificamos ou nos sentimos representadas por mais essa jogada política que utiliza de nossos corpos em detrimento de nossos próprios interesses.
Nada sobre nós, sem nós!
Brasil, 10 de dezembro de 2020.
Assinam:
Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA)
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT)
Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (FONATRANS)
Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT)
Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE)
Instituto Nacional de Mulheres Redesignadas (INAMUR)
Rede Nacional de Pessoas Trans Vivendo e Convivendo com o HIV (RNTTHP+)
Conexão Nacional de Mulheres Transexuais e Travestis de Axé
Associação Brasileira de Profissionais pela Saúde Integral de Travestis, Transexuais e Intersexos (ABRASITTI)
A exemplo do que temos feito desde 2014, com o monitoramento, pesquisa do perfil, publicação e veiculação com compromisso pela representatividade nas eleições, a ANTRA vem a público parabenizar as mais de 294 travestis, Mulheres transexuais e homens trans, demais pessoas trans que concorreram nas eleições 2020 pelo espírito de luta e de resistência que impuseram nessa batalha.
Para nós, todas/os vocês já são mais que vencedores e merecem o nosso mais profundo respeito.Saudamos de maneira muito especial as 30 pessoas Trans eleitas, representando um aumento de 275% de pessoas trans eleitas em relação a 2016 (mesmo pleito), e que a partir de agora terão o dever de se posicionar sobre a importância de visibilizar esses corpos nas câmaras municipais, e defender a nossa existência nos representando e atuando em prol de nossa população.
Representatividade é muito importante, mas projeto político, compromisso ético, conduta ilibada, atuação política, diálogo com os movimento populares e instituições da sociedade civil, e senso de compromisso social, são outros tão importantes quanto.
Nesse sentido, é muito importante uma estratégia progressista para que o fascismo não cresça e para que possamos seguir tendo conquistas de direitos da população LGBTI+. Sem negociação de nossas pautas e com a garantia da participação social. Lutando pelos direitos humanos, respeito a democracia e prezando pela laicidade do estado.
Temos a satisfação de receber cada pessoa eleita como uma vitória para toda a população trans e reafirmamos nosso apoio a todas aquelas que queiram dialogar conosco naquilo que for preciso, e a ANTRA se coloca a inteira disposição de vocês e dos vossos mandatos.
Lista das pessoas trans eleitas:
Thabatta Pimenta – PROS – Canauba do Dantas/RN
Linda Brasil – PSOL – Aracaju/SE
Duda Salabert – PDT – Belo Horizonte/MG
Maria Regina – PT – Rio Grande/RS
Lins Roballo – PT – São Borja/ RS
Benny Briolly – PSOL – Niterói/RJ
Erika Hilton – PSOL – São Paulo/SP
Gilvan Masferre – DC – Uberlândia/MG
Thammy Miranda – PL – São Paulo/SP
(Co-Vereadora)Carolina Iara – Bancada Feminista do PSOL – São Paulo/SP
(Co-vereador) Heitor Gabriel – PODE – Dialogue – Araçatuba/SP
(Co-vereadora) Rafa Bertolucci – PODE – Dialogue- Araçatuba/SP
Fernanda Carrara – PTB – Piraju/SP
São 16 candidaturas pela esquerda (6 PSOL, 4 PT, 4 PDT, 1 PV e 1 PSB), 11 pelo centro (1 PTB, 1 DEM, 2 PODE, 1 PROS, 1 AV, 4 MDB e 1 PSDB) e 3 pela direita (1 REP, 1 PL e 1 DC). Sendo 2 homens trans e 28 travestis e mulheres trans. Elegemos ainda a 1ª pessoa Intersexo do país e 7 candidatas como as mais votadas em suas cidades (Linda Brasil, Dandara, Tieta Melo, Lorim de Valéria, Duda Salabert, Titia Chiba e Paullete Blue). 23 no Sudeste, 2 no nordeste, 1 no Norte e 4 no sul. 41% não negras (pretas ou pardas)
É preciso acompanhar os mandatos e fortalecer a luta cotidiana que terão a partir de 1º de Janeiro, a fim de garantir um cenário de enfrentamento efetivo contra as forças obscurantistas que tem ocupado a nossa política. O Bolsonarismo foi derrotado também entre nós e seguiremos resistindo!
Avante na luta!
Aproveitamos para reforçar: NÃO ao atraso! NÃO ao sucateamento de nossas políticas! NÃO ao fascismo! NÃO ao bolsonarismo!
Niterói 16 de novembro de 2020
Keila Simpson – Presidenta da ANTRA
Bruna Benevides – Sec. de Articulação política Responsável pela Pesquisa das Eleições/2020
NOTA PÚBLICA CONJUNTA EM FORMA DE DENÚNCIA À POPULAÇÃO LGBTI+ BRASILEIRA E EM REPÚDIO A OMISSÃO DO ESTADO BRASILEIRO EM REUNIÃO SOBRE A PROTEÇÃO DAS PESSOAS LGBTI+ JUNTO AOS PAISES DO MERCOSUL
As instituições que assinam coletivamente essa nota vem a público chamar atenção da população LGBTI+ brasileira, assim como pesquisadores/ras, aliados/das, legisladores/ras e membros do judiciário, executivo e demais áreas de defesa dos direitos humanos que o BRASIL RECUSOU O USO DOS TERMOS IDENTIDADE DE GENERO, EXPRESSÃO DE GÊNERO E CRIMES DE ÓDIO contra a população LGBTI+ no plano de trabalho discutido em reunião na Comissão Permanente de Pessoas LGBTI com as mais altas autoridades em direitos humanos do MERCOSUL divergindo de países como Argentina, Uruguai e Paraguai sobre o tema.
É estarrecedor que no mesmo ano em que houve um aumento próximo de 70% nos casos de assassinatos de travestis e mulheres trans entre os meses de janeiro e agosto de 2020, em relação ao mesmo período do ano passado, o Brasil tome tal decisão ignorando que o Transfeminicídio é o assassinato sistemático da população trans motivado pelo ódio e repulsa à identidade e expressão de gênero. As pessoas trans são mortas por expressarem uma identidade de gênero divergente daquela que lhe foi imposta no nascimento e por fazerem isso publicamente. ,O Brasil segue triste liderança dos assassinatos contra pessoas trans no mundo nos últimos dez anos, sem que o estado brasileiro tenha tomado qualquer iniciativa para combater essa violência.
Na mais recente versão do Atlas da Violência, publicado pelo Fórum Brasileiro da Segurança Publica, fica nítido o descaso dos estados brasileiros com relação a vida das pessoas trans, quando percebe-se que 15 deles não fazem sequer levantamento de dados sobre violência lgbtifóbica e nenhum dos 26 estados mais o Distrito Federal trouxeram dados sobre assassinato das pessoas LGBTI+. Demonstrando, portanto, que a subnotificação e a negligência com a violência LGBTIfóbica segue presente no modo de atuação do governo.
O atual governo brasileiro não reconhece a cidadania da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres transexuais, homens trans e intersexos (LGBTI), pois além de não destinar recursos, ações e projetos em defesa da população LGBTI+, tem trabalhado incansavelmente para negar o seu acesso a direitos básicos, promovendo retrocessos nas conquistas de políticas pró-LGBTI.
Esse retrocesso e negação de direitos se vê especialmente o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que em sua gestão não promove políticas de enfrentamento a violências LGBTfóbicas e/ou de gênero – que vêm aumentando desde o inicio de sua gestão -; deslegitimando as evidências de vulnerabilidade desta população, além de extinguir as políticas públicas e canais de participação social que buscavam assegurar e reconhecer sua cidadania plena.
Entendemos que a gestão em vigor contraria os princípios consolidados no Estado democrático de direito e fere o artigo 5º da Constituição. Além disso está em desacordo com diversos tratados internacionais dos quais os Brasil é signatário, como os princípios de Yogyakarta, os princípios da Corte Interamericana de Direitos Humanos na Opinião Consultiva Nº 24, que tratam dos temas de identidade de gênero e a não discriminação de casais do mesmo sexo (CIDH, 2017), bem como as recomendações da própria ONU na defesa da população LGBTI.
Compreendemos que a omissão diante dos temas propostos na reunião da Comissão Permanente LGBTI+ na reunião do Mercosul estão relacionadas às inúmeras declarações LGBTIfóbicas, machistas e/ou racistas do Presidente e agentes do seu governo, bem como da própria Ministra Damares Alves, que disseminam, legitimam e autorizam diversas formas de violência contra a população LGBTI+. Identificamos correlações entre as declarações de ódio por parte do governo e o aumento dos casos de violências LGBTIfóbicas, assim como o uso do sintagma “ideologia de gênero” buscando fomentar pânico, medo e estigmas em relação à população de travestis e transexuais.
Vale ressaltar que a cada 48 horas uma pessoa transexual é barbaramente assassinada no Brasil e que nesse ano já temos mais casos que no ano de 2019 inteiro, ultrapassando 140 assassinatos. Ainda, segundo as mais recentes estimativas, acumulamos 82% de exclusão escolar de travestis e transexuais, panorama que aumenta a vulnerabilidade dessa população e favorece os altos índices de violência que estamos expostas no trânsito do dia-a-dia exatamente pelo ódio a nossa identidade de gênero. Não há como discutir um enfrentamento eficaz da violência especifica que essa população sofre sem nomeá-la ou instrumentalizar agentes do estado para termos dados sobre como a violência tem vitimado a população trans brasileira.
Fica nosso repudio público as inações e omissão do Ministério da Mulher, Família e Direitos humanos, que tem usado seus funcionários para se opor aos avanços das conquistas de direitos da população LGBTI+ e aqui repudiamos explicitamente aqueles que estiveram representando o Brasil na referida reunião assumindo o lado contrário da defesa dos direitos humanos da população trans, sendo eles: Marina Reidel – Diretora de Promoção de Direitos LGBT, Vitor Marcelo Almeida – Assessoria Especial de Assuntos Internacionais, Douglas Rodrigues – Coordenador de Assuntos Internacionais, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, e Daniel Leão da Divisão de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores.
Enquanto o sangue das Travestis, mulheres Transexuais, Homens trans e demais pessoas trans está nas mãos de vocês, seguiremos resistindo a vocês e a eles!
Brasil, 22 de outubro de 2020.
Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA)
Associação Brasileira LGBTI (ABGLT)
Fórum Brasileiro de Travestis e Transexuais Negras e Negros (FONATRANS)
Rede Nacional de Operadores de Segurança LGBTI+ (RENOSP-LGBTI)
Instituto Brasileiro de TransMasculinidades (IBRAT)
Conselho Nacional Popular LGBTI+
Liga Brasileira de Lésbicas (LBL)
Articulação Brasileira de Lésbicas (ABL)
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE)
Rede LésBi Brasil
Articulação Nacional de Psicólogas e Psicólogos LGBTI – ANP LGBTI
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
MONART – Movimenta Nacional de Artistas Trans
Rede Nacional de Lesbica, Trans e mulheres Bissexuais na Promoção a Saúde e Controle social para Políticas Públicas (Rede Sapatà)
Diretoria LGBT da UNE
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil CFOAB
Constante somos procuradas sobre dúvidas em relação para acesso ao processo transexualizador do SUS e sobre quais procedimentos temos garantido o direito, além do funcionamento e fluxo de atendimento.
Organizamos algumas informações, mas é imprescindível que todas as pessoas possam ler e acessar a Politica Nacional de Saúde Integral LGBTI do Ministério da Saúde e a própria portaria que instituiu o processo Transexualizador do SUS. Assim como a atualização do CID-11 que despatologizou as identidades trans.
Em 2006, o SUS introduziu, por meio da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, o direito ao uso do nome social, pelo qual travestis e transexuais se identificam e escolhem ser chamados socialmente – e não apenas nos serviços especializados que já os acolhem, mas em qualquer outro da rede pública de saúde. O Processo Transexualizador foi instituído em 2008, passando a permitir o acesso a procedimentos com hormonização, cirurgias de modificação corporal e genital, assim como acompanhamento multiprofissional. O programa foi redefinido e ampliado pela Portaria 2803/2013, passando a incorporar como usuários do processo transexualizador do SUS os homens trans e as travestis, tendo em vista que até então apenas as mulheres trans eram assistidas pelo serviço.
Não utilizamos o termos Afirmação de Gênero, pois partimos de uma ideia onde nenhuma modificação corporal (ou a ausência dela), apesar de serem importantes, definem nossa transgeneridade e que nosso gênero já está muito bem estabelecido quando optamos por qualquer mudança. Portanto, utilizamos o termo cirurgias de modificações corporais quando nos referirmos aos procedimentos cirúrgicos.
Você tem o direito de usar seu nome social
Antes de prosseguir você tem o direito de pedir para atualizar o seu cadastro com seu nome social e ele tem que ser garantido pelo SUS. Juridicamente, está sancionado desde 2009 por meio da Portaria nº 1.820 que estabeleceu a Carta Direitos dos Usuários do SUS. O inciso I do artigo 4º da carta aponta:
identificação pelo nome e sobrenome civil, devendo existir em todo documento do usuário e usuária um campo para se registrar o nome social, independente do registro civil sendo assegurado o uso do nome de preferência, não podendo ser identificado por número, nome ou código da doença ou outras 14 Conselho Nacional de Saúde formas desrespeitosas ou preconceituosas.
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012)
A criação do processo transexualizador do SUS sinaliza-se como importante avanço na universalização desta à população trans brasileira e uma grande conquista dos movimentos sociais. Contudo, a efetivação desse programa ainda coloca alguns desafios para gestores e trabalhadores do SUS. Mas especialmente pela população Trans, visto que ainda são poucos serviços e há questões que limitam o acesso a maior parte de nossa população.
O cuidado com a população trans é estruturado por dois componentes: a Atenção Básica e a Atenção Especializada. A Básica refere-se à rede responsável pelo primeiro contato com o sistema de saúde, pelas avaliações médicas e encaminhamentos para tratamentos e áreas médicas mais específicas e individualizadas.
A Especializada é dividida em duas modalidades: a ambulatorial (acompanhamento psicoterápico e hormonização) e a hospitalar (realização de cirurgias de modificação corporal e acompanhamento pré e pós-operatório).
Para todas as pessoas, a idade mínima para procedimentos ambulatoriais é de 18 anos. Para os hospitalares, ela aumenta para 21 anos. Qualquer indivíduo pode procurar o sistema de saúde público e é seu direito receber atendimento humanizado, acolhedor e livre de discriminação.
Até o momento, de acordo com o Ministério da Saúde, os únicos hospitais que podem realizar cirurgias de transgenitalização no Brasil pelo SUS são o Hospital das Clínicas de Porto Alegre, o HC da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia, o HC da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, o HC da Universidade de São Paulo e o Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro. Apenas três unidades fazem acompanhamento preventivo, com foco em crianças e adolescentes de 3 a 17 anos. Uma das unidades está na capital de São Paulo; outra, em Campinas; e a terceira, em Porto Alegre.
Para ter acesso aos serviços do processo transexualizador do SUS, é preciso solicitar encaminhamento na unidade básica de saúde mais próxima da sua residência. Os procedimentos mais procurados são a hormonização, seguidos de implantes de próteses mamárias e cirurgia genital em travestis e mulheres trans, assim como a mastecomia e histerectomia no caso dos homens trans. A faloplastia ainda é feita em caráter experimental no Brasil.
Importante atentar para as filas de acesso – que hoje variam em mais de 10 anos para a redesignação sexual, e buscar informações sobre os procedimentos necessários para acesso a tratamento fora de domicílio (TFD) pelo SUS, para aquelas pessoas que moram em cidades onde não hajam serviços especializados.
Requisitos básicos para acesso ao processo Transexualizador:
Maior de 18 anos para iniciar processo terapêutico e realizar hormonização;
Maior de 21 anos para cirurgias de redesignação sexual, com indicação médica; e
Necessidade de avaliações psicológicas e psiquiátricas durante um período de 2 anos, com acompanhamentos e diagnóstico final que pode encaminhar ou não a paciente para a cirurgia tão aguardada.
IMPORTANTE: A cirurgia plástico-reconstrutiva da genitália externa, interna e caracteres sexuais secundários não constitui crime de mutilação previsto no artigo 129 do código penal brasileiro, haja vista que tem o propósito terapêutico (RESOLUÇÃO CFM nº 1.652/2002)
• A adoção da nomenclatura médica da transexualidade como “incongruência de gênero” nos termos da atualização da CID feita pela OMS em junho de 2018;
• A previsão do Projeto Terapêutica Singular (PTS) que servirá para elaborar o conjunto de propostas terapêuticas articuladas do paciente, que deve ser objeto de discussão coletiva da equipe multiprofissional e interdisciplinar com participação de cada indivíduo e de seus responsáveis legais; .
• Para crianças e adolescentes na pré-puberdade: previsão somente do acolhimento e do acompanhamento por equipe multiprofissional e interdisciplinar; .
• Para crianças e adolescentes em puberdade: previsão da possibilidade de bloqueio hormonal que consiste na interrupção da produção de hormônios sexuais, impedindo o desenvolvimento de caracteres sexuais secundários do sexo biológico. Prática condicionada à anuência da equipe multiprofissional e do responsável legal do paciente;
• Para adolescentes a partir dos 16 anos: previsão da possibilidade da hormonoterapia cruzada que é a reposição hormonal na qual os hormônios sexuais e outros medicamentos são administrados nas pessoas trans para desenvolverem a feminização ou masculinização de acordo com a sua identidade de gênero. Prática condicionada à anuência da equipe multiprofissional e do responsável legal do paciente; • Previsão de realização de procedimento cirúrgico somente a partir dos 18 anos e com acompanhamento prévio mínimo de 01 ano por equipe multiprofissional e interdisciplinar; e .
• Avanço na cirurgia de metoidoplastia para homens trans que deixa de ter caráter experimental.
Contudo a portaria do SUS ainda não foi atualizada, onde os requisitos permanecem os mesmos da Portaria vigente.
Lembramos ainda sobre a necessidade de seguir atentas junto ao ministério da saúde, pois é lá que as recomendações precisam de fato ser homologadas para entrar em prática, e o cenário que temos naquele ministério é o pior possível. Visto os desmontes que temos acompanhado desde a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos, que congelou o investimento nas políticas de saúde, alem dos retrocessos e constantes ataques ao SUS.
ATENÇÃO: O Ministério da Saúde ainda não homologou a CID-11 ou atualizou os protocolos previstos na portaria do Processo Transexualizador, assim como ainda não homologou a resolução do CFM (mencionada ao longo do texto) que traz atualizações sobre o atendimento de saúde a população trans. Portanto, em uma nítida violação dos direitos trans e recomendações/normas previstas pela própria OMS.
Estamos trabalhando para mudar essa realidade, mas é provável que sigamos vendo exigências de laudos ou enquadramentos equivocados pelo CID-10.
Desta forma seguiremos na luta pela despatologização das identidades Trans, e o contra o ato médico sobre nossos corpos. Sempre em busca da garantia do respeito a autonomia do sujeito, sua autodeterminação e o acesso à saúde sem um viés biologizante ou genitalista.
Lista de unidades de saúde no Brasil
Centros de referência com atendimento ambulatorial e hospitalar (cirúrgico):
Hospital
Cidade
UFG – Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás
Goiânia/GO
UFRGS – Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Porto Alegre/RS
UFP – Hospital das Clínicas
Recife/PE
UERJ – Hospital Universitário Pedro Ernesto
Rio de Janeiro/RJ
FMUSP – Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina
São Paulo/SP
Ambulatórios do SUS:
Ambulatório
Cidade
CPATT – Centro de Pesquisa e Apoio a Travestis e Transexuais
Curitiba/PR
Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia
Rio de Janeiro/RJ
Hospital Universitário Professor Edgard Santos
Salvador/BA
Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS
São Paulo/SP
Ambulatório do Hospital das Clínicas de Uberlândia
Uberlândia/MG
Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes
Vitória/ES
Ambulatórios das redes de saúde estaduais:
Ambulatório
Cidade
Ambulatório Transexualizador da Unidade Especializada em Doenças Infectoparasitárias e Especiais
Belém/PA
Ambulatório de atenção especializada no Processo Transexualizador do Hospital Eduardo de Menezes
Belo Horizonte/MG
Ambulatório Trans do Hospital Dia
Brasília/DF
Ambulatório LGBT Darlen Gasparelli
Camaragibe/PE
Ambulatório de Saúde de Travestis e Transexuais do Hospital Universitário Maria Pedrossian
Campo Grande/MS
Centro de Saúde Campeche
Florianópolis/SC
Centro de Saúde Estreito
Florianópolis/SC
Centro de Saúde Saco Grande
Florianópolis/SC
Ambulatório de Saúde Trans do Hospital de Saúde Mental Frota Pinto
Fortaleza/CE
Ambulatório de Transexualidade do Hospital Geral de Goiânia Alberto Rassi
Goiânia/GO
Ambulatório para travestis e transexuais do Hospital Clementino Fraga
João Pessoa/PB
Ambulatório de Saúde Integral Trans do Hospital Universitário da Federal de Sergipe
Lagarto/SE
Ambulatório LGBT Patrícia Gomes, Policlínica Lessa de Andrade
Recife/PE
UPE, Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros
Recife/PE
Ambulatório LBT do Hospital da Mulher
Recife/PE
Ambulatório de Estudos em Sexualidade Humana do HC
Ribeirão Preto/SP
Ambulatório do Centro Estadual de Diagnóstico, Assistência e Pesquisa
Salvador/BA
Ambulatório trans do Hospital Guilherme Álvaro
Santos/SP
Ambulatório Municipal de Saúde Integral de Travestis e Transexuais
São José do Rio Preto/SP
Ambulatório AMTIGOS do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
São Paulo/SP
Ambulatório Roberto Farina, UNIFESP
São Paulo/SP
UBS Santa Cecília
São Paulo/SP
Ambulátorio de Saúde Integral de Travestis e Transexuais João W. Nery
O Festival Transmasculinizando surge fruto de uma reunião entre pessoas trans, no mesmo dia em que tivemos a notícia da partida do Demetrio. Onde um grupo de pessoas trans se formou e foi feita uma reunião online no dia 17 de maio, para discutir o suicídio entre a população Trans, e como desdobramento foi tirada a realização de um evento focado na visibilidade de homens trans e transmasculines, visto que foi consenso a urgência para a rearticulação e reorganização política de homens trans no cenário político nacional. Esta foi uma deliberação das 30 pessoas que participaram da reunião, onde haviam maioria de homens trans, negros e uma grande representação do nordeste.
E o uso da imagem do Demétrio foi sugerido e acatado por todas as pessoas, e passou a ser capa do grupo Politicas Trans BR no mesmo dia, visto que sua imagem representa a urgência desta discussão e sobre como homens trans, sua maioria negros e jovens, estão sendo violados pelo estado. Firmou-se um compromisso de que sua morte não seria esquecida por nós e que não iríamos esperar que outres fossem suicidados, visto que o suicídio de homens trans vem crescendo a cada ano.
No mesmo instante, colocamos a ANTRA a disposição para sermos facilitadoras deste processo, ajudar na organização e divulgação, e foi marcada uma outra reunião, a fim de que fosse construído um evento nos moldes do Travestilizando, realizado anteriormente pela ANTRA. E iniciamos um diálogo com pessoas transmasculinas que estavam protagonistas desta atividade e fomos pensando temas a partir do acumulo político que cada um tem nos assuntos propostos. O ponto principal do evento seria então um posicionamento ético-político, aliado a expertise de cada ume sobre pautas caras aos homens trans e pessoas Transmasculinas a fim de enfrentar as questões que impactam suas vidas. O objetivo seria uma exposição por parte de especialistas a fim de que pudéssemos contrapor pesquisas, desfazer mitos e tabus sobre os corpos trans.
Há pouco mais de uma semana para o evento, ainda tínhamos muitas pessoas que não haviam respondido o convite e outras que declinaram por questões pessoais ou por estarem construindo um outro evento. Ficando uma lacuna regional e de raça para ser preenchida, sem que abríssemos mão de outros marcadores que também fazem parte da diversidade de homens trans.
Assim, conseguimos agregar 15 homens trans com notória atuação em suas áreas, sendo negros e pardos, indígena, pais e avôs, moradores do interior do país e de todas as regiões, oriundos da periferia, desempregados, ativistas, artistas, pesquisadores, além de blogueiros e atores com grande alcance na mídia para visibilizar aqueles que o compõe o festival e alcançar o objetivo de trazer as pessoas que seguem estes convidados para conhecer os demais que compõe a lista. Além disso, aproximamos fundadores do movimento a novas lideranças e anônimos e famosos, em uma grande teia articulada para ocupar a rede durante 8h seguidas.
A participação da ANTRA se limitou a oferecer a experiência com a organização deste tipo de evento, o alcance nacional com redes de parceiras e afiliadas, para fortalecer as lutas trans. Para que não fossem invisibilizados ou preteridos ao realizar as lives em nossos perfis da redes social, e a fim de que a luta se convertesse em uma grande rede ampla para todes. Esta foi a estratégia pensada, para ampliar o alcance de cada ativista e potencializar as falas para além dos seguidores habituais de cada um. As lives acontecem nos perfis pessoais de cada expositor, que tem a liberdade de usar seu espaço e tempo como achar melhor.
Não temos nenhuma responsabilidade ou ingerência sobre o conteúdo, forma de uso do espaço ou o posicionamento de cada participante. E acreditamos que todes os participantes tem extrema relevância e representam apenas uma parte do que são os corpos transmasculines dissidentes. Tivemos dificuldade em incluir mais homens trans negros na programação e muito disso parte pelo racismo, pela invisibilidade e falta de acesso aos espaços de construção política, assim como a própria invisibilidade de homens trans negros no movimento LGBTI+ como um todo.
Diante disto, foi gerada uma onda de apontamentos sobre a pouca representatividade de homens trans negros, além do uso da imagem do Demétrio ter sido apontado como racista por se tratar de um homem trans negro e de como a dor da família seria potencializada ao ver sua foto exposta daquela forma. E tendo sido procuradas por diversas pessoas, tivemos uma reunião com familiares e amigues próximos ao Demétrio, a fim de reconhecer nossa atitude racista ao fazer uso de uma imagem publicada na internet e de propriedade da fotógrafa, além da pela falta de sensibilidade ao não pedir autorização para o uso da mesma aos familiares. E discutir formas de reparar o ocorrido, além de rever a prática racista do uso de imagens de pessoas pretas mortas amplamente utilizadas por todos nós.
Além disso, nos comprometemos a seguir apoiando a luta de homens trans, especialmente negros, fortalecer as redes de apoio e atenção as pessoas pretas, assim como a inclusão e fortalecimento destas pessoas nos espaços de construção política. E intensificar a luta antirracista em nossos espaços e na formulação de políticas que impactem a vida de todas as pessoas trans. Assim como a manutenção do festival como marcação de sua importância e dos homens trans que estão participando, e já tendo sido pensadas estratégias conjuntas para reparar e incluir mais homens trans negros na programação.
Pedimos desculpas especialmente a Sra Ivoni, pela dor que lhe causamos quando optamos por homenagear alguém que para nós representa muito, e por termos ignorado o sentimento de mãe, familiares e amigues que nos acolheram, foram atenciosos e nos ajudaram ver o erro cometido em uma reunião mediada pela Maria Clara Araújo, a quem somos gratas pela brilhante e sensível atuação. A pedido da família a foto do Demétrio será retirada de nossas redes, e fazemos um apelo a todes para que repensemos o uso das imagens de pessoas que se foram em nossa atuação.
A nossa luta não inicia neste evento e segue mais fortalecida para além dele com a aprendizado que pudemos construir coletivamente neste momento. Especialmente ao sinalizar novas formas de organização e a importância da atuação em rede de todas as pessoas que compõe nossa frente ampla de luta, para que o enfrentamento conjunto do racismo e da transfobia tragam êxitos a toda nossa população. Não acreditamos que a luta trans pertença a rede A ou instituição B, ou que ela se encerre nesta atividade. João Nery, Demetrio Campos, Thadeu Nascimento, Marielle, Ares e Saturno, Aghata, Miguel e outres, são faróis que representam nossa luta e a importância de seguirmos juntes.
Reafirmamos nosso compromisso enquanto instituição de luta pelo direito das pessoas trans, especialmente negras, que compõem nossa diretoria e estão atentas aos desafios que enfrentamos, e nos colocamos a disposição para agregar ainda mais a nossa atuação. Contem sempre com nosso apoio para visibilizar ações e iniciativas em prol de nossa coletividade e agradecemos todas as pessoas que nos procuraram por entender a importância de nosso trabalho e pretendem colaborar com ele.
Esta Nota foi lida e aprovada pela família do Demétrio.
COVID-19: campanha da Anistia Internacional e organizações parceiras cobra das autoridades medidas para garantir acesso adequado à saúde para populações vulneráveis
A Anistia Internacional Brasil lançou no dia 14 de maio de 2020, a campanha “Nossas Vidas Importam”, no contexto da pandemia de COVID-19, e faz um alerta às autoridades brasileiras para que nenhuma pessoa seja deixada para trás no combate à crise. Do favelado ao indígena, da pessoa em privação de liberdade aos quilombolas e comunidades tradicionais, dos profissionais da saúde ao trabalhador e trabalhadora informal, das mulheres (cis e trans), população LGBTQI+, refugiados, refugiadas e migrantes aos idosos, crianças e adolescentes desses diferentes grupos sociais, medidas concretas e urgentes precisam ser adotadas pelas autoridades federais, estaduais e municipais para minimizar os graves impactos da COVID-19. A organização destaca a atuação ativa e efetiva da sociedade civil, em contraste com as ações das autoridades.
“As medidas até agora adotadas pelas autoridades foram inadequadas. As necessidades de populações mais vulneráveis devem ser reconhecidas, pois, em suas realidades, marcadas pela desigualdade estrutural, elas já estão se mobilizando para diminuir os impactos da pandemia do novo coronavírus. São elas que, no cotidiano de privações e de ausências em políticas públicas, criam soluções. As autoridades devem elaborar medidas de mãos dadas com essas populações, para garantir que todos e todas possam ter os direitos humanos à vida e à saúde garantidos: moradores e moradoras de favela, mulheres, indígenas, LGBTQIs, especialmente pessoas trans, quilombolas, migrantes e refugiados, pessoas em situação de rua, pessoas em privação de liberdade, e idosos e idosas, crianças e adolescentes desses diferentes grupos, população negra e trabalhadores e trabalhadoras informais e autônomos”, afirma Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.
A pandemia de COVID-19 expõe as desigualdades no Brasil de maneira muito concreta. Dados da prefeitura de São Paulo apontam que o risco de morte por COVID-19 entre negros é 62% maior do que em brancos. Dados do Ministério da Saúde já indicam a letalidade maior entre a população negra: 1 em cada 3 pacientes mortos são pretos ou pardos.
Além disso, o número de mortes em favelas está aumentando; o contágio nas prisões, com celas superlotadas, pode aumentar; o contágio entre indígenas também
aumenta, em muitos casos, devido à presença de não-indígenas e pelo fato dos órgãos de proteção de direitos indígenas estarem fragilizados, além das invasões que aumentam nesta época de seca, o que torna a situação ainda mais preocupante; o contágio e as mortes de quilombolas também aceleram, e outras ameaças, como as de expulsão de seus territórios, não cessam; não existe uma política ampla voltada à população em situação de rua em meio a esta crise; os números de violência doméstica dispararam; e trabalhadores e trabalhadoras sem proteção social se aglomeram em filas, para receber o auxílio emergencial a que têm direito, pois não têm conseguido acessar as condições básicas para viver.
Durante a campanha, a Anistia Internacional e seus parceiros vão realizar uma mobilização nacional de pressão direta para cobrar das autoridades a adoção de medidas e buscar reuniões para apresentarem as necessidades das populações mais vulneráveis.
Em documento lançado junto com a campanha, a Anistia Internacional e organizações parceiras apresentam 7 grupos de medidas que devem ser adotadas pelas autoridades para garantir o acesso à saúde aos grupos sociais que estão mais vulneráveis diante desta crise.
São eles: Garantir a participação social; impedir o tratamento desigual e a discriminação; garantir informação e educação para saúde; garantir prevenção e cuidado para a população em privação de liberdade; garantir assistência social para todas e todos que necessitem; garantir assistência à saúde; cuidar das e dos profissionais do setor de saúde.
É a segunda vez consecutiva que o número de assassinatos de pessoas trans apresenta aumento este ano, revela o Boletim nº 02/2020 da ANTRA.
Brasil apresenta novo aumento consecutivo nos casos de assassinatos de pessoas trans em relação ao ano de 2019, desta vez no primeiro quadrimestre de 2020, mesmo no período de pandemia pelo coronavírus.
Em janeiro deste ano, mês da Visibilidade Trans, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA lançou o Dossiê dos Assassinatos e da Violência Contra Pessoas Trans Brasileiras[1]. Nesta 3ª edição, referente ao ano de 2019, chama atenção o fato de o Brasil continuar sendo o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. O país passou do 55º lugar de 2018 para o 68º em 2019 no ranking de países seguros para a população LGBT.
E apenas nos dois primeiros meses dos anos, entre 1/01 e 28/02/2020 (incluso ano bissexto em 2020), o Brasil apresentou aumento de 90% no número de casos de assassinatos em relação ao mesmo período de 2019. Em 2019 foram 20 casos no mesmo período, enquanto em 2020, 38 notificações. O Maior da série dos últimos quatro anos. Superando 2017, ano em que o Brasil apresentou o maior índice de assassinatos de sua história de acordo com o Altas da violência e anuário da segurança pública.
Seja pelas ações do governo ou ausência delas, demoramos demais a dar uma resposta efetiva ao COVID-19. As principais ações foram iniciadas pelos estados que se posicionaram contra a resistência do presidente que tem sido responsável por promover aglomerações[3] e incentivar manifestações para que o comércio, escolas e outras áreas voltem a funcionar, mesmo o Brasil não preenchendo nenhum dos requisitos previstos pela Organização Mundial de Saúde para retorno das atividades[4] e que, de acordo com especialistas, ainda não tenhamos alcançado o pico da infecção.
Acreditava-se que durante a pandemia do COVID-19, os índices de assassinato poderiam diminuir como aconteceu em outras parcelas da população[5], pela necessidade do isolamento social colocado em muitas cidades/estados. Mas quando vemos que o assassinato de pessoas trans aumentou, temos um cenário onde os fatores sociais se intensificam e tem impactado a vida das pessoas trans, especialmente as travestis e mulheres transexuais trabalhadoras sexuais, que seguem exercendo seu trabalho nas ruas para ter garantida sua subsistência, visto que a maioria não conseguiu acesso as políticas emergenciais do estado devido a precarização histórica de suas vidas.
E em referência aos meses de janeiro a abril, em 2017 tivemos 58 assassinatos, 63 em 2018 e 43 ocorrências em 2019. Percebemos assim o aumento de 49% de aumento nos assassinatos em relação ao mesmo período de 2019, e acima dos anos anteriores – 2017 e 2018, com 64 casos em 2020 conforme tabela abaixo.
Cabe ressaltar que todas as pessoas trans assassinadas até o momento são travestis e mulheres transexuais. No mesmo período tivemos ainda 11 suicídios, 22 tentativas de homicídio e 21 violações de direitos humanos. Além de 6 casos de mortes relacionadas ao COVID-19.
Isolando os meses de março e abril como referência para observar o período inicial da pandemia, observamos um aumento de 13% em relação ao mesmo período do ano passado, mesmo durante a crise sanitária provocada pelo COVID-19.
Mesmo diante deste cenário e da constante cobrança por parte dos movimentos sociais, não houve até o momento um único projeto específico de apoio à população LGBTI+ para o enfrentamento da pandemia e os dados apresentados, além de denunciarem a violência, explicitam a necessidade de políticas públicas focadas na redução de homicídios de pessoas trans, em especial para a proteção das trabalhadoras sexuais, que representam 90% da população trans, assim como o acesso as políticas de assistência, e outros fatores que colocam essa população como o principal grupo que tem suas existências precarizadas, expostas a diversas formas de violência, e a mortes intencionais no Brasil.
Os dados não refletem exatamente a realidade devido a política de subnotificação do estado e o aumento da mesma, assim como a ausência de dados governamentais, mas demonstram, a partir deste panorama, que o Brasil vem passando por um processo de recrudescimento em relação à forma com que trata travestis, mulheres transexuais, homens trans, pessoas transmasculines e demais pessoas trans. O que reforça a importância do nosso trabalho de monitoramento, incidência política e denúncias a órgãos internacionais, que desde seu início, tem se firmado como uma importante ferramenta na construção de dados e proposição de elementos que irão impactar a forma de combate a violência transfóbica em nossa sociedade.
Entre as ações e recomendações[6]que temos feito até aqui, estão o lançamento de diversas cartilhas[7], entre elas sobre como agir em casos de violência LGBTIfóbica, além de dicas de prevenção para profissionais do sexo durante o período do COVID-19, e recomendações sobre como agir em casos de violência doméstica neste período de isolamento social.
Recentemente a ANTRA encaminhou um documento contendo um panorama ampliado sobre a situação das pessoas LGBTI+ durante a crise sanitária do coronavírus, além de uma série de recomendações ao relator independente para a proteção contra a violência motivada por orientação sexual e/ou identidade de Gênero da ONU. Tem participado de Webnários internacionais com países da América Latina[8], Fóruns de debates e discussões sobre como enfrentar em período, mantendo a proteção e atuação das pessoas trans e dialogado com agencias e entidades internacionais sobre a situação do Brasil neste período.
Além do monitoramento de ações em prol da população trans em constante diálogo com outras redes parceiras, órgãos de classe, defensorias públicas estaduais e da união, a fim de contribuir para o acesso a renda básica emergencial e/ou campanhas para aquisição e distribuição de alimentos, kits de prevenção as IST/HIV/AIS, e materiais de higiene pessoal e de proteção ao COVID-19, lançados no Mapa da Solidariedade[9] em parceria com a ABGLT.