A Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA – vem a público se posicionar sobre episódios ocorridos durante a 5ª Conferência Nacional de Mulheres, realizada em Brasília, entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro de 2025.
O primeiro deles, é que nossa presença na abertura da conferência, com visibilidade e direito a fala, além de um dos momentos mais comentados da conferência, foi fruto de decisão coletiva do CNDM, espaço de participação social que organizou a conferência junto ao Ministério das Mulheres e nos deu a missão – que assumimos com muita honra – de representar vozes diversas.
As entidades trans que atualmente integram o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres foram democraticamente eleitas, figurando entre as mais votadas. Sendo titulares a ANTRA e o FONATRANS, além do INAMUR como suplente.
A ANTRA, primeira organização trans a ocupar este colegiado, conquistou sua cadeira pelo voto direto das participantes da sociedade civil em processo eleitoral, tendo cumprido todos os requisitos exigidos, assegurando legitimidade e reconhecimento de sua relevância histórica na luta pelos direitos das mulheres trans e travestis junto aos feminismos no Brasil.
É necessário reforçar que todas as representantes trans e travestis presentes na Conferência foram eleitas em suas respectivas etapas municipais e estaduais, chegando à plenária nacional com pleno respaldo das próprias delegações de mulheres. Sua presença, portanto, não apenas reflete a legalidade do processo conferencial, como também reafirma a importância política e social de suas trajetórias para o fortalecimento da luta das mulheres no país.
Lamentamos que pessoas ligadas a grupos transexcudentes, mesmo presentes na conferência, se digam boicotadas ou impedidas de participar, e estejam tentado distorcer os acontecimentos para produzir narrativas de vitimização e fomentar hostilidade contra mulheres trans e travestis, incitando ódio, publicando mentiras e manipulando a realidade dos fatos para promover agitação nas redes sociais.
Esses ataques, tanto às pessoas trans quando ao CNDM e o MM, embora não sejam uma novidade, não refletem a realidade da Conferência, que foi marcada por diversas manifestações legítimas de diversos segmentos sociais.
Entre elas, destacamos a marcha realizada na Alameda das Homenageadas, em que vozes trans se levantaram contra a transfobia estrutural que faz do Brasil o país que mais mata mulheres trans no mundo — uma realidade que impacta diretamente a saúde, a dignidade e a expectativa de vida de nossa comunidade.
As mulheres participantes da Conferência deixaram evidente que não há espaço para posturas excludentes ou manipuladas por interesses da extrema-direita.
As mulheres trans e travestis não foram rejeitadas: foram acolhidas, reconhecidas e legitimadas pelas próprias mulheres presentes. A rejeição recaiu sobre agentes que promovem segregação e alimentam transfobias diversas alinhadas ao patriarcado, que buscam sabotar avanços em políticas públicas inclusivas e igualitárias.
Por ampla maioria — 95% das mulheres presentes — a plenária final reafirmou compromisso com o enfrentamento à transfobia, e de forma unânime aprovou moção de repúdio a movimentos antigênero e trans-excludentes.
Reiteramos que a ANTRA e as mulheres trans e travestis têm o direito de participar e disputar espaços de decisão política, sem ter suas pautas desvirtuadas para atender interesses obscuros.
Espantalhos lançados por grupos de ódio foram rechaçados. E o recado da Conferência Nacional de Mulheres afirma que este espaço não será capturado por propostas que violam direitos humanos ou ímpetos segregacionistas.
Aproveitamos para agradecer imensamente nossas companheiras de luta e de afetos, por seguirem ao nosso lado neste momento que exige solidariedade entre todas nós, especialmente as conselheiras que compõem o CNDM e os seguimentos sociais, entidades representativas, sindicatos, coletivos feministas, organizações de mulheres negras, marchas de mulheres e todas as formas de organização que levaram cada uma de nós a esse momento histórico.
A ANTRA parabeniza cada travesti e mulher trans que esteve presente na 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, vindas de todas as regiões do país, em sua maioria negras, periféricas e interioranas. Vocês foram imensas e nossa gratidão é imensurável!
Mesmo diante de episódios de transfobia, mantiveram-se firmes, altivas e com qualidade nos debates, reafirmando que mulheres trans e travestis são parte essencial da luta feminista e popular.
Chegamos na VCNPM juntas, vivas e esperançosas. E saímos ainda mais fortalecidas, grandonas e alinhadas para seguir em frente dizendo não a qualquer agenda e discurso que fragilize nossas alianças históricas.
Agradecemos ao Ministério das Mulheres pela atuação firme, comprometida com os direitos humanos e atento as vozes das mulheres em sua diversidade e interseccionalidade, e sobretudo pelos esforços destinados a realização da conferência, mesmo em um cenário tão desafiador.
Sem medo podemos reafirmar que seguiremos firmes, com todas as mulheres comprometidas com a construção de um Brasil livre de racismo, misoginia, capacitismo, machismo, lesbofobia e transfobia.
Durante a 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM), um dos momentos mais significativos e emocionantes foi protagonizado pela Pastora Valéria Vilhena, representante das Evangélicas pela Igualdade de gênero no Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM), leu carta escrita pelo colegiado que se posicionou publicamente em defesa de travestis e mulheres trans diante dos recorrentes casos de transfobia registrados durante o processo conferencial — em diversos espaços e até mesmo nos espaços da conferência nacional.
Em meio a ataques e provocações vindos de grupos antigênero e transexcludentes — que, mesmo se dizendo “boicotados”, seguiram incitando o ódio e a desinformação dentro dos espaços institucionais da conferência nacional —, a fala da pastora ganhou força simbólica e política. Representando o CNDM, ao lado da Ministra das Mulheres Marcia Lopres, de Jovanna Baby (FONATRANS), Bruna Benevides (ANTRA) e Raquel (INAMUR), ela se ergueu com firmeza para repudiar toda e qualquer forma de discriminação, e reafirmar que travestis e mulheres trans são mulheres, chamando à responsabilidade ética e espiritual todas as pessoas comprometidas com a justiça e a dignidade humana.
O gesto de Valéria Vilhena — uma mulher evangélica progressista, com trajetória reconhecida no campo dos direitos humanos — rompeu estereótipos e lançou uma mensagem poderosa: é possível professar fé e, ao mesmo tempo, defender o amor, a igualdade e o respeito. Em um país que segue sendo o que mais mata pessoas trans no mundo, seu posicionamento representa um sinal de esperança e de resistência contra a onda de fundamentalismo religioso e moral que tenta sequestrar o debate público sobre gênero e diversidade.
A postura da pastora foi extremamente celebrada e também contribuiu para fortalecer o ambiente democrático da conferência e inspirou levantes na plenária onde todas as presentes disseram não a Transfobia, assim como a aprovação da Moção de Repúdio aos grupos antigênero e transexcludentes, que foi acolhida com ampla adesão das delegadas presentes. Esse movimento coletivo reafirmou a importância do CNDM como espaço de diálogo, inclusão e defesa dos direitos humanos, e mostrou que as mulheres brasileiras — cis, trans, negras, indígenas, periféricas, com deficiência — seguem unidas na luta por um país sem exclusões.
