ANTRA reafirma centralidade do PAES Pop Trans em reunião do Comitê Técnico Nacional de Saúde LGBTIA+

Direitos e Política, Eventos, Saúde

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais, ANTRA, participou da reunião do Comitê Técnico Nacional de Saúde LGBTIA+, espaço institucional do Ministério da Saúde, estratégico para a formulação, acompanhamento e cobrança de políticas públicas voltadas à população LGBTQIA+. Indicada pelas entidades membras para representar a sociedade civil, a ANTRA teve sua participação na mesa de abertura conduzida pela psicóloga Sofia Favero, reforçando o compromisso histórico do movimento trans com a incidência política qualificada e baseada em evidências.

A abertura da reunião foi marcada pela reafirmação de que a presença dos movimentos sociais nesses espaços não é simbólica nem protocolar. Em um país que completa 18 anos consecutivos na liderança do ranking mundial de assassinatos de pessoas trans, segundo monitoramentos internacionais, decisões institucionais na área da saúde possuem impacto direto sobre a vida, a dignidade e a sobrevivência dessa população. A defesa do princípio “Nada sobre nós sem nós” foi reiterada como condição mínima para qualquer avanço real.

Durante a intervenção, a ANTRA destacou que a transexualidade deve ser compreendida como uma pauta de direitos humanos, e não como categoria médica ou agenda moral. Pessoas trans demandam cuidado integral, científico e baseado em evidências, com políticas públicas que enfrentem desigualdades estruturais e superem práticas patologizantes ainda presentes em parte das instituições do Estado.

Psicologa Sofia Favero representando a ANTRA na reunião

Nesse contexto, o PAES Pop Trans foi apresentado como a agenda prioritária e unificadora do movimento trans brasileiro. A ANTRA enfatizou que a ausência dessa política mantém ações fragmentadas, frágeis e vulneráveis a retrocessos, inclusive diante de disputas conservadoras que atravessam o próprio governo. O PAES Pop Trans é apontado como eixo estruturante para organizar fluxos de cuidado, acesso aos serviços, financiamento, produção de pesquisas, definição de orçamento e transparência, além de garantir alinhamento ao CID-11 e à perspectiva da despatologização, superando exigências abusivas como laudos e barreiras institucionais.

A entidade também cobrou posicionamentos objetivos do Ministério da Saúde. Um dos pontos centrais foi a solicitação de apresentação das evidências utilizadas pelo órgão para se manifestar ao Supremo Tribunal Federal afirmando que a Resolução do Conselho Federal de Medicina não causa danos à população trans. A ANTRA questionou como se sustenta tal afirmação sem a existência de pesquisas consistentes, especialmente no que se refere ao bloqueio puberal. Também foi questionado se haverá, de fato, a publicação de portaria e a implementação da política antes do próximo ciclo eleitoral, ou se o tema seguirá sendo adiado. Foi lembrado ainda que um ofício sobre o PAES Pop Trans, assinado por 19 instituições integrantes do comitê, permanece sem resposta oficial.

Além da política nacional, a ANTRA apresentou outras agendas relevantes para a saúde da população trans. Entre elas, a criação de um Grupo de Trabalho específico sobre silicone industrial, com foco em linhas de cuidado, protocolos de atendimento e incentivo à pesquisa para pessoas que vivem com complicações decorrentes do uso dessas substâncias. Também foi defendida a necessidade de editais do Ministério da Saúde para financiamento de pesquisas e para a realização de encontros e fóruns voltados a grupos específicos da população LGBTQIA+.

A ampliação das políticas de saúde sexual e reprodutiva também esteve no centro do debate. A ANTRA destacou lacunas no acesso à dignidade menstrual, a métodos contraceptivos como o implante hormonal e à garantia do aborto legal para homens trans, pessoas transmasculinas e não binárias que podem gestar, reforçando que a exclusão desses grupos revela falhas estruturais na formulação das políticas públicas.

Por fim, a entidade reiterou seu compromisso com o enfrentamento à desinformação e às narrativas antitrans que têm se infiltrado inclusive em conselhos profissionais. A ANTRA reafirma que ciência não pode ser instrumentalizada para legitimar exclusões e violências. Direitos se constroem com responsabilidade pública, participação social e compromisso ético com a vida.

ANTRA aciona o MPBA sobre o caso Rhiana e reflete transfobia institucional nos casos de Transfeminicídios

Direitos e Política, Justiça, Violência

Nos últimos anos, a ANTRA tem denunciado com firmeza a escalada da violência contra pessoas trans no Brasil, um país que insiste em ignorar os alertas e normalizar a barbárie. A radicalização dessa violência aliada a agenda antigênero não é fruto do acaso. Ela se alimenta da negligência institucional, do discurso de ódio que se espalha sem responsabilização, inclusive nas redes sociais e da ausência de políticas públicas estruturantes capazes de garantir, de fato, o direito de existir. Como consequência direta, assistimos a um cenário marcado por violações de direitos humanos, impedimentos de acesso a espaços públicos, espancamentos, discriminações sistemáticas, negação de serviços básicos e, de forma ainda mais brutal, mortes que poderiam ser evitadas.

O caso recente da jovem Rhiana Alves, na Bahia, expõe de maneira nítida esse cenário. Rhiana, uma jovem trans de 18 anos, foi assassinada com um golpe Mata-leão por seu algoz que levou seu corpo sem vida à delegadia, confessou o crime e foi liberado gerando grande repercussão nacional, além de indignação ante as omissões e transfobia institucional demonstrada no descaso com a vida de Rhiana. A soltura de um assassino confesso e a condução da delegacia responsável tem levantado questionamentos que precisam ser respondidos com urgência.

Diante dessa tragédia, a ANTRA reafirma seu compromisso institucional de não publicar ou replicar os casos de violência para obtenção de engajamento ou capital político. Nossa atuação se fundamenta na responsabilidade, no respeito às vítimas e na defesa de procedimentos adequados de investigação. Por isso, ao invés de contribuir para a circulação descontrolada de informações sensíveis, a entidade adotou as medidas formais cabíveis.

Protocolamos denúncia junto ao Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA), solicitando apuração rigorosa dos fatos, revisão das práticas adotadas pela autoridade policial envolvida e responsabilização imediata, caso sejam confirmadas irregularidades. Além disso, encaminhamos o caso à Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, solicitando acompanhamento direto e a cobrança de respostas do Governo do Estado da Bahia. Ainda, encaminhamos o caso ao Observatório de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Justiça (ODH/CNJ) pedindo que intervenha no caso.

Além de cobrar celeridade nas investigações e medidas urgentes para reparar essa grave violação, reforçamos que o caso de Rhiana não é isolado. Ele representa o cotidiano de milhares de pessoas trans, sobretudo travestis e mulheres trans que representam 96% dos casos de assassinatos contra pessoas trans no Brasil, e que enfrentam o medo diário de não serem reconhecidas como sujeitas de direitos. A violência não termina no ato em si: ela se prolonga na negligência, na falta de acolhimento, na ausência de políticas e na omissão daqueles que dizem defender “todas as mulheres”, mas que se calam diante da violência contra mulheres trans.

No último dia 7, uma grande mobilização nacional tomou as ruas em defesa da vida das mulheres. A pauta do feminicídio e da violência doméstica foi amplamente debatida, em um momento extremamente importante para o país. Entretanto, poucas foram as vozes que reconheceram que a misoginia e o feminicídio são, acima de tudo, sistemas de controle e apagamento de corpos. Esses mecanismos atingem mulheres cisgêneras, mas também recaem de maneira muito violenta sobre mulheres trans e travestis negras. Sempre que esse recorte é apagado, reforça-se a falsa ideia de que apenas um tipo de mulher merece proteção e aponta quais as que podem ser assassinadas. E é justamente essa lógica excludente que alimenta a violência que enfrentamos todos os dias.

Nesse contexto, o novo relatório da Transgender Europe (TGEU), publicado em novembro de 2025, trouxe dados devastadores, mas infelizmente esperados: pelo 18º ano consecutivo, o Brasil segue ocupando o primeiro lugar entre os países que mais assassinam pessoas trans e travestis no mundo. A posição é uma vergonha internacional e revela não apenas a violência explícita, mas também o fracasso do Estado brasileiro em garantir políticas de prevenção, investigação, responsabilização, proteção e reparação. Desde o início da publicação de dossiês pela entidade, a ANTRA vem registrando um aumento significativo de subnotificações, especialmente em regiões onde a violência LGBTfóbica é acompanhada de negligência institucional e baixa cobertura jornalística.

A ANTRA tem assumido protagonismo histórico no monitoramento e na produção de dados sobre esses assassinatos e violações, preenchendo lacunas deixadas pelo poder público. Nosso compromisso é resultado da urgência: se nós não contamos nossas mortes, ninguém contará. Mas não basta denunciar. Exigimos que o Estado assuma responsabilidade e implemente políticas efetivas de proteção às nossas vidas, com monitoramento, investimento, formação e responsabilização de agentes públicos que atuam de forma discriminatória.

A ANTRA seguirá atuando de maneira técnica, ética e comprometida com a proteção da vida e da dignidade da população trans, garantindo que cada violação seja tratada pelos órgãos competentes com a seriedade que a situação exige, reafirmando seu compromisso com a defesa da vida, da dignidade e da justiça para toda a comunidade trans. Continuaremos denunciando, produzindo dados, pressionando autoridades e mobilizando nossas redes até que este país finalmente reconheça que mulheres trans são mulheres e que nossas vidas importam.

Memória Trans: ANTRA lança Nota Técnica e revela como o Brasil ainda apaga identidades e nega dignidade póstuma a pessoas trans

Cultura, Direitos e Política, Justiça
Horizontal Transgender Day of Remembrance Banner with burning candles using trans pride colors on dark background, celebrated on November.

No mês da Memória Trans, a ANTRA lança uma Nota Técnica inédita que consolida um diagnóstico preciso e urgente sobre a dignidade póstuma de pessoas trans e travestis no Brasil. O documento reúne fundamentos jurídicos, casos emblemáticos e recomendações estruturantes para que o sistema de justiça, a segurança pública, os serviços funerários e as políticas de saúde incluam de maneira efetiva o respeito à identidade de gênero após a morte como um direito humano fundamental. A Nota Técnica sobre Dignidade Póstuma como Direito Fundamental: Garantias para Pessoas Trans e Travestis no Brasil nasce diante de um cenário de violações recorrentes que incluem apagamento institucional, omissões administrativas, desrespeito ao nome social, rituais fúnebres incompatíveis com a identidade vivida e dependência quase absoluta da judicialização.

Casos como o de Keron Ravache, criança trans assassinada aos 13 anos e enterrada sob o nome de registro; Lourival Bezerra, homem trans tratado como um “mistério” pela mídia mesmo após décadas reconhecido por sua comunidade; Alana Azevedo, velada com roupas e estética impostas para negar sua identidade; e Sissy Kelly, sepultada sem o nome social utilizado oficialmente, entre outros, ilustram como a morte segue acompanhada de violência simbólica e institucional. Esses exemplos reforçam que o problema não está apenas na ausência de lei, mas na persistência de práticas transfóbicas que atravessam o Estado e a sociedade.

A Nota Técnica sistematiza avanços jurídicos importantes, como o precedente da retificação post mortem no Rio de Janeiro, e iniciativas legislativas como a “Lei Victoria Jungnet”, no Distrito Federal, que já garantem a inclusão do nome social em documentos de óbito e homenagens públicas. Ainda assim, a falta de uma política nacional gera insegurança, despadronização e revitimização das famílias. Para o advogado e consultor jurídico da ANTRA Júlio Mota de Oliveira, responsável pelo portal Direito ao Nome, “a dignidade póstuma é a última oportunidade que o Estado tem de reparar, ainda que minimamente, uma vida marcada por exclusões. Se o direito ao nome e à identidade não é garantido nem no momento final, estamos diante de uma falha estrutural, não de casos isolados”.

O texto destaca também que o respeito à identidade de gênero após a morte deve ser compreendido como extensão dos direitos fundamentais da personalidade, da dignidade humana, da memória e do luto. Propõe medidas como simplificação dos mecanismos de uso do nome social, padronização nacional dos procedimentos cartorários, possibilidade de retificação direta na certidão de óbito, reconhecimento da legitimidade de entidades sociais para requerer retificação post mortem, gratuidade dos processos, respeito aos ritos fúnebres e mecanismos formais de registro de vontade da pessoa trans ainda em vida. Para a desembargadora federal Inês Virgínia, integrante da Comissão de Equidade de Gênero do TRF3, “garantir a dignidade póstuma é garantir a continuidade da personalidade. A Justiça não pode permitir que a morte seja utilizada como instrumento final de apagamento, porque memória também é um direito”.

Os desafios apontados são amplos: ausência de normativas uniformes, resistência institucional, desconhecimento dos profissionais de segurança e saúde, interpretações restritivas sobre nome social e a persistência da discriminação que atravessa todas as etapas do processo pós-morte. As recomendações incluídas na Nota Técnica tratam justamente de enfrentar essa estrutura, ampliando a formação de agentes públicos, fortalecendo marcos normativos e garantindo condições para que nenhum corpo trans seja submetido ao apagamento pós-morte.

O lançamento no mês da Memória Trans marca não apenas uma agenda simbólica, mas um compromisso público com a história e com o futuro. A Nota Técnica reforça que respeitar a identidade após a morte é reconhecer a humanidade em vida. E que democratizar esse debate dentro do Judiciário, da segurança pública e da saúde é essencial para romper com a lógica do “duplo assassinato” que persegue pessoas trans no país. O documento se apresenta como referência para orientar decisões, políticas públicas e práticas institucionais que afirmem, de forma definitiva, que vidas e memórias trans não podem mais ser apagadas.

Baixe a Nota Técnica sobre Dignidade Póstuma como Direito Fundamental: Garantias para Pessoas Trans e Travestis no Brasil a seguir:

ANTRA participa da Marcha das Mulheres Negras em Brasília

Cultura, Direitos e Política, Eventos
Foto: Carolina Iara e manifestantes na Marsha Trans BR 2025

A segunda Marcha Nacional das Mulheres Negras, marcada para 25 de novembro de 2025 com o tema Reparação e Bem Viver, retoma a força histórica da primeira edição realizada em 2015, que levou cerca de cinquenta mil mulheres a Brasília em um dos maiores atos já realizados pelo enfrentamento ao racismo e à violência de gênero no país. Nesta nova convocação, organizações negras de todo o Brasil se articulam em torno de pautas urgentes como a reparação histórica, a defesa da vida diante do avanço da violência contra mulheres negras, a proteção de direitos sociais atacados nos últimos anos e a afirmação do bem viver como horizonte político. A marcha acontece em um momento de disputas profundas sobre direitos humanos, democracia e políticas públicas, reunindo expectativas de forte mobilização nacional. A ANTRA integra esse movimento mobilizando travestis e mulheres trans negras filiadas e associadas, reconhecendo a marcha como espaço estratégico de acolhimento, resistência e construção coletiva de um projeto antirracista e de justiça social para todo o país.

Participar da Marcha das Mulheres Negras não é apenas estar ao lado de um dos movimentos mais potentes do país na defesa da vida, da dignidade e da liberdade das mulheres negras. É reconhecer esse espaço como ambiente histórico de acolhimento, construção política e sobrevivência para travestis e mulheres trans negras que sempre marcharam, mesmo quando o mundo fingia não vê-las. A Marcha segue sendo território seguro, de congregação e de afirmação de um projeto de país que recusa o genocídio, a exclusão e a violência institucional.

A presença da ANTRA na Marcha das Mulheres Negras em Brasília reafirma um compromisso que o movimento trans e negro tem construído ao longo dos anos. A ANTRA não adota o antirracismo como pauta isolada porque ele é parte fundante da nossa existência. Nossa atuação nasce, se organiza e avança a partir da certeza de que não existe luta trans possível sem enfrentar o racismo estrutural que define as condições de vida das pessoas trans negras no Brasil.

Neste ano, a ANTRA está orientando e incentivando travestis e mulheres trans negras filiadas, associadas e lideranças de todo o Brasil para marcharem em bloco, afirmando a centralidade da pauta racial na luta por direitos trans por reparação e bem viver. Fazemos isso porque nossa história mostra que emancipação trans e justiça racial caminham juntas. Não abrimos mão de afirmar que a vida das pessoas trans negras continua sendo atravessada por múltiplas violências, e que nossa resposta precisa ser igualmente múltipla, coletiva e organizada.

A seguir, apresentamos alguns de nossos compromissos prioritários como instituição antirracista, que orientam a nossa presença na Marcha e estruturam nossa atuação cotidiana:

  1. A maioria da população trans assassinada no Brasil é negra. A ANTRA denuncia sistematicamente que o genocídio trans tem recorte racial evidente. Este dado, produzido pela ANTRA desde 2017, é fruto do trabalho intelectual de uma travesti negra e nordestina que coordena nossos dossiês anuais de violência, Bruna Benevides.
  2. Travestis e mulheres trans negras são as mais vulnerabilizadas socialmente. Dados da ANTRA sobre sistema prisional, acesso à retificação e condições socioeconômicas mostram que o cruzamento entre racismo e transfobia empurra a população trans negra para maior pobreza, marginalização e exclusão institucional.
  3. A transfobia e o racismo operam de forma articulada. Não reconhecemos um cenário em que raça ou gênero atuem isoladamente. A transfobia em sua face mais brutal está profundamente ligada ao racismo, à misoginia e às violências estruturais que moldam a vida das pessoas trans negras.
  4. A base do movimento trans no Brasil é majoritariamente negra. A trajetória da ANTRA foi construída por travestis e mulheres trans negras desde 1993. São elas que deram origem, sustentação e direcionamento político ao movimento.
  5. Compromisso com a produção e visibilidade de lideranças negras trans. A ANTRA forma, fortalece e promove o protagonismo de travestis e mulheres trans negras em todos os espaços institucionais, políticos e sociais, priorizando suas participações em ações de formação e incidência.
  6. Antirracismo como eixo de formulação de políticas públicas. Nossa defesa de políticas em saúde, educação, renda, segurança e direitos passa necessariamente pelo reconhecimento do recorte racial como dimensão fundamental de equidade e reparação.
  7. Denúncia constante do racismo institucional. A ANTRA atua contra práticas racistas nos sistemas de justiça, segurança pública e saúde. Fomos a primeira organização trans a integrar o Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU com atuação em Genebra e Nova Iorque e seguimos denunciando o Estado brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos pelas violências contra a população trans negra. Em novembro de 2025, ANTRA apresentou contribuições ao Fórum Permanente da ONU sobre Afrodescendentes e denuncia o impacto do racismo e da transfobia na vida de pessoas trans negras no Brasil.
  8. Fortalecimento das organizações trans negras nos territórios. A ANTRA articula coletivos e associações lideradas por pessoas trans negras em todo o país e constrói alianças com organizações de mulheres negras e com o movimento negro como um todo.
  9. Produção de dados com recorte racial. Nossos relatórios e levantamentos evidenciam o impacto do racismo na vida da população trans e combatem a invisibilidade estatística que historicamente apaga nossas existências.
  10. Reconhecimento da ancestralidade negra como parte da identidade travesti e trans. A ANTRA afirma que a construção de um futuro digno passa pelo reconhecimento da memória, das raízes e do pertencimento das populações negras trans.

Ao marchar em Brasília, levamos mais que nossas bandeiras e corpos. Levamos nossas histórias, nossas lideranças, nossas dores e nossa potência. Marchamos porque a luta de travestis e mulheres trans negras é, e sempre foi, uma luta do movimento de mulheres negras. Marchamos porque a liberdade de uma só de nós depende da liberdade de todas. Marchamos porque a ancestralidade nos empurra para frente e nos lembra que a resistência é também forma de viver.

A ANTRA marcha por reparação e bem viver. A ANTRA denuncia. A ANTRA existe porque travestis e mulheres trans negras existem, criam caminhos e sustentam as bases da luta. E seguiremos marchando até que o país reconheça, respeite e repare as vidas trans negras que por tanto tempo foram tratadas como descartáveis.

ANTRA participa da posse de Edson Fachin no CNJ e reforça compromisso do Judiciário com direitos humanos e inclusão de pessoas LGBTQIA+

Direitos e Política, Eventos, Justiça

O Ministro Edson Fachin assumiu nesta semana a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em uma cerimônia que reafirmou o papel estratégico do órgão na coordenação, fiscalização e qualificação do sistema de justiça brasileiro. Criado para zelar pelo controle administrativo e disciplinar do Judiciário, o CNJ ampliou ao longo dos anos sua vocação para a defesa dos direitos humanos, a produção de normas estruturantes e a promoção de políticas públicas capazes de reduzir desigualdades históricas dentro e fora dos tribunais.

Sob esse horizonte, Fachin destacou que sua gestão buscará fortalecer agendas de equidade, diversidade e combate a violências institucionais – temas que já têm presença consolidada no CNJ, especialmente nas pautas LGBTQIA+. O Judiciário brasileiro avançou nos últimos anos em resoluções como a nº 270/2018, que regulamentou o uso do nome social, e a nº 348/2020, que reafirmou direitos de pessoas trans privadas de liberdade. Ambos os marcos contaram com incidência qualificada de organizações da sociedade civil, entre elas a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA).

A atuação do CNJ nessa agenda também se expressa por meio de seus espaços participativos, como o Fórum Nacional de Direitos e Políticas LGBTQIA+ do Poder Judiciário e o Observatório de Direitos Humanos do CNJ (ODH/CNJ) – instrumentos fundamentais de diálogo institucional, monitoramento de violações e formulação de propostas para enfrentar desigualdades estruturais. A ANTRA, junto a outras entidades, integra o Observatório como membra titular e teve papel central na construção da Resolução nº 348 sobre o sistema prisional, contribuindo para consolidar parâmetros nacionais de respeito à identidade de gênero.

Durante a cerimônia de posse, a entidade marcou presença de forma simbólica e política. Representando a ANTRA no ODH, Maluh Andrade entregou ao ministro Fachin o Dossiê ANTRA 2025, documento anual que compila dados sobre violações, assassinatos e desafios enfrentados pela população trans no país. A entrega reforça a importância da produção de dados e da incidência contínua da sociedade civil na construção de respostas institucionais robustas.

Maluh Andrade (ANTRA) com o Ministro Fachin

Além disso, a ANTRA protocolou junto ao novo presidente do CNJ uma proposta de cooperação com ações prioritárias para a comunidade trans, sintetizadas em três projetos estruturantes:
Mutirão Nacional de Regularização Documental, para ampliar o acesso à retificação de nome e gênero e reduzir desigualdades regionais;
Curso Nacional “Garantia Jurisdicional e Direitos das Pessoas Trans: Justiça, Gênero e Identidade”, destinado à formação de magistradas, magistrados e servidores/as sobre justiça de gênero e enfrentamento da transfobia institucional;
Proposta de Resolução CNJ reunindo diretrizes nacionais sobre dignidade, proteção e reconhecimento integral de pessoas trans no sistema de justiça, incluindo protocolos de atendimento, responsabilização e criação de comitê permanente.

As iniciativas, de baixo custo e alto impacto social, reforçam o papel do CNJ como indutor de políticas públicas e como guardião de princípios constitucionais como a igualdade e a dignidade humana.

Para a presidenta da ANTRA, Bruna Benevides, que abriu institucionalmente o diálogo com o CNJ e consolidou a participação da entidade nesses espaços, a posse de Fachin representa uma oportunidade de aprofundar compromissos democráticos:

“A presença da ANTRA no CNJ não é simbólica – é estratégica. Seguimos ocupando esses espaços com responsabilidade, rigor técnico e visão coletiva, porque sabemos que cada avanço institucional reverbera diretamente na vida das pessoas trans. A Justiça só será plena quando garantir dignidade para todas nós.”

Com a nova gestão, o CNJ inicia um ciclo que pode fortalecer a transversalidade dos direitos LGBTQIA+ no sistema de justiça e ampliar o compromisso do Estado brasileiro com políticas públicas inclusivas, fundamentadas em evidências, participação social e rigor democrático. A entrega do dossiê e as propostas apresentadas pela ANTRA indicam caminhos concretos para que esse compromisso se transforme em ações efetivas.

Maluh Andrade no CNJ

TDoR 2025: Brasil segue no topo da barbárie liderando assassinatos de pessoas trans

Justiça, Pesquisas, Violência

Dados recém-publicados pelo relatório Trans Murder Monitoring 2025 revelam um cenário aterrador para as pessoas trans e travestis no mundo — e, em especial, para o Brasil. Entre 1º de outubro de 2024 e 30 de setembro de 2025, foram reportados 281 assassinatos de pessoas trans e de gênero diverso. Dessas, cerca de 68% ocorreram na América Latina e Caribe e o Brasil se mantém na liderança desde 2008 quando iniciou a pesquisa, respondendo por aproximadamente 30% dos casos globais de homicídios dessa população.

Essa liderança nefasta publicada anualmente sem respostas fetivas expõe uma face cruel da interseção entre transfobia, racismo, misoginia e violência estrutural no país. O relatório registra que 88% das vítimas são mulheres trans ou pessoas transfemininas — ou seja, estamos falando de transfeminicídios e travesticídios. Além disso, 88% das vítimas se identificavam como negras ou pardas.

Os dados são publicados anualmente em alusão ao Dia da Memória Trans (Transgender Day of Remembrance – TDOR), celebrado em 20 de novembro, é uma data internacional dedicada a honrar a memória das pessoas trans assassinadas em razão da transfobia. Criado em 1999 por ativistas nos Estados Unidos, o dia é um marco de luto, resistência e denúncia, que chama atenção para a violência estrutural que segue ceifando vidas trans em todo o mundo, especialmente no Brasil, país que lidera esse ranking há mais de uma década.

Tendência alarmante: ativistas e lideranças em linha de tiro

O relatório destaca também uma mudança devastadora no perfil dos assassinatos: pela primeira vez, uma parcela significativa das vítimas são ativistas ou dirigentes de movimentos trans. No período observado, 14% dos homicídios envolveram ativistas ou líderes — ante 9% em 2024 e 6% em 2023.  O recado não poderia ser mais claro: à violência letal soma-se agora a perseguição direta àqueles e aquelas que se organizam, mobilizam e expõem a injustiça.

Para as travestis e mulheres trans no Brasil, esse dado reforça uma realidade urgente: não se trata apenas de homicídios isolados, mas de um padrão que visa silenciar as vozes que acolhem, articulam e denunciam. Como bem aponta o relatório, “cada ativista assassinada representa uma comunidade silenciada”. 

Locais, modos e invisibilização: os contornos da matança

Alguns dados adicionais ajudam a compreender o perfil e a escala do genocídio:
• Uma parte considerável das mortes ocorreu nas ruas
• Os métodos mais usados: armas de fogo em 44% dos casos, segundo o relatório.
• 75% das vítimas tinham menos de 40 anos. Sendo 24% entre 19 e 25 anos; 25% entre 26 e 30; e 26% entre 31 e 40. Chama atenção que 5% dos casos tinham menos de 18 anos.
• Uma queda no total de casos reportados (281 agora vs. 350 no ano anterior) não deve ser interpretada como avanço em segurança, mas como possível reflexo de sub‐notificação, invisibilização ou mudança na forma de cobertura pela mídia ou algoritmos de busca e redes sociais.

Por que somos o país símbolo da violência trans?

A permanência do Brasil no topo desse ranking revela que não se trata de fatalidade ou de “violência generalizada” sem especificidade: revela que existe uma estrutura — social, política, institucional — que tolera, invisibiliza e até mesmo legitima a matança de travestis e mulheres trans, especialmente negras ou periféricas. Os dados do relatório tornam explícito o cruzamento venenoso entre genocídio trans, racismo estrutural, violência de gênero e precarização social.

Os dados publicados novamente corroboram com o levantamento realizado pela ANTRA desde 2017 no país.Se 88% das vítimas são negras ou pardas e 90% são travestis ou mulheres trans, o que temos diante de nós é um ataque direto ao corpo e à existência das que ocupam o lugar mais vulnerável dentro da opressão. E se 14% das vítimas são ativistas ou líderes, então se mata quem ousa existir, quem ousa lutar e quem ousa denunciar.

Há quase uma década, a ANTRA realiza um trabalho contínuo e rigoroso de monitoramento e denúncia da violência contra pessoas trans no Brasil, por meio da publicação anual do “Dossiê dos Assassinatos e da Violência contra Travestis e Transexuais”, documento reconhecido nacional e internacionalmente como uma das principais fontes sobre o tema. Essa produção sistemática de dados tem sido fundamental para incidir junto a órgãos do Estado, organismos multilaterais e instâncias internacionais de direitos humanos, denunciando o caráter estrutural da transfobia no país e exigindo investigações efetivas, políticas de proteção e medidas concretas de enfrentamento à violência. O dossiê da ANTRA se tornou, assim, uma ferramenta política e de memória coletiva, que transforma dor em denúncia e resistência em instrumento de justiça.

O que cabe agora ao Estado, à sociedade e à ANTRA

O relatório da TGEU indica caminhos:
• Estabelecer legislação de crime de ódio ou qualificação agravada que proteja explicitamente pessoas trans e travestis; 
• Investir em formação de políticas públicas de proteção, com recorte interseccional (raça, classe, gênero); 
• Apoiar lideranças e organizações que enfrentam esse genocídio com estrutura, financiamento, segurança e visibilidade; 
• Romper imediatamente com a criminalização do trabalho sexual como mecanismo que expõe ainda mais vulnerabilizadas da população trans. 

Para a ANTRA, esses dados reforçam o dever de urgência: não podemos esperar que mais 30% das mortes globais continuem a suceder em solo brasileiro enquanto nossa pauta aparece nas margens. É hora de visibilizar — com todas as letras — esse genocídio travesti-trans, exigir responsabilização, exigir mudança de atitude estatal e cultural, e mobilizar a sociedade para que existamos com dignidade.

O Brasil lidera invicto, lamentavelmente, o ranking mundial de assassinatos de pessoas trans e de gênero diverso — e isso por quase duas décadas seguidas. A presença crescente de ativistas entre as vítimas sinaliza que a violência não mira apenas corpos vulneráveis, mas também voz, organização, resistência. A interseção entre misoginia, racismo, transfobia e precariedade social revela o caráter estrutural desse ataque.

A ANTRA reafirma: vidas trans importam. E importarão ainda mais se transformarmos esses números em mobilização, denúncia e ação concreta. O silêncio fatal deve dar lugar à urgência política e ao compromisso ético com as vidas que insistem em existir.

Estudo revela a reorganização de correntes feministas transfóbicas e sua articulação com o ultraconservadorismo

Direitos e Política, Justiça, Pesquisas

“Fronteiras Borradas” revela a expansão de feminismos essencialistas e sua confluência com a política antigênero no Brasil.

Grupo Antitrans For Women Scotland

Uma nova pesquisa conduzida pelo Observatório de Sexualidade e Política (SPW), em parceria com o Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT+ da UFMG (NUH/UFMG) e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), lança luz sobre um fenômeno inquietante: o avanço e a reorganização de correntes feministas essencialistas e transfóbicas no Brasil e sua crescente articulação com a extrema direita. O relatório, intitulado “Fronteiras Borradas: Movimentos Feministas e de Mulheres e Política Antigênero no Brasil”, contou ainda com o apoio da Ação Educativa, Cladem Brasil, Criola, Ipas Brasil e da campanha Nem Presa Nem Morta.

O estudo traça um panorama minucioso sobre a atuação dessas correntes, que têm ganhado projeção desde 2013, quando o debate sobre “ideologia de gênero” emergiu no cenário político. Combinando revisão de literatura, análise de redes sociais e entrevistas com ativistas e pesquisadoras, o relatório mapeia como esses grupos se estruturaram e se infiltraram em espaços de formulação política e de opinião pública, borrando as fronteiras entre campos ideológicos antes antagônicos.

De acordo com a pesquisa, as correntes feministas essencialistas — que negam o reconhecimento das identidades trans e defendem uma noção biologizante de mulher — passaram a se articular de forma mais intensa com atores do ultraconservadorismo e da extrema direita, sobretudo após a derrota de Jair Bolsonaro em 2022. Essa nova configuração, observa o relatório, revela uma tentativa de reocupação de espaço político e simbólico por meio do discurso antigênero, agora travestido de “defesa das mulheres”.

Para Sonia Corrêa, pesquisadora do SPW, compreender esse processo é crucial para enfrentar o avanço do autoritarismo travestido de feminismo.

“Essas correntes essencialistas têm operado um verdadeiro sequestro semântico do feminismo. Ao reivindicarem a bandeira dos direitos das mulheres, elas apagam décadas de luta por justiça de gênero, transformando o conceito de mulher em um instrumento de exclusão e ataque. É fundamental que os feminismos progressistas compreendam essa disputa e respondam a ela com rigor político e teórico”, afirma Corrêa.

A investigação mostra que, a partir de 2015, esses grupos ampliaram sua influência, especialmente ao se posicionarem contra a Lei de Alienação Parental, aproximando-se de setores conservadores que exploram a pauta da “proteção da infância” e dos “direitos maternos”. Essa convergência consolidou laços com figuras e instituições da extrema direita, que passaram a legitimar e a amplificar seus discursos. Durante o governo Bolsonaro, algumas dessas vozes chegaram a ocupar espaços estatais e a influenciar políticas públicas voltadas às mulheres.

Contudo, foi no pós-2022 que o campo essencialista se adensou e adquiriu contornos institucionais mais definidos, com a criação de organizações e plataformas que reproduzem a retórica antigênero sob a fachada de movimentos feministas independentes. A análise de redes sociais realizada pelo estudo revelou um emaranhado de conexões que atravessam o espectro político — da esquerda à ultradireita —, demonstrando como a fluidez dessas relações tem provocado confusão dentro dos próprios feminismos.

O relatório também destaca o efeito corrosivo desse fenômeno nas lutas por direitos LGBTQIA+, especialmente no que diz respeito à desinformação e ao incitamento à transfobia. Segundo o estudo, a amplificação dessas vozes nas redes e na mídia tem produzido uma atmosfera de hostilidade crescente contra pessoas trans, ao mesmo tempo em que reabre disputas internas sobre quem tem o direito de falar em nome do feminismo.

A presidenta da ANTRA, Bruna Benevides, ressalta que o enfrentamento a esse movimento exige lucidez política e solidariedade entre os campos progressistas.

“O essencialismo que nega a existência das pessoas trans não é um debate teórico: é uma estratégia de poder. Ao se alinhar à extrema direita, essas correntes passam a ser cúmplices de um projeto autoritário que quer retroceder em todos os direitos. O desafio é reconstruir pontes e reafirmar que o feminismo verdadeiro é aquele que inclui, não o que exclui”, afirma Benevides.

A pesquisa também apresenta dois estudos de caso emblemáticos. O primeiro analisa os ataques sistemáticos ao Ministério das Mulheres desde sua recriação em 2023, com campanhas digitais e articulações que visam deslegitimar a atuação da pasta. O segundo examina a polêmica em torno da missão da Relatora Especial da ONU sobre Violência contra Mulheres e Meninas, cujo adiamento foi marcado por controvérsias relacionadas a vínculos da relatora com o campo essencialista.

O relatório lançado após a publicação do Dossiê Matria aprofunda a investigação ao expandir o foco para o ecossistema mais amplo de feminismos essencialistas no Brasil, revelando como tais correntes se articulam politicamente com a extrema direita e alerta que, embora essas correntes representem uma minoria dentro dos feminismos, sua capacidade de articulação e infiltração as torna um vetor poderoso de desinformação e polarização. Nesse cenário, a defesa dos direitos humanos e a preservação dos avanços conquistados nas últimas décadas dependem de uma reação articulada entre movimentos feministas, academia e sociedade civil.

Em tempos de recrudescimento do conservadorismo e de tentativas constantes de retrocesso, “Fronteiras Borradas” é um convite à vigilância e à reconstrução do diálogo entre os feminismos. Mais do que um estudo, o relatório funciona como um alerta sobre o risco de confundir discursos libertários com projetos de exclusão. Ao iluminar as zonas cinzentas desse embate, ele reafirma que a luta por igualdade de gênero só é legítima quando reconhece e defende todas as formas de existir.

Acesse e baixe a seguir o Relatório Final da pesquisa “Fronteiras Borradas: Movimentos Feministas e de Mulheres e Política Antigênero no Brasil”.

Novembro Trans Negro: ANTRA envia à ONU denúncia sobre o impacto do racismo e da transfobia em pessoas trans negras no Brasil

Direitos e Política, Eventos, Justiça

ANTRA apresentou contribuições ao Fórum Permanente da ONU sobre Afrodescendentes e denuncia o impacto do racismo e da transfobia na vida de pessoas trans negras no Brasil

Ministra Anielle Franco fala no Fórum Permanente sobre pessoas Afrodescendentes (PFPAD)

No mês da Consciência Negra e da Memória Trans, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) apresentou à Organização das Nações Unidas (ONU) um documento com contribuições para o 5º Período de Sessões do Fórum Permanente sobre Pessoas Afrodescendentes, destacando a urgência de enfrentar o racismo e a transfobia que atravessam de forma brutal as vidas de travestis e mulheres trans negras no Brasil.

No texto, a ANTRA denuncia o genocídio trans e racial em curso no país: somente em 2024, foram registradas 122 assassinatos de pessoas trans, sendo 96% de travestis e mulheres trans negras e pobres. O documento também aponta os altos índices de desemprego e vulnerabilidade socio-econômica, evidenciando que apenas uma em cada cinco mulheres trans tem emprego formal (IPEA), e que as mulheres trans negras chegam a receber até 80% menos que as brancas. Na saúde, a prevalência de HIV entre travestis e mulheres trans ultrapassa 40%, reflexo da ausência de políticas públicas integradas, do racismo institucional e do estigma persistente.

A entidade também chama atenção para o impacto do racismo e da transfobia ambiental, ressaltando como desastres climáticos e operações policiais afetam desproporcionalmente pessoas trans negras em favelas e periferias, agravando o ciclo de violência e exclusão. Diante desse cenário, a ANTRA cobra que o Estado brasileiro avance na ratificação e implementação da Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância, ainda pendente, como passo essencial para o fortalecimento da resposta institucional à discriminação.

Entre as recomendações apresentadas, a ANTRA propõe: a adoção de políticas de reparação econômica e cotas trans em concursos, universidades e vagas de emprego; o fortalecimento da saúde integral com acesso à PrEP, atenção em saúde mental e à saúde transespecífica; a produção de dados desagregados por identidade de gênero na segurança pública; e a implementação de políticas de segurança e justiça ambiental, racial, de gênero, reprodutiva e econômica com perspectiva interseccional.

Ao levar essas pautas à ONU, a ANTRA reafirma a interdependência entre as lutas antirracista e antitransfóbica e reforça a urgência de políticas que reconheçam a vida de pessoas trans negras como central na defesa dos direitos humanos. Em um mês que une memória, resistência e futuro, a organização reitera que não há justiça social possível sem enfrentar as desigualdades que marcam os corpos negros e trans no Brasil.

Compromisso na luta antirracista

A ANTRA reafirma que a luta antirracista não é uma pauta entre outras, mas o próprio alicerce de sua existência e atuação política. Ser antirracista, para a entidade, é reconhecer que não há luta trans possível sem o enfrentamento direto ao racismo estrutural, pois as violências que atingem pessoas trans negras são atravessadas pela intersecção entre transfobia, racismo e desigualdade social. Nesse sentido, a organização destaca compromissos prioritários que orientam sua prática institucional, entre eles: a denúncia do genocídio da população trans negra, o fortalecimento de lideranças negras trans, a produção de dados com recorte racial, o combate ao racismo institucional e o reconhecimento da ancestralidade negra como parte da identidade travesti e trans.

Além disso, em agosto de 2022, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) realizou o “Encontro Nacional dos 30 anos de Luta Trans” em Niterói/RJ, onde entregou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por meio da relatora Margarette Mac Aulay, a “Carta aberta sobre a situação da população de travestis e transexuais negra brasileira”. O documento denunciou o quadro alarmante de violência, exclusão e mortalidade entre travestis e mulheres trans negras, pressionando o Estado brasileiro a adotar políticas afirmativas, coletar dados desagregados e reconhecer a interseção entre racismo e transfobia como vetor central da crise.

A ANTRA foi a primeira entidade trans a participar e falar no Fórum Permanente sobre Pessoas Afrodescendentes da ONU em sua primeira sessão, em Genebra/2022. Veja aqui a fala da Presidenta da ANTRA Bruna Benevides na 1a Sessão do PFPAD:

Contra a Transfobia: LGB cis antitrans foram retirados da Conferência Nacional LGBTQIA+

Direitos e Política, Justiça

A 4ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, realizada em Brasília, foi palco de um episódio que escancara os desafios ainda presentes mesmo nos espaços criados para garantir a diversidade e a inclusão. Delegadas e delegados protocolaram um requerimento formal solicitando o descredenciamento representantes acusados de condutas transfóbicas reiteradas e contrárias aos princípios da Conferência e dos direitos humanos. A denúncia foi acolhida e resultou na retirada definitiva do espaço deliberativo, em decisão amplamente ratificada pela plenária com aplausos e manifestações de apoio às pessoas trans.

O documento entregue à Comissão Organizadora denuncia que haviam pessoas promovendo assédio antitrans, tumultos, constrangimentos e disseminando discursos trans-excludentes em grupos de trabalho para a construção de propostas, além de tentar propor moções com o objetivo de suprimir direitos garantidos às pessoas trans e defender a retirada da letra T da silga LGBTQIA+. As falas e movimentações denunciadas ultrapassaram o campo da liberdade de expressão e do debate democrático: foram manifestações abertamente discriminatórias e desumanizadoras, atentando contra a dignidade de participantes trans e não binárias, e ferindo o caráter seguro, plural e inclusivo da Conferência.

Com base no artigo 2º, §3º, inciso IV do Regimento Interno, os denunciantes lembram que não são admitidas “propostas, moções ou manifestações de quaisquer tipos de caráter LGBTQIAfóbico”, reafirmando o princípio do não retrocesso em matéria de direitos humanos. A decisão da Comissão Organizadora em descredenciar as pessoas denunciadas, apoiou-se também no compromisso de não permitir que ideais que pretendem isolar, marginalizar, silenciar, excluir ou perseguir pessoas trans não são vem vindas, considerando sobretudo a Constituição Federal, que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e veda qualquer forma de discriminação, e nos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil que versam sobre a proteção da identidade de gênero. O documento cita ainda o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que reconhece a homotransfobia como crime de racismo.

A Conferência, espaço construído para consolidar políticas públicas inclusivas, não pode ser terreno para discursos que negam a autodeterminação de gênero ou reduzem o conceito de gênero a critérios biológicos e essencialistas — argumentos do movimento antigênero e retórica da extrema direita. Nesse contexto, torna-se essencial compreender o papel de grupos como a LGB Alliance, organização que se apresenta como defensora dos direitos de gays, lésbicas e bissexuais, mas que na prática promove uma agenda voltada à negação da identidade de gênero e à exclusão das pessoas trans; ou ainda da mátria – entidade que tem como pauta única atacar os direitos trans ou gays com bolsonaro, que representam verdadeira contradição considerando os retrocessos promovidos pelo governo fascista do inelegível em matéria dos direitos humanos, especialmente de LGBTQIA+.

Como aponta Bruna G. Benevides, “a Alliança LGB é um grupo que se pretende maior do que realmente é, e que defende critérios biológicos para definir homens e mulheres e suas orientações sexuais, negando a existência de pessoas trans ou qualquer possibilidade de reconhecimento da identidade de gênero”. Esse posicionamento essencialista — que reduz gênero ao binário fixo e ao sexo biológico — não soma à luta por direitos humanos, mas ataca diretamente a presença digna das pessoas trans nos espaços de participação política. Esses agentes articulam-se com grupos conservadores e se utiliza de discursos supostamente feministas ou “internos ao movimento LGB-cis” para legitimar uma pauta antitrans, contribuindo para a desmobilização das lutas reais dos movimentos LGBTQIA+ e legitimando formas latentes de transfobia. Essa estratégia, como analisa Benevides, é a de um “cavalo de Tróia dentro do arco-íris”, ao buscar manter uma imagem hegemônica cisgênera como figura central da representação LGBTQIA+, ferindo não apenas a ética da inclusão, mas também traindo a historia da luta por liberdade corporal, sexual e de gêneros, além dos tratados internacionais e decisões que garantem o direito à identidade e à autodeterminação de gênero.

Essas articulações revelam um projeto político de retrocesso: grupos que se apresentam como defensores de “valores originais do movimento LGBT”, mas que, na prática, operam como braços do ecossistema antigênero, com alianças obscuras junto à extrema direita. Não por acaso, parte desse segmento esteve entre os 29% da população LGBTQIA+ que votou em Jair Bolsonaro em 2018, segundo dados do Instituto Locomotiva, endossando um governo que sistematicamente atacou pessoas trans, mulheres e povos indígenas.

Por isso, a decisão da Conferência não representa censura, mas proteção. Proteger pessoas trans de ataques em um espaço que deveria acolhê-las é uma medida ética e política indispensável. A exclusão das pessoas reafirma o compromisso da Conferência com o respeito à diversidade e à dignidade humana, garantindo um ambiente seguro para todas as existências, conforme pediram as delegadas signatárias do requerimento.

Durante a plenária, o anúncio do descredenciamento foi recebido com aplausos e palavras de apoio às pessoas trans, ecoando o espírito coletivo de resistência e solidariedade que marcou o evento. A ministra Macaé Evaristo, em sua fala de abertura, já havia enfatizado que não há luta por direitos humanos sem as pessoas trans, posição reiterada por Symmy Larrat, secretária nacional LGBTQIA+, por representantes governamentais e pela sociedade civil.

A Conferência deixou um recado inequívoco: não há espaço para discursos de ódio disfarçados de divergência política. Quem tenta excluir pessoas trans do debate não está propondo rupturas — porque nunca esteve verdadeiramente ao lado da luta LGBTQIA+, do feminismo, das lutas antirracistas ou da democracia. A defesa da diversidade é inegociável, e o Brasil segue dizendo, com coragem e lucidez: nenhum passo atrás nos direitos humanos e na defesa dos direitos trans.

ANTRA envia carta à UFRJ e à UFMG pedindo a aprovação das cotas para pessoas trans

Direitos e Política, Educação, Justiça

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) enviou, nesta semana, cartas oficiais às reitorias da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que têm previsão de votar, no dia 30 de outubro, a criação de cotas específicas para pessoas trans e travestis em seus processos seletivos de ingresso.

Nas cartas, a ANTRA parabeniza as universidades pela coragem política de pautar o tema em meio a um contexto nacional de ataques conservadores às políticas de equidade, e reafirma a urgência e o caráter reparador das cotas trans como instrumento de enfrentamento às desigualdades históricas que excluem travestis, mulheres e homens trans da educação superior.

O documento destaca que a implementação das cotas não é uma concessão, mas uma resposta justa a séculos de exclusão estrutural, e recorda que a presença trans nas universidades enriquece o ambiente acadêmico, amplia perspectivas e impulsiona a produção de conhecimento comprometido com a democracia, a diversidade e a dignidade humana.

A carta também faz referência à Nota Técnica publicada pela ANTRA, que reúne orientações práticas e fundamentos científicos para a criação de políticas afirmativas voltadas a pessoas trans e travestis, com recomendações sobre mecanismos de autodeclaração, acompanhamento institucional e medidas de permanência estudantil. O documento tem sido utilizado por diversas instituições de ensino superior como referência técnica para formulação de políticas inclusivas.

Em outro ponto, a ANTRA alerta que, embora existam movimentações ultraconservadoras que busquem questionar a base das cotas trans, dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e decisões de diversos tribunais de justiça estaduais têm reconhecido a legitimidade científica e jurídica dessas ações afirmativas. A entidade ressalta sua própria participação ativa na produção intelectual e científica sobre a população trans, em parceria com grupos de pesquisa e universidades, cujos estudos têm corroborado a eficácia e a necessidade dessas políticas.

Por fim, a ANTRA conclama pela aprovação das cotas em ambas as universidades e pela instituição de políticas transversais de permanência, segurança, cuidado individual e coletivo para as pessoas que ingressarem por meio dessas ações afirmativas, reforçando que o acesso deve vir acompanhado de acolhimento e condições reais de continuidade e sucesso acadêmico.

“A universidade que se abre à diversidade é também a universidade que escolhe o futuro — e esse futuro é trans, plural e comprometido com a dignidade humana”, destaca Bruna Benevides no texto da carta.

Com o envio dos documentos à UFRJ e à UFMG, a ANTRA reafirma seu papel histórico como articuladora e guardiã das pautas de equidade e inclusão, sobretudo na educação, e convoca as universidades públicas brasileiras a assumirem o protagonismo na consolidação de uma educação verdadeiramente democrática, diversa e transformadora.