“O ato da pastora Valéria Vilhena foi um gesto de grandeza, bondade e coragem. Em um momento em que o fundamentalismo religioso tenta instrumentalizar o ódio, ver uma mulher de fé se colocar ao lado das travestis e mulheres trans reafirma que o amor e a justiça também são valores evangélicos. Esse gesto simboliza o futuro que queremos: um Brasil de respeito, empatia e liberdade”, declarou Bruna Benevides, presidenta da ANTRA.
Num contexto em que pessoas trans seguem sendo perseguidas, silenciadas e criminalizadas, a solidariedade de lideranças religiosas progressistas abre novas pontes de diálogo e demonstra que fé e direitos humanos não são opostos — são aliados na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Na ocasião também foi lida carta contra o racismo na mesma perspectiva escrita pelo CNDM.
A seguir, reproduzimos na íntegra a Nota Pública emitida pelo Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, lida e defendida pela pastora Valéria Vilhena durante a conferência:
Nota Pública
O Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres reafirma seu compromisso com políticas que reconheçam a diversidade e a interseccionalidade das mulheres no Brasil. A pluralidade de vozes neste colegiado e na V CNPM expressa a construção de um país mais justo, sem espaço para discriminação ou desumanização.
O direito à identidade de gênero é um direito humano e fundamental, ligado à dignidade, à liberdade e à felicidade garantidas pela Constituição Federal e por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e cuja plena efetivação devemos assegurar.
Travestis e transexuais são mulheres. E a realidade que enfrentam exige políticas públicas urgentes para que o Brasil deixe de ser o país que mais as assassina.
Composto por 38 instituições representativas, o CNDM reafirma sua posição contra a transfobia e todas as formas de violência, em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a CEDAW, a ONU Mulheres e decisões do STJ e STF que asseguram proteção e direitos à comunidade trans.
Este espaço só faz sentido quando exercitamos empatia e solidariedade. Não aceitaremos que ele seja capturado por práticas de exclusão ou violência.
Diante dos recorrentes casos de transfobia e das tentativas de criminalização das identidades trans, este Conselho repudia qualquer iniciativa que busque segregá-las em relação às demais mulheres. Os casos serão tratados nas esferas cabíveis e este Conselho seguirá vigilante ante a essas investidas.
Somos solidárias a todas as travestis e mulheres trans que chegaram até aqui e reafirmamos nosso compromisso com a vida de cada uma.
Durante a 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, foi lançado o guia “Todas as Mulheres: Dignidade, Cidadania e Direitos Humanos para Travestis e Mulheres Trans”, uma iniciativa inédita e histórica que marca o início de uma nova etapa nas políticas públicas voltadas à população trans no Brasil.
O material é fruto da parceria estratégica entre o Ministério das Mulheres e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA, formalizada por meio do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) nº 6/2025, o primeiro firmado pelo Ministério diretamente com uma organização trans. Essa aliança institucional contou ainda com o apoio da Secretaria Nacional de Articulação Institucional, Ações Temáticas e Participação Política, da ONU Mulheres, da campanha Livres & Iguais, liderada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), e com a expertise acumulada da ANTRA, entidade fundada em 1993 e reconhecida nacional e internacionalmente pela defesa dos direitos da população trans.
O lançamento, conduzido pela Ministra das Mulheres como uma das entregas na conferências, celebrou não apenas um novo instrumento de política pública, mas um compromisso real e histórico com as identidades trans. O ACT simboliza a união entre Estado e sociedade civil em torno de ações concretas voltadas à promoção da dignidade, da cidadania e dos direitos humanos de travestis e mulheres trans.
O guia chega em um momento simbólico: o Brasil celebra os 30 anos da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim e os 50 anos do Dia Internacional da Mulher, marcos globais que reafirmam a urgência de garantir que nenhuma mulher seja deixada para trás. Em um país onde a transfobia ainda produz índices alarmantes de violência — com 97% das vítimas de assassinato sendo travestis e mulheres trans, majoritariamente jovens e negras —, reconhecer essas existências é uma condição essencial para a democracia.
Mais do que um compêndio normativo, o guia é um manifesto pela vida, pela diversidade e pela igualdade de direitos. Reunindo bases legais nacionais e internacionais, o documento apresenta recomendações de organismos de direitos humanos, explica o uso correto de terminologias e pronomes, e traz informações práticas sobre o acesso a direitos em áreas como saúde, educação, trabalho, participação política e identidade.
A iniciativa responde ao dever do Estado brasileiro de garantir proteção contra todas as formas de discriminação, em consonância com a Plataforma de Pequim, com as recomendações da CEDAW e com os compromissos internacionais assumidos pelo país.
O lançamento também marcou o início da série de publicações “Todas as Mulheres”, que ampliará o olhar sobre a diversidade das mulheres brasileiras, incluindo futuras edições dedicadas a mulheres indígenas, negras, lésbicas, mulheres com deficiência, de povos e comunidades tradicionais, entre outras — proposta defendida pela ANTRA durante o processo de construção do guia.
O guia está disponível para download gratuito e ampla circulação, com o objetivo de alcançar travestis e mulheres trans em todo o território nacional. E em breve será lançado em formato físico.
“Este guia representa um compromisso concreto do Estado com as nossas vidas. Ele afirma que travestis e mulheres trans são parte do presente e do futuro do Brasil, e que não há democracia possível sem o reconhecimento pleno de todas as mulheres”, declarou Bruna Benevides, presidenta da ANTRA.
A ANTRA celebra este marco pioneiro e reafirma seu compromisso em continuar atuando pela efetivação dos direitos humanos, pela cidadania plena e pela dignidade de todas as travestis e mulheres trans, fortalecendo a agenda feminista, popular e democrática no país.
Participaram da construção do guia:
Rubi Martins dos Santos Correia, Coordenadora de Diversidade da SENATP/MM
Bruna Benevides, Presidenta da ANTRA
Maria Eduarda Borba Dantas, ONU Mulheres
Angela Pires Terto, Livres & Iguais / ONU Direitos Humanos
O guia está disponível abaixo, no site da ONU Mulheres e aqui no site da ANTRA na guia Cartilhas.
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT) anunciaram que irão recorrer da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, que cassou a liminar concedida em ação civil pública movida pela PFDC/AC. A liminar havia restabelecido o direito ao acesso de crianças e adolescentes trans aos tratamentos de saúde indispensáveis à sua saúde psicológica, social e integral, suspensos após ação do Conselho Federal de Medicina (CFM). Dino acatou pedido do Conselho e reconheceu que a competência para julgar o tema é da Suprema Corte, e não da primeira instância, que havia suspendido a resolução.
A decisão de Dino, considerada surpreendente e politicamente ambígua, interrompe um avanço construído a duras penas por organizações e profissionais de saúde que há décadas lutam pela consolidação de protocolos de cuidado baseados em evidências científicas e no respeito à dignidade humana. Ao optar por argumentos de natureza meramente procedimental, o ministro desconsidera o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e ignora os impactos concretos e imediatos de sua decisão na vida de crianças e jovens trans, que dependem dessas políticas para existir com saúde, segurança e acolhimento. A decisão foi fortemente celebrada pelo CFM, grupos antitrans e por políticos da extrema-direita.
Bruna Benevides, presidenta da ANTRA, afirmou que a decisão “revela um perigoso descompasso entre a Constituição e a prática judicial, que acaba privilegiando tecnicalidades jurídicas em detrimento da vida de crianças e adolescentes trans. O Supremo deveria ser a última instância de proteção dos direitos fundamentais, não mais um espaço onde nossas existências são submetidas a disputas políticas e religiosas”.
O advogado e constitucionalista Paulo Iotti, que representa a ação, destacou que a liminar cassada se baseava em fundamentos sólidos do MPF, que buscava assegurar a continuidade dos tratamentos reconhecidos como essenciais pela ciência e pela Organização Mundial da Saúde. “A decisão de Dino prioriza o debate processual sobre a urgência da matéria, ignorando que estamos lidando com direitos humanos e saúde pública. Cada dia sem acesso ao cuidado é uma violação concreta de direitos”, afirmou.
A crítica ao ministro também se insere num contexto mais amplo de observação sobre sua trajetória recente no STF. Reportagem do site Plató Brasil mostrou o aumento das menções à Bíblia em seus votos e falas públicas, levantando questionamentos sobre o uso crescente de referências religiosas no exercício de um cargo que, pela Constituição, deve se pautar pela laicidade do Estado. A matéria ainda destaca que Dino vem disputando simbolicamente com André Mendonça — indicado por Jair Bolsonaro e autodeclarado “terrivelmente evangélico” — o papel de ministro com discurso mais afinado à moral cristã, em um momento em que o país precisa de decisões baseadas em direitos e não em dogmas.
A aproximação entre convicções religiosas e a condução de temas que envolvem a população LGBTQIA+, especialmente a pauta trans, preocupa especialistas em direitos humanos. Esse não é a primeira decisão de Dino contra os direitos trans. Para Bruna Benevides, “quando um ministro do STF opta por citar a Bíblia ao lado da Constituição, abre-se um precedente perigoso. A posição do Estado e a garantia de direitos universais passam a ser substituídas por moralismos seletivos que excluem as minorias, sobretudo pessoas trans que neste momento sao alvos de agendas politicas contra nossos direitos e que tem ganhado força com as ordens executivas de Donald Trump e pela extrema direita global”.
Manifestação em ADI 7806
Paralelamente ao recurso, ANTRA e IBRAT, também protocolaram manifestação na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7806), na qual requerem que o relator, ministro Cristiano Zanin, adote a mesma postura procedimental de Flávio Dino — deferindo medida cautelar em decisão individual para posterior análise do Plenário, a fim de garantir segurança jurídica e continuidade da proteção à saúde de crianças e adolescentes trans. O pedido é assinado pelo Advogado da ADI 7806, Paulo Iotti.
“O CFM ignora a Medicina Baseada em Evidências. Todos os Centros de Referência que enviaram informações ao processo, a pedido do ministro Zanin, confirmaram que o bloqueio hormonal da puberdade em crianças trans e a hormonização a partir dos 16 anos são reversíveis e promovem bem-estar psicológico e social, enquanto sua ausência causa sofrimento, depressão, risco de suicídio e automedicação. Mostraram que princípios biomédicos da beneficência e da não-maleficência justificam nossa ação, mostrando que as proibições do CFM são inconstitucionais, anticientíficas, arbitrárias e desproporcionais, violando direitos fundamentais à saúde, ao livre desenvolvimento da personalidade e à não-discriminação“, complementa Iotti.
Segundo as entidades, trata-se de uma manifestação que vinha sendo elaborada há meses e que aguardava apenas os pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) para ser protocolada. No documento, rebatem ponto a ponto as afirmações negacionistas e anticientíficas apresentadas pelo Conselho Federal de Medicina no processo, sustentando seus argumentos com respaldo em estudos e manifestações de entidades médicas nacionais e internacionais. O alinhamento entre a posição do Ministério da Saúde, CFM e AGU chamou atenção de entidades da sociedade civil que publicaram nota de repúdio.
A manifestação reafirma, com base nas evidências apresentadas pelos principais centros de referência do país, a necessidade do bloqueio hormonal da puberdade em crianças trans e da hormonização em adolescentes trans a partir dos 16 anos, como medidas essenciais para a preservação da saúde psicológica e social, pelos benefícios comprovados que trazem e pelos graves prejuízos que sua ausência acarreta.
Os argumentos foram elaborados a partir de pareceres técnicos de instituições de excelência requisitados pelo ministro Zanin, entre elas o Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero do Hospital das Clínicas de São Paulo (AMTIGOS/HC-SP), o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFM/USP), o Programa Transdisciplinar de Identidade de Gênero do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (PROTIG/HCPA), o Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (NESA/UERJ), o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU) e o Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia (HUPES/UFBA).
O recurso e a manifestação conjunta marcam um momento decisivo na luta pela manutenção de políticas públicas de saúde voltadas à população trans infantojuvenil, ameaçadas por decisões judiciais que flertam com o retrocesso e a desresponsabilização do Estado. “Não estamos falando de ideologia, mas de saúde pública e direitos fundamentais”, concluiu Benevides. “O que está em jogo não é apenas uma liminar, mas o reconhecimento de que nossas crianças e jovens têm o direito de crescer com dignidade, amparados por um Estado que deve proteger — e não julgar — quem são.”
Durante a V Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em Brasília, o conjunto de mulheres presentes aprovaram por unanimidade uma moção de repúdio contra organizações transexcludentes como a Matria, “Aliança LGB” e o grupo “Raízes Feministas”. O documento que contou com adesão massiva das participantes, denuncia a atuação dessas entidades, reconhecidas como reprodutoras do discurso antitrans alinhado com a extrema direita e o fundamentalismo religioso, que propagam narrativas de que pessoas trans representariam ameaça a mulheres cis e as crianças.
A moção afirma que tais setores negam avanços históricos do feminismo, insistindo em um conceito biologizante, conservador e excludente de “mulher”, além de alimentar práticas de perseguição contra mulheres trans e travestis. No texto, são destacados os dados alarmantes sobre a realidade dessa população no Brasil: expectativa de vida de apenas 35 anos, 90% empurradas à prostituição compulsória e subrepresentação em espaços de poder.
Além disso, na plenária final de aprovação de propostas para o documento final da conferências, foi decidido que todas as políticas oriundas da conferência terão de assegurar a inclusão de mulheres trans e travestis, garantindo a perspectiva de gênero, classe e raça como eixos transversais, e a proposta específica contra a violência motivada por Transfobia teve a aprovação de 95% das Mulheres presentes. Aquilo que já sabíamos se confirmou: a imensa maioria das mulheres de todo o país, disse um sonoro NÃO ao racismo, ao sexismo, à lesbofobia e à transfobia.
Mulheres trans e travestis não foram rejeitadas: foram acolhidas, reconhecidas e legitimadas pelas próprias mulheres presentes. A rejeição recaiu sobre agentes que promovem segregação e alimentam transfobias diversas alinhadas ao patriarcado, que buscam sabotar avanços em políticas públicas inclusivas e igualitárias. As mulheres participantes da Conferência deixaram evidente que não há espaço para posturas excludentes ou manipuladas por interesses da extrema-direita.
Essa vitória não é apenas simbólica — é a reafirmação das alianças históricas entre o movimento trans, o movimento negro e todos os movimentos do campo popular que sempre lutaram, lado a lado, contra a exclusão e a violência. Destacando assim que Mulheres trans são bem-vindas, em todos os espaços da luta feminista e popular.
Bruna Benevides, presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), avaliou a aprovação da moção como um marco político e simbólico diante da crescente articulação de grupos que utilizam teorias feministas, mas operam em convergência com agendas ultraconservadoras.
“Esses grupos que se dizem defensores das mulheres, na prática, reforçam o projeto da extrema direita, negam a nossa humanidade e tentam nos expulsar dos espaços de participação social. Mas a Conferência mostrou que as mulheres brasileiras estão ano nosso lado e não aceitarão retrocessos. As mulheres trans e travestis estão aqui, junto as lutas das demais mulheres, e nossa voz não será silenciada.”, declarou Benevides.
A presidenta da ANTRA lembrou ainda que a ONU Mulheres (Global) já reconheceu a atuação de tais organizações antigênero como parte de uma rede internacional de gruposantidireitos, conectados a setores conservadores antigênero que atuam contra políticas de diversidade, direitos reprodutivos e combate à violência de gênero.
“Não estamos diante de um debate interno do feminismo, mas de uma estratégia global de perseguição, com financiamento e alianças políticas que atacam os avanços democráticos. Essa ofensiva precisa ser nomeada pelo que é: uma tentativa de reinstaurar a lógica cisheteropatriarcal que historicamente oprime todas as mulheres.”, reforçou Benevides.
Impactos e desafios
O crescimento da agenda transexcludente no Brasil representa um risco concreto para a construção de políticas públicas inclusivas. A difusão de narrativas que associam pessoas trans à violência sexual ou à suposta ameaça às mulheres ou à infância fortalece estigmas sociais, amplia a vulnerabilidade dessa população e legitima práticas de violência. Além disso, tais discursos fragmentam o campo progressista, abrindo espaço para que a extrema direita instrumentalize a pauta de gênero em suas estratégias eleitorais.
O reconhecimento internacional desses grupos como “antidireitos” também revela a dimensão geopolítica do problema: organizações brasileiras têm replicado manuais e estratégias de grupos estrangeiros, alinhando-se as políticas de Donald Trump e a projetos que visam deslegitimar conquistas democráticas e de direitos humanos em escala global.
Possíveis soluções
Entre os caminhos apontados por especialistas e militantes estão:
Fortalecimento das alianças interseccionais entre movimento trans, movimento negro, feminismo popular, movimento sindical e organizações de direitos humanos;
Monitoramento das redes de financiamento que sustentam esses grupos, ampliando a transparência e cobrando atuação do Ministério Público e dos órgãos de controle;
Educação e formação feminista interseccional que valorize a diversidade de experiências das mulheres;
Ampliação da participação trans em espaços institucionais, garantindo representatividade efetiva nos conselhos e nas políticas públicas.
Para Benevides, o momento exige firmeza e estratégia coletiva:
“A resposta não pode ser apenas reativa. Precisamos construir uma frente ampla de mulheres em toda a sua diversidade para enfrentar a ofensiva antigênero. Só assim poderemos proteger as conquistas democráticas e garantir que nenhuma de nós fique para trás.”
A seguir a íntegra da Moção:
Título: Moção de Repúdio ao Movimento Antigênero e Transexcludente
Nós, mulheres trans, travestis e cis aliadas, reunidas na 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, repudiamos as intenções supremaCIStas de grupos transexcludentes, como MATRIA, “Aliança LGB” e “Raízes Feministas”.
Esses setores reproduzem o discurso da extrema direita e do fundamentalismo religioso, ao alegar que pessoas trans seriam ameaça para mulheres cis e crianças. Tal narrativa ignora décadas de produções feministas que compreendem o gênero como construção social e interseccional, reduzindo mulheres a uma essência biologizante e negando existências que escapam ao padrão cisreprodutivo. A acusação de que mulheres trans e travestis seriam “homens infiltrados” é falaciosa diante da realidade de exclusão que nos atravessa: expectativa de vida de 35 anos, 90% empurradas à prostituição compulsória e acesso restrito a espaços de poder.
Nesta conferência, o Conselho Nacional de Direitos das Mulheres reafirma o conceito de mulheridades, reconhecendo diferentes vivências em lutas comuns contra racismo, misoginia, capacitismo e transfobia.
Assim, afirmamos que não há perseguição às mulheres cis críticas de gênero no Brasil, enquanto mulheres trans e travestis vêm sendo perseguidas desde a ditadura militar e principalmente pela extrema direita, e rejeitamos ataques à nossa plena participação, pois violam o regulamento da conferência e apenas reforçam o sistema cisheteropatriarcal que nos mata.
Defendemos políticas com perspectiva de gênero, espaços seguros e diálogos interseccionais, para que nenhuma mulher seja silenciada ou deixada para trás. Nossa luta é por todas e para todas.”
Entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro, Brasília será o centro das atenções ao sediar a 5ª Conferência Nacional pelos Direitos das Mulheres, organizada pelo Ministério das Mulheres em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres. O encontro será um marco na construção de políticas públicas que visam um futuro sem violência de gênero, com justiça social e plena dignidade para todas as mulheres.
A Conferência ganha relevância especial neste ano por sua composição diversa e representativa, com destaque para a participação paritária de mulheres negras e a presença de mulheres trans e travestis, que não apenas estarão no evento, mas o constroem desde dentro, como conselheiras e lideranças representativas vindas das delegações de todos os estados. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) foi a primeira instituição trans a integrar o Conselho como membro titular, ao lado do Fonatrans e do Inamur. Essa presença não é apenas simbólica: representa uma virada histórica que amplia as alianças entre diferentes movimentos de mulheres e fortalece o compromisso de que a luta feminista deve ser plural, interseccional e comprometida com todas as experiências de ser mulher.
A importância dessas presenças está no tensionamento e na renovação das formas de pensar o feminismo brasileiro. Se durante décadas os espaços de decisão política foram ocupados majoritariamente por vozes ligadas a uma hegemonia feminista, agora se abre espaço para diálogos e articulações históricas com aquelas que sempre estiveram à margem: mulheres negras, periféricas, indígenas, quilombolas, com deficiência, trans e travestis. Este movimento reafirma que não há futuro possível para a luta das mulheres sem o reconhecimento das diferenças e sem alianças concretas entre aquelas que historicamente resistiram em condições de maior vulnerabilidade.
A Conferência também será palco de uma homenagem especial a 60 mulheres que marcaram a luta no Brasil. Entre elas estão nomes como a ex-presidenta Dilma Rousseff, a ministra do STF Cármen Lúcia, Benedita da Silva, Maria da Penha, Marielle Franco, Jandira Feghali, Lélia gonzales, Luana Barbosa, Carolina Maria de Jesus, além de pesquisadoras, lideranças de movimentos populares, sociais, negros e feministas. De forma inédita, o marco se expande para incluir 12 mulheres trans e travestis, cujas trajetórias simbolizam resistência, pioneirismo e transformação social.
São elas: Jovanna Baby, Neon Cunha, Megg Rayara, Keron Ravache (in memorian), Katia Tapety, Erika Malunguinho, Erika Hilton, Duda Salabert, Leilane Assunção (in memorian), Benny Briolly, Rafa Damasceno e Cristiane Beatriz. Cada uma, em sua trajetória, representa avanços no campo dos direitos humanos, da política, da academia, da arte e da vida comunitária, compondo um mosaico potente da luta trans travesti no Brasil. Além disso, Dandara Ketlyn dara nome a uma das salas de debates e discussões.
Pioneirismo Trans na luta das Mulheres
Chopelly Santos, mulher trans pernambucana e atual vice-presidenta da ANTRA, marcou um momento histórico ao se tornar a primeira representante trans no Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM) representando a entidade. Sua presença nesse espaço não foi apenas simbólica: abriu caminhos fundamentais para a aproximação das lutas de travestis e mulheres trans ao feminismo brasileiro, projetando nossas vozes para dentro do próprio Ministério das Mulheres. Esse gesto pioneiro rompeu barreiras históricas de exclusão, afirmando que a luta das mulheres no Brasil só é completa quando contempla a diversidade de suas existências.
Chopelly foi desbravadora ao ocupar esse território político e institucional, pavimentando um percurso que permitiu à nossa população se reconhecer como parte inegociável da luta das mulheres brasileiras, reposicionando a agenda feminista em direção a uma prática mais plural, inclusiva e transformadora.
Assim, o protagonismo de mulheres trans e travestis neste espaço é um recado político: o feminismo brasileiro está vivo, plural e em movimento. A 5ª Conferência Nacional pelos Direitos das Mulheres não será apenas um espaço de debates, mas de reafirmação da democracia, de construção de propostas concretas e de fortalecimento de alianças capazes de enfrentar a violência, o racismo, a transfobia e todas as formas de opressão.
Mais do que nunca, é o momento de afirmar que nenhuma mulher será deixada para trás!
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA manifesta seu mais veemente repúdio à transfobia persistente nos espaços de construção de políticas públicas, incluindo conferências nacionais e regionais de direitos humanos. Episódios recentes, como os ocorridos na V CONAPIR e em Conferências Estaduais Pelos Direitos das Mulheres, evidenciam de forma clara e urgente a necessidade de transformar esses espaços em ambientes seguros, inclusivos e comprometidos com a promoção da dignidade humana. Estamos em vias de realizar as conferências de direitos das Mulheres, das pessoas LGBTQIA+, da pessoa idosa e outras, por isso essa reflexão se faz tão urgente.
O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo, cenário agravado pela ausência de políticas públicas e pelas barreiras de acesso a direitos fundamentais, que impactam diretamente a expectativa de vida dessa população. Dados produzidos pela ANTRA indicam que 78% das vítimas de assassinatos de pessoas trans eram negras, revelando a interseção entre transfobia e racismo estrutural. Os Dossiês da ANTRA e dados do SINAN e Disque 100, comprovam ainda que o país continua sendo um dos que mais violam os direitos humanos dessa população, tornando a urgência de ação institucional ainda mais premente.
Além da violência física, a população trans enfrenta dificuldades significativas no acesso a direitos básicos. Estudos diversos demonstram barreiras no acesso à saúde, educação, emprego e segurança, com recorrentes situações de discriminação e exclusão social. Essa vulnerabilidade se intensifica para travestis e mulheres trans negras, sobretudo aquelas periféricas, que representam a maioria nos processos de invisibilização e precarização, no desemprego, no sistema prisional, entre pessoas vivendo com HIV/AIDS e em situação de rua. Em um contexto marcado por perseguições às pautas trans, inclusive por agendas transnacionais que miram essa população, as pessoas trans negras são as mais impactadas, destacando a necessidade de políticas públicas interseccionais que enfrentem simultaneamente a transfobia e o racismo estrutural. E é neste contexto que as alianças entre movimentos sociais populares contra toda forma de discriminação, injustiça e violência se tornam fundamentais para o avanço da cidadania de grupos históricamente vulnerabilizados, afirmando que direitos humanos sao inegociáveis.
As conferências de direitos humanos, enquanto espaços de construção democrática, devem ser territórios de escuta ativa, respeito mútuo e promoção da diversidade em todas as suas dimensões. É nesses fóruns que se definem políticas públicas, diretrizes e agendas de proteção social com impacto direto sobre a vida de milhões de pessoas. A presença de discursos transfóbicos, cissexistas ou racistas não apenas viola direitos individuais, mas compromete os princípios basilares da democracia, da justiça social e dos direitos humanos.
Ignorar ou silenciar a voz de travestis e mulheres trans negras, que enfrentam múltiplas formas de violência e exclusão, reforça desigualdades históricas e mina a legitimidade dos processos de construção coletiva. Conferências e fóruns devem, portanto, ser organizados de forma a garantir segurança, acessibilidade e representatividade, reconhecendo que a inclusão de pessoas trans, especialmente negras, periféricas e em situação de maior vulnerabilidade, é essencial para que a democracia se realize de fato.
Promover a participação plena da população trans nesses espaços é também um ato de reparação histórica e política: reconhece o impacto da transfobia e do racismo estrutural, fortalece a interseccionalidade nas políticas públicas e assegura que a construção de direitos se traduza em dignidade, proteção e oportunidades reais. Garantir que esses ambientes sejam livres de violência simbólica e material reafirma que a defesa dos direitos trans é inseparável da luta antirracista e do compromisso com uma sociedade justa, plural e democrática.
A ANTRA exige que as conferências de direitos humanos adotem medidas concretas e efetivas para coibir qualquer manifestação de transfobia, cissexismo e discriminação. A participação ativa de todas as pessoas trans, em especial travestis e mulheres trans negras, que vivem no epicentro das múltiplas violências estruturais é fundamental para o exercício da dignidade humana. É imperativo que esses espaços se consolidem como territórios de acolhimento, segurança e respeito, onde todas as vozes sejam ouvidas, reconhecidas e consideradas na formulação de políticas públicas.
A perpetuação da transfobia, somada a políticas que negligenciam ou atacam nossas identidades, não representa apenas uma ameaça à vida de pessoas trans, mas um ataque direto à democracia e aos princípios universais de direitos humanos. Conferências e fóruns de direitos têm o potencial de transformar essa realidade, tornando-se instâncias estratégicas de combate à violência, de promoção da equidade racial e de afirmação da dignidade humana.
Conclamamos governos, instituições e sociedade civil a se comprometerem com a proteção da população trans, a implementar mecanismos de responsabilização frente à transfobia e ao racismo, e a assegurar políticas públicas que enfrentem diretamente as desigualdades históricas, assegurando formação adequada para prestadores de serviços, funcionários e a distribuição de materiais informativos sobre diversidade. Este é um chamado à ação: só haverá justiça social plena se reconhecermos que a luta contra a transfobia é inseparável da luta antirracista e pela jusição social para todas as mulheres, e que a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática depende da proteção, valorização e protagonismo de todas as identidades trans, especialmente das mais vulnerabilizadas.
Por fim, a ANTRA recomenda que providências concretas precisam ser tomadas para acolher, apoiar e reparar as vítimas de transfobia nesses espaços, e para denunciar formalmente todas as pessoas que insistirem em abraçar e reproduzir práticas transfóbicas, reafirmando nosso compromisso com a justiça, a equidade e a proteção da vida e da dignidade da população trans.
Em mais uma atuação histórica em defesa dos direitos humanos da população trans e travesti, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) marcou presença na V Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (V CONAPIR), levando pautas prioritárias para pessoas trans negras e cobrando respostas concretas do Governo Federal. Destacamos que a ANTRA foi a primeira instituição LGBTQIA+ do país a participar do Fórum Permanente de pessoas Afrodescendentes da ONU e a entregar cartas sobre a situação de pessoas trans negras para relatores da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A ANTRA afirma que a luta antirracista não é uma pauta, mas parte intrínseca da sua existência, orientando todas as suas ações e posicionamentos. Reconhecendo que não há luta trans sem enfrentamento ao racismo estrutural, a organização adota uma abordagem interseccional que articula combate à transfobia, ao racismo, ao machismo e à desigualdade social. Prioriza a visibilidade, protagonismo e proteção de travestis e mulheres trans negras, que são as mais vulnerabilizadas socialmente, e baseia suas políticas e pesquisas na análise do impacto racial, produzindo dados e denunciando práticas institucionais discriminatórias. Além disso, fortalece organizações trans negras nos territórios, valoriza a ancestralidade como parte da identidade travesti e trans, e integra o compromisso antirracista à formulação de políticas públicas, consolidando a justiça racial como elemento inseparável da emancipação trans.
Durante a V CONAPIR, a ANTRA apresentou uma Moção de Repúdio contra a omissão do Ministério da Saúde ao não publicar e atuar para não implementar o Programa de Atenção Especial à Saúde da População Trans e Travesti (PAES POP TRANS). Elaborado em 2023 por especialistas, pesquisadores e movimentos sociais, o programa é essencial para garantir acesso a cuidados de saúde integral, incluindo procedimentos relacionados à afirmação de gênero, mas segue engavetado, refletindo graves consequências para a saúde coletiva, física e mental da comunidade.
A moção enfatiza que a não implementação do PAES POP TRANS aprofunda desigualdades, atingindo de forma desproporcional pessoas trans e travestis negras, maiores usuárias do Sistema Único de Saúde. O documento cobra a publicação imediata do programa, sua efetiva implementação e ampla divulgação, e reforça o repúdio da ANTRA à negligência institucional e à postura antitrans do Conselho Federal de Medicina.
Para Bruna Benevides, presidenta da ANTRA, a moção representa um marco de resistência e compromisso com a população trans: “Esta moção é uma forma de reafirmarmos que não aceitaremos omissão frente a vidas trans e travestis negras. Nosso compromisso é garantir que direitos fundamentais, como saúde e dignidade, não sejam negados por preconceito ou burocracia. A publicação do PAES POP TRANS é urgente e indispensável.”
Camille Nascimento, representante da ANTRA na V CONAPIR e responsável pela mobilização da moção e das assinaturas de apoio, ressaltou a importância da presença da ANTRA nos espaços de decisão: “Ocupar este espaço é garantir que as pautas trans e negras sejam ouvidas e consideradas nas decisões que impactam nossas vidas. Cada assinatura, cada palavra da moção representa nossa luta coletiva por políticas públicas que não deixem ninguém para trás.”
A moção será registrada nos anais da conferência, consolidando a cobrança da ANTRA por ações afirmativas e políticas que respeitem a diversidade, promovam equidade racial e assegurem o direito à vida digna de toda a população trans e travesti.
Além disso, repudiamos veementemente a transfobia que insiste em se manifestar nos espaços de construção de políticas públicas, como ficou evidente em episódios inaceitáveis durante a V CONAPIR. Esses espaços, dedicados à promoção da igualdade e da justiça social, precisam estar rigorosamente organizados e preparados para coibir qualquer forma de violência ou violação de direitos contra a comunidade trans. Ressaltamos que a luta das pessoas negras trans é inseparável da luta antirracista, e que a transfobia é profundamente incompatível com qualquer agenda que se pretenda antirracista e comprometida com a equidade. A defesa dos direitos trans e a promoção da justiça racial devem caminhar juntas, fortalecendo uma agenda de inclusão e proteção para todos.
Leia a seguir a Moção na íntegra:
MOÇÃO DE REPÚDIO – Em defesa da saúde Trans e Travesti
Em defesa dos direitos humanos, e do direito universal a saúde para a população trans e travesti, manifestamos nosso veemente repúdio à omissão do Ministério da Saúde frente à necessidade urgente de publicação da política integral de saúde voltada a essa população, que atualmente encontra-se engavetada pelo racismo e transfobia institucionais, com graves consequências para a saúde coletiva, física e mental da comunidade. A não implementação do Programa de Atenção Especial à Saúde da População Trans e Travesti (PAES POP TRANS), elaborado por especialistas, pesquisadores e movimentos sociais em 2023, impede o acesso a cuidados essenciais, sobretudo relacionados à afirmação de gênero, e aprofunda desigualdades existentes, atingindo de forma desproporcional a população trans e travesti negra, maior usuária do sistema público de saúde.
Diante dessa omissão, conclamamos o Governo Federal, por meio do Ministério da Saúde, a publicar imediatamente o PAES POP TRANS, garantindo sua efetiva implementação, ampla divulgação e acesso integral aos serviços de saúde. Reiteramos nosso repúdio à negligência do Ministério, que corrobora com a resolução negacionista e antitrans do Conselho Federal de Medicina, e exigimos a adoção de ações imediatas que assegurem o direito à vida e à saúde da população trans e travesti, especialmente considerando o contexto de vulnerabilidade enfrentado.
Apresentamos esta moção, reafirmando nosso compromisso com a justiça social, a equidade racial e o direito à vida digna de toda a população trans e travesti.
Declaração conjunta dos titulares de mandatos dos procedimentos especiais da ONU reafirmam a centralidade do gênero como instrumento para promover a igualdade e todos os direitos humanos
No dia 28 de agosto de 2025, 45 titulares de mandatos de procedimentos especiais das Nações Unidas reafirmam a igualdade de gênero como uma pedra angular dos direitos humanos e da igualdade substantiva. “Tal como os movimentos feministas e de defesa dos direitos das mulheres e as normas internacionais em matéria de direitos humanos há muito afirmam, a biologia não é um destino”. A discriminação baseada no gênero deve ser abordada a par da discriminação baseada no sexo. Enquanto o “sexo” se refere a características biológicas, o “gênero” fornece uma perspectiva analítica mais ampla e mais saliente, abrangendo as identidades, os papéis e as expectativas socialmente construídos que moldam a vida dos indivíduos. Estas dinâmicas reforçam as hierarquias de poder e, frequentemente, produzem ou mantêm desvantagens para as mulheres em toda a sua diversidade.
Assim, as concepções de feminilidade não são modeladas apenas pela biologia, mas através de processos de socialização (incluindo através de sistemas educativos), formas de discriminação que se cruzam, a aplicação de normas de gênero e a mudança ao longo do tempo. Estas interações conduzem frequentemente à negação dos direitos de mulheres e meninas. Os enquadramentos legais e políticos que não têm em conta esta realidade, ou que impõem divisões rígidas entre sexo e gênero, são limitados na sua capacidade de abordar de forma significativa a desigualdade estrutural ou de assegurar a plena realização dos direitos humanos universais das mulheres e meninas.
Os peritos manifestaram profunda preocupação com os esforços de alguns Estados e outros atores para negar a relevância do gênero, reafirmando concepções fixas e binárias do sexo que ignoram os fatores sociais e culturais que moldam a identidade e a experiência vivida. “Estas abordagens não refletem a diversidade das experiências vividas pelas mulheres e meninas e ignoram as realidades das pessoas que enfrentam discriminação com base na orientação sexual, na identidade de gênero ou na expressão de gênero. Estão muitas vezes enraizadas em informações erradas que reforçam estereótipos de gênero prejudiciais, invocam formas erradas de ‘protecionismo’ e afastam-se de estratégias baseadas em provas essenciais para alcançar a igualdade de gênero e proteger os direitos de todas as mulheres e meninas.”
Salientaram a importância de garantir que o gênero e a discriminação e violência baseadas no gênero permaneçam no centro do direito internacional dos direitos humanos. “Isto não só porque a proibição da violência baseada no gênero é reconhecida como um princípio do direito internacional consuetudinário, mas também porque o gênero é uma lente analítica vital – essencial para expor as disparidades de poder, as desigualdades estruturais e as práticas discriminatórias incorporadas nas leis, instituições e normas sociais. Esta perspectiva reconhece as diferenças biológicas, ao mesmo tempo que chama a atenção para a forma como os papéis de gênero são construídos, aplicados e vividos. Sem esta perspectiva, a exclusão sistémica das mulheres e das pessoas com diversidade de gênero – particularmente aquelas cujas identidades e expressões não se enquadram nas normas binárias dominantes – permanece invisível.”
Os peritos sublinharam ainda que, sem uma perspectiva de gênero, é impossível compreender plenamente a forma como os papéis, as expectativas e as hierarquias se manifestam na educação, na saúde, na cultura, no local de trabalho ou no que diz respeito às oportunidades sociais, económicas e políticas – e como afetam o bem-estar humano. “Em contrapartida, o sexo, por si só, oferece um poder explicativo limitado para revelar as dinâmicas sociais e culturais que impulsionam a desigualdade de gênero.”
Os peritos explicaram que, embora o sexo biológico – que se refere às características físicas e reprodutivas – tenha significado, não pode explicar totalmente os padrões de marginalização que os mecanismos de direitos humanos foram concebidos para abordar. “É o gênero, enquanto construção social moldada pela história, pela cultura e pelo contexto, que determina o acesso aos recursos, às oportunidades, à vulnerabilidade à violência e à participação na vida pública. O gênero reflete a forma como as sociedades escolhem tratar os homens, as mulheres e as pessoas com diversidade de gênero: a que necessidades são dadas prioridade, que políticas são adotadas pelos Estados e pelos agentes privados e como o poder e os recursos são distribuídos. Também se cruza com outras formas de exclusão – como a raça e a etnia, a casta, a descendência, a deficiência, a idade, a religião, o estatuto de migrante, o estatuto socioeconómico e as mulheres afetadas por doenças tropicais crónicas e negligenciadas – moldando a medida em que os direitos são realizados na prática.”
Os peritos sublinharam que numerosos organismos, incluindo o Comitê CEDAW, esclareceram que o que foi originalmente enquadrado como discriminação com base no “sexo” na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e noutros tratados é, de fato, discriminação de gênero, decorrente do tratamento sociopolítico das diferenças biológicas e não das próprias diferenças. Este entendimento tem sido consistentemente reforçado por tribunais e instrumentos nacionais e internacionais em diversas regiões e contextos culturais, e tem sido promovido por movimentos feministas, de direitos das mulheres e da sociedade civil em todo o mundo, embora continue a ser contestado por alguns atores.
Através das suas Recomendações Gerais e jurisprudência, o Comitê da CEDAW também deixou claro que a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de gênero constitui uma forma de discriminação baseada no gênero que os Estados são chamados a combater através de medidas legais e políticas específicas. Esta interpretação está em consonância com o quadro mais amplo dos direitos humanos, que reconhece a natureza interseccional da desigualdade e a necessidade de proteções não discriminatórias, inclusivas e baseadas nos direitos.
Os peritos afirmaram que as definições fixas e binárias de sexo correm o risco de reforçar – em vez de desmantelar – os próprios estereótipos que os Estados são obrigados a eliminar ao abrigo da CEDAW e de outros instrumentos internacionais de direitos humanos: “Tais definições rígidas de sexo obscurecem as desigualdades estruturais e ameaçam corroer décadas de progresso normativo e legal.”
Os peritos também sublinharam a importância de analisar a forma como as masculinidades são construídas e aplicadas. Os sistemas patriarcais não só subordinam as mulheres e as pessoas com diversidade de gênero, como também impõem ideais de masculinidade restritivos – muitas vezes prejudiciais – centrados no controle, na agressão e na supressão emocional. Estas normas normalizam a violência, corroem o bem-estar emocional e psicológico e marginalizam os homens e meninos que não se conformam com as expectativas dominantes de gênero.
As normas jurídicas internacionais sobre gênero evoluíram para refletir os avanços em diferentes disciplinas académicas, bem como a complexidade e a interdependência das desigualdades sociais. Os esforços regressivos que visam restringir as definições de sexo e gênero não acompanham esta evolução e ameaçam inverter os progressos duramente conquistados no sentido da igualdade e da dignidade para todos.
Concluíram: “Enquanto titulares de mandatos encarregados de defender os direitos humanos universais em diversos mandatos temáticos e específicos de cada país, apelamos aos Estados e a todas as partes interessadas para que reafirmem a centralidade do gênero no direito, na política e na prática internacionais. A integridade e a coerência do sistema internacional de direitos humanos dependem disso. A todas as mulheres, na sua diversidade, deve ser garantida plena e igual voz e proteção ao abrigo do direito internacional. A erradicação da discriminação baseada no gênero e da violência baseada no gênero é desafio transversal que exige respostas coordenadas, sustentadas, não regressivas e não discriminatórias por parte dos Estados, das empresas e de todos os outros intervenientes – respostas que são essenciais para concretizar a promessa de direitos humanos para todos.”
Agenda Antigênero na ONU
O comunicado dos peritos de procedimento especiais veio em meio a tensões sobre o avanço da agenda antigenero alinhada a ordem executiva de Donald Trump e ao avanço da extrema-direita ao redor do mundo. Em comunicado publicado em junho, a Relatora especial sobre violência contra mulheres da ONU, Reem Alsalem, que já vem sendo sendo criticada por sua agenda antitrans, pediu aos governos que definissem gênero com base no sexo biológico(sic), e afirmou que “a confusão entre sexo, gênero e identidade de gênero” está corroendo suas proteções. Declarando o que ela chama de “guerra contra a ideologia de gênero”. Tendo sido apoiada pela Santa Sé, Kuwait, Costa do Marfim, Burkina Faso (que recentemente criminalizou a homossexualidade) e Sudão .
A União Europeia informou a Alsalem que a abordagem de gênero era obrigatória pelo direito internacional. A Suíça e os Países Baixos consideraram a abordagem de Alsalem regressiva. A Colômbia, falando em nome de 37 países, a maioria da Europa e da América Latina, disse a Alsalem que sua abordagem representava um “retrocesso” em termos de direitos humanos. O Canadá afirmou que “gênero é uma construção social, não confinada à anatomia, e vital para a compreensão de como a discriminação e a violência operam em contextos diversos”. A Alemanha afirmou que “classificações binárias e terminologia excludente podem marginalizar grupos como pessoas LGBTQI+, profissionais do sexo, pessoas com deficiência e pessoas em situação de rua”.
Agências líderes da ONU, incluindo ONU Mulheres, UNFPA, OMS e UNICEF, também rejeitaram as recomendações de Alsalem. Alegaram que políticas e programas de “violência de gênero” neutros em termos de gênero são exigidos pelo direito internacional.
Sua posição alinha-se estreitamente com a retórica de direita, citando frequentemente grupos conservadores anti-direitos LGBTQI em seus relatórios. Em fevereiro, ela acolheu a ordem executiva do presidente dos EUA, Donald Trump, que proíbe mulheres trans de esportes femininos e, em uma carta recente ao Comitê Olímpico Internacional, pediu a triagem sexual e a exclusão de mulheres trans das categorias esportivas femininas.
Em uma carta de 2022 à primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, ela alertou que as leis de autoidentificação “abrem a porta para homens violentos” em espaços exclusivos para mulheres. Essa lei foi bloqueada pelo governo do Reino Unido – uma decisão que a Suprema Corte confirmou em abril, determinando que “homem” e “mulher” na lei britânica se referem ao sexo biológico. Especialistas da ONU expressaram desde então preocupação de que a decisão possa legitimar políticas de exclusão. Alsalem, no entanto, elogiou a decisão como uma vitória para a segurança das mulheres.
O que mais alarma os ativistas é que sua linguagem parece estar legitimando um ressurgimento conservador na ONU. O governo Trump tem buscado eliminar referências de gênero dos textos da ONU e impor uma visão binária de sexo que se alinha com a formulação de Alsalem.
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Veja a declaração completa dos peritos da ONU aqui:
Mais de 130 organizações assinam nota de repúdio à Resolução nº 2.427/2025 do CFM e ao alinhamento do governo federal com pautas que ferem os direitos trans
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT) e mais de 130 instituições, coletivos e movimentos sociais divulgaram, nesta segunda-feira (1º), uma nota pública em defesa da vida e do direito à saúde da população trans e travesti.
O documento manifesta profunda indignação diante do alinhamento político-ideológico entre o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Saúde (MS) e o governo federal na defesa da Resolução nº 2.427/2025, recentemente suspensa pela Justiça Federal do Acre.
Segundo a decisão judicial, a resolução apresenta vício procedimental, foi elaborada sem debate democrático e técnico, contraria a medicina baseada em evidências e viola frontalmente direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana, o direito à saúde, a proteção integral de crianças e adolescentes e o livre desenvolvimento da personalidade.
Violações de direitos e retrocessos sociais
A norma suspensa proibia o uso de bloqueadores puberais e hormônios em pessoas menores de 18 anos, impondo barreiras que, na prática, negariam o acesso de adolescentes trans a cuidados essenciais de saúde. Especialistas e movimentos sociais alertam que a medida teria como consequência o aumento da vulnerabilidade, do sofrimento psíquico e do risco de suicídio entre jovens trans. Em resposta, ANTRA e IBRAT moveram a ADI 7806 no STF, que conta com pareceres de diversas sociedades médicas, orgãos de classe e outros agentes que defendem a saúde trans como direito fundamental.
Além disso, a resolução fere princípios constitucionais, tratados internacionais e decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), como a ADPF 787, que reconhece a necessidade de políticas públicas para superar barreiras de acesso da população trans ao SUS.
A ANTRA e o IBRAT denunciam que a iniciativa reflete uma captura ideológica de instituições de Estado pela extrema-direita e pelas políticas antigênero, reproduzindo práticas de lawfare antitrans já vistas em outros países, como Estados Unidos e Reino Unido – que tem proibido o acesso a saúde trans e implementado diversas políticas regressivas em relação aos direitos trans, ferindo tratados internacionais dos quais o país é signatário.
Ciência ignorada
O documento ressalta ainda que a posição do CFM vai na contramão da produção científica nacional e internacional. Entidades médicas e científicas, como a World Professional Association for Transgender Health (WPATH), a Endocrine Society, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), defendem a segurança e a eficácia dos bloqueadores hormonais e da hormonização para adolescentes trans.
“O que a ciência defende, o CFM proibiu. O que a Justiça suspendeu, o governo defende”, sintetiza a nota.
Pedidos ao governo federal
As organizações pedem que o governo federal interrompa imediatamente o alinhamento com pautas antigênero/antitrans, retome o compromisso com a ciência, a democracia e os direitos humanos, e publique o PAESPOPTRANS, política nacional voltada à saúde da população trans, atualmente engavetada pelo Ministério da Saúde.
Também reafirmam a mobilização junto ao STF pela declaração de inconstitucionalidade integral da Resolução nº 2.427/2025 e pela restauração da Resolução nº 2.265/2019, que regulamentava os cuidados de saúde para pessoas trans sem restrições discriminatórias.
A vida não é negociável
“A vida das pessoas trans não é negociável. Nosso direito à saúde, à dignidade e à liberdade não pode ser rifado por interesses políticos, eleitorais ou ideológicos”, afirmam ANTRA, IBRAT e as demais entidades signatárias.
A nota encerra reafirmando o compromisso das organizações em seguir denunciando em instâncias nacionais e internacionais qualquer tentativa de institucionalizar a transfobia por meio de normas administrativas ou jurídicas